PenseLivre On Line

Como dizia apropriadamente Samuel Wainer: A PENA É LIVRE, MAS O PAPEL TEM DONO.
Os blogs permitem que, por algum momento, possamos ter a pena livre e, ao mesmo tempo, ter a propriedade do papel.
Neste blog torno públicas algumas reflexões pessoais, textos e publicações pinçadas da web e que me fizeram pensar e repensar melhor a realidade.
Este blog é uma pretenção cidadã e...nada mais!

Procuro por:

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Odebrecht envolve BNDES em operações ilegais

26/11/2008
Fonte: Eduardo Sales de Lima - da Redação Brasil de Fato

A expulsão da construtora brasileira Norberto Odebrecht do Equador desvela uma situação na qual nem a elite brasileira nem parte do governo federal querem admitir; a de que o país vizinho, na verdade, tenta se livrar de mais de 30 anos de dívidas ilegítimas e odiosas*.
As primeiras, aquelas que se referem a empréstimos contraídos fora do marco legal nacional e internacional, em um contexto injusto, de falta de transparência, que viola a soberania e os direitos humanos. As segundas, as que foram contraídas sem o consentimento da população.
A atitude tomada pelo governo do Equador surge como conseqüência direta do relatório Auditoria Integral do Crédito Público (Caic), apresentado em novembro, que abordou detalhes de empréstimos feitos ao Equador que vão de 1976 a 2006.
Entre as inúmeras irregularidades ocorridas nesses 30 anos, o estudo aponta um contrato repleto de ilegalidades envolvendo o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), a construtora Odebrecht e o governo equatoriano.
A auditoria cita a assinatura de dez contratos ampliadores, que aumentaram os custos da obra da segunda maior usina hidrelétrica equatoriana, a San Francisco, e demonstra uma submissão do empréstimo feito pelo BNDES à legislação brasileira, quando este deveria ser regido pelas leis equatorianas.
Somado a isso, no meio do ano, a Odebrecht – que também está está sendo indiciada em inquérito pelo acidente no metrô paulista – provocou a paralisação da hidrelétrica equatoriana por conta de problemas na turbina e no túnel por onde passa a água.Após rescindir todos os contratos com a empreiteira brasileira, o governo do Equador pretende, ainda, não reconhecer a dívida pertencente à Odebrecht junto ao BNDES, de 243 milhões de dólares. Para tanto, o governo do presidente Rafael Correa decidiu recorrer à Câmara de Comércio Internacional, em Paris.
Além disso, serão investigados pelo governo equatoriano parte dos funcionários públicos do país e os vestígios de todas as operações da empresa no Equador.

Credores “mui amigos”

A atitude de Correa mostra que na América Latina já não existem tantos presidentes que permitem a ação de grupos e instituições internacionais especializados em ganhar com o endividamento de países pobres.
Considerando todo o período do estudo da Caic, o presidente equatoriano anunciou que "não pagará a dívida ilegítima, a dívida corrupta e ilegal". Uma mensagem direta, também ao BNDES. A recomendação dos economistas integrantes da auditoria é a de que não se pague cerca de 40% da dívida externa do país, por causa dos indícios de corrupção – ou seja, um total de 3,9 bilhões de dólares.
Nas palavras de Correa, será necessário julgar os culpados pelo endividamento externo que adquiriram vantagens “com títulos espúrios, com chantagens e traição”. Segundo ele, cada qual tem que pagar com seus bens o que corresponda.
A auditora fiscal Maria Lúcia Fattorelli, que também integrou a Caic, afirma que a partir do início da década de 1980 um expressivo montante da dívida privada foi transferido para o Banco Central do Equador. Segundo a auditoria, a dívida externa do país aumentou de 240 milhões de dólares em 1970 para 17,4 bilhões de dólares em 2007.
O presidente equatoriano ainda anunciou em público que "os emprestadores não são menos culpados, os que induziram compulsivamente, os que amarraram e pressionaram para empurrar seus empréstimos e lucrar com beneficiosas comissões". Um recado que também serve para a Odebrecht e para o governo brasileiro.
Segundo Fattorelli, em relação aos empréstimos bancários, o chamado endividamento agressivo foi patrocinado principalmente pelos bancos privados, que ofereciam taxas de juros baixíssimas, chegando a ser até negativas. “Depois, a partir de 1979, o Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos), que na verdade é um conjunto de bancos privados, começou a subir as taxas de juros internacionais, que chegaram a 20,5% ao ano. Isso foi um verdadeiro golpe contra todos os países, inclusive contra o Brasil.”
Ela acrescenta ainda que os principais responsáveis pela dívida comercial do Equador nesses 30 anos são todos dos Estados Unidos ou da Inglaterra. Dos quais: Citibank, o JPMorgan e Chase Manhattan.

“Brio”

Para a economista Roberta Traspadini, a atitude do governo equatoriano frente não só à Odebrecht e ao BNDES, mas também em relação às instituições financeiras internacionais compreende um direito à soberania e à defesa dos interesses nacionais. “O Equador, a partir de sua lógica de produção nacional e internacional, atrela sua postura à uma política de Estado, cuja coerção e consenso tentam caminhar em um sentido, senão totalmente oposto, ao menos mais tensionado e disputado, do que o executado pelo Estado brasileiro”, contextualiza.
Já o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), não vê a situação com tal visão crítica e defendeu no Congresso, no dia 24, que o governo brasileiro tome uma postura de enfrentamento em relação à gestão do presidente Rafael Correa. "O Brasil não pode ficar silencioso. O brio brasileiro está ferido", disse.
Para Traspadini é necessário, antes de tudo, saber quem está falando e quem essa pessoa representa. “Se por brio, se entende a capacidade de dominar, ditar as regras e impor, dado seu poderio econômico-militar-político e sua aliança com os grupos e Estados hegemônicos mundiais, sim, a política de Correa afeta os brios brasileiros”, pondera.
“E se por brio se entende a capacidade de ao estar junto, não impor e sim se contrapor à lógica de poder dominante ao longo da história, em que a referência está no desejo e necessidade dos povos latinos e não da classe dominante, então, a política de Correa não só mexe com o brio, como o coloca em seu devido lugar”, conclui.
___________________________________________________________________
Saiba mais: No direito internacional se considera "dívida odiosa" àquela que foi contraída "sem o consentimento da população (por um regime despótico), que se utiliza contra os interesses ou o bem estar da população, e tudo isso se realiza sem o conhecimento dos credores".

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Eu não compro carro usado pela Miriam Leitão






A Miriam Leitão, não tenho dúvida. é muito bonitinha.






Depois que os fatos atropelaram a retórica neoliberal do mercado desregulado, a Miriam Leitão está mais perdida do que "cego em tiroteio". Mas, coitadinha, tem que garantir o emprego. E vejam o que "produziu" em O GLOBO. Prefiro o passado dela. Li essa matéria em
cartamaior

Data: 27/11/2008

O leitor de O Globo, que pensa em vender seu carro usado para comprar um novo, está em
apuros. A se guiar pelas informações que obtém no caderno de economia do jornal, ele não sabe se deve abandonar seus planos ou se pode procurar o veículo que deseja e negociar com calma. É uma decisão a ser tomada de acordo com a página lida.

Afinal, deve dar crédito aos vaticínios da veterana analista de economia, Miriam Leitão, para
quem vivemos na véspera do apocalipse, graças à conjugação da crise internacional com a falta de prudência do governo? Ou confiar que, passado um momento de instabilidade, a tendência da economia brasileira é se normalizar com as medidas que vêm sendo tomadas pelo Banco Central
de abrir linhas para o financiamento do comércio exterior e de flexibilização do compulsório. Meirelles ou Miriam, eis a questão? Mantega ou Gustavo Franco, qual o norte a ser seguido?

Estamos na iminência de um brutal contingenciamento de crédito ou, como assegura Fábio Barbosa, presidente da Febraban “o mercado está pouco a pouco retornando à normalidade"? No Globo essa é uma questão que assume dimensões esquizofrênicas. A leitura da edição de domingo, 23 de novembro, é fundamental para entendermos o que anda acontecendo na imprensa nativa. Sintoma de tempos em que a análise dos fatos se confunde com o desejo das fontes e dos especialistas de plantão.

Na página 28, em sua coluna, Miriam pontifica: “as locadoras brasileiras estão recusando terceirização de frota por que não conseguem comprar carros novos, nem repassar os velhos. Locadoras funcionam assim: usam sempre carros novos e revendem os já usados, às
vezes para as próprias montadoras, mas esse giro agora está difícil, por dificuldades de captação de financiamento numa ponta, e falta de consumidor final na outra ponta do negócio
". Pronto, é melhor o leitor adiar o sonho de adquirir um novo veículo. O motor do setor
automotivo engasgou por falta de ajuste de custos.

Na página seguinte, em matéria assinada pelo jornalista Bruno Rosa, intitulada "Itens usados em alta", o mesmo leitor fica sabendo que "a crise já fez o consumidor brasileiro mudar de hábitos. As roupas novas deram lugar à remodelagem de peças antigas esquecidas no armário. O dinheiro aplicado no banco foi resgatado para adquirir um carro usado, que já está vendendo mais que os similares zero quilômetro". Boas novas, o sonho não morreu. Seu carro novo é uma possibilidade real.

O que explica que, na mesma edição, encontremos informações tão desencontradas? A resposta faria corar qualquer estudante de jornalismo. A colunista confiou na fonte e descuidou da apuração. Relegou a segundo plano a checagem do que noticiava. Produziu uma
ficção econômica, permitindo que a fonte produzisse o fato.

Bruno, ao contrário da experiente jornalista, foi a campo e trouxe a notícia que desmentia a coluna. No meio disso tudo, um editor dormia em berço esplêndido, deixando claro que nem O GloboO Globo. Se o jornalismo deve ser o resultado de uma prática honesta, não há
como deixar de perguntar se o nosso hipotético leitor compraria um carro usado de Miriam Leitão.

A resposta deve estar na sua preferência por páginas pares ou ímpares. Será esse o novo critério de noticiabilidade? A velha prática do par ou ímpar, dependendo da aposta da fonte que pauta? A que ponto chegou o "rigor jornalístico"! E pensar que é esse campo, por sua centralidade política, que formata agendas e tenta, desesperadamente, ser fiel ao imaginário da classe média. As
sucessivas tentativas infrutíferas demonstram o motivo do fracasso: é na grande imprensa que a falta de crédito tem-se mostrado mais acentuada. Falta liquidez ao pântano.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Nossa Carta a Obama

Leitura interessante o texto publicado por Carta Maior no formato de carta ao Presidente eleito dos EEUU Barack Obama. Obviamente não pesará milésimo de milímitro nas decisões do novo presidente que nem sequer dela tomará conhecimento. Mas vale a intenção e nos fornece elementos de reflexão. No momento não podemos ter dúvidas de que somos reféns dos destinos da ainda poderosa nação.
Eis o texto:

Se os EUA querem reconquistar o respeito dos outros povos do mundo, se
querem resgatar a imagem, que se deteriorou, devem se considerar como
um país entre outros, e a eles igual, não como uma potência eleita para
a missão de impor a ordem imperial e os interesses capitalistas no
mundo. Devem permitir que progrida o espaço de um mundo multipolar, em
que todos os países participem das decisões fundamentais.

Presidente Barack Obama:

O seu governo pretende resgatar a imagem dos EUA no mundo e mudar sua
relação com a América Latina. É preciso que o sr. saiba que a imagem do
seu país no mundo é a imagem da maior potência imperial da história da
humanidade. Que à horrível imagem de potência intervencionista no
destino de outros países, de exploradora das suas riquezas, ao longo de
todo o século passado, se acrescentou no século XXI a política de
“guerras humanitárias”, invasões que mal escondem os interesses de
exploração e opressão de outros territórios e povos, de que o Iraque e
Afeganistão são os exemplos mais recentes.
Não basta retirar as tropas do Iraque imediatamente – embora isso seja
um começo indispensável para o resgate proposto. É necessário fazer o
mesmo com o Afeganistão, assim como terminar com o apoio à ocupação
israelense dos territórios palestinos, reconhecendo o direito à
existência de um estado palestino soberano. No caso da América Latina,
é imprescindível terminar com a Operação Colômbia, que militariza os
conflitos naquele país, e os que ele provoca, com graves riscos de
produção de crises regionais, pela dinâmica belicista do Exército e do
governo colombiano.
Para demonstrar que mudou de atitude, os EUA devem, sobretudo, terminar
definitivamente com o bloqueio a Cuba, desativar sua base de
interrogatórios ilegais e torturas na base de Guantanamo e devolver
esta incondicionalmente a Cuba, terminando com a prepotente e
juridicamente insustentável usurpação de território cubano, que dura já
mais de um século. Deve retomar relações normais entre os dois países,
respeitando as opções do povo cubano na definição soberana dos seus
destinos.
Os EUA devem reconhecer publicamente o grave erro de terem apoiado o
golpe militar de abril de 2002 contra o presidente Hugo Chavez,
legitimamente eleito e reeleito pelo povo venezuelano. Devem terminar
definitivamente com articulações golpistas nesse país, na Bolívia e no
Equador e comprometer-se, publicamente, a nunca mais desenvolver
atividades de ingerência nos assuntos internos de outros países.
Se quiserem ter relações cordiais com a América Latina, o novo governo
dos EUA devem destruir imediatamente o muro na fronteira com o México,
legalizar a situação dos trabalhadores imigrantes nos EUA e favorecer a
livre circulação das pessoas, como tem pregado a livre circulação de
mercadorias e de capitais.
Além disso, os EUA devem deixar de utilizar organismos internacionais
como a OMC, o FMI, o Banco Mundial, para propagar e tentar impor suas
políticas, as mesmas que levaram ao fracasso dos governos que seguiram
as suas receitas, assim como à crise financeira internacional que hoje
grassa no planeta. Os países da América Latina e do Sul do mundo devem
ter liberdade para encontrar suas próprias alternativas e soluções à
crise, gerada nos EUA, que devem assumir suas responsabilidades e não
permitir a exportação de seus efeitos negativos.
Se quiserem voltar a ser respeitados, os EUA devem deixar de tratar de
favorecer ou forçar a exportação de sua mídia, de sua indústria
cultural, de sua forma de vida, que pode ser boa para os EUA, mas pode
ser nefasta para outros países. Essas fórmulas, muitas vezes impostas,
favorecem formas ditatoriais de imprensa, formas estereotipadas de ver
o mundo, modos consumistas de viver. Que os EUA deixem cada país
escolher suas formas de se pensar a si mesmo, de ver o mundo, de viver
e de produzir arte e cultura.
Se o sr. quiser fazer um governo diferente, deve abandonar qualquer
idéia de querer impor o que os EUA considerem que seja democrático. Que
cada país, cada povo, defina seu próprio caminho. Os EUA nem inventaram
a democracia, nem são mais democráticos que muitos outros países.
Os EUA devem abandonar suas pretensões de ser um império mundial que
zele pela ordem imperialista no mundo. Devem dar espaço para que
progrida o espaço de um mundo multipolar, em que todos os países
participem das decisões fundamentais. Neste sentido, devem apoiar o fim
do direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, devem dar lugar à
democratização desse órgão. Devem obedecer as decisões da ONU de
terminar o bloqueio à Cuba, em favor do direito do povo palestino a um
estado próprio e independente, entre tantas outras decisões, bloqueadas
pelo veto norte-americano. Se vetos de outros países há, isso deve ser
combatido pela suspensão universal do direito ao veto.
Em suma, se os EUA querem reconquistar o respeito dos outros povos do
mundo, se querem resgatar a imagem do seu país que se deteriorou, devem
se considerar como um país entre outros, e a eles igual, não como uma
potência eleita para a missão de impor a ordem imperial e os interesses
capitalistas no mundo. Devem respeitar as decisões que outros povos
tomem no sentido de escolher caminhos antiimperialistas e
anticapitalistas. Devem assinar o Protocolo de Kyoto, aceitando reduzir
suas emissões de gases poluidores, condição básica para iniciar uma
nova etapa na luta contra a destruição ambiental no planeta. Devem
diminuir seu orçamento militar, revertendo essas verbas para o campo
social. Devem combater os monopólios privados da mídia, a indústria
tabagista, a da segurança para-militar, devem colocar como seu objetivo
principal construir uma sociedade justa, a começar pela de seu próprio
país, aquele em que, dentre aquelas do centro do capitalismo, a
desigualdade mais cresceu nos últimos anos.
Se o sr. fizer tudo isso, ou pelo menos se mover nessa direção,
pensamos que poderá contar com o respeito e com relações cordiais por
parte dos governos populares e dos povos da América Latina.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Onde está a esquerda? Ainda existe?

Com este texto publicado em seu site, O Caderno de Saramago, no dia 1° de outubro de 2008, a escritor português JOSÉ SARAMAGO deixa no ar, de forma singela, a pergunta que nos aflige a todos: onde está a esquerda?

"Ausento-me deste espaço por vinte e quatro horas, não por necessidade de descanso ou falta de assunto, somente para que a última crónica se mantenha um dia mais no lugar em que está. Não tenho a certeza de que o mereça pela forma como disse o que pretendia, mas para lhe dar um pouco mais de tempo enquanto espero que alguém me informe onde está a esquerda…

Vai para três ou quatro anos, numa entrevista a um jornal sul-americano, creio que argentino, saiu-me na sucessão das perguntas e respostas uma declaração que depois imaginei iria causar agitação, debate, escândalo (a este ponto chegava a minha ingenuidade), começando pelas hostes
locais da esquerda e logo, quem sabe, como uma onda que em círculos se expandisse, nos meios internacionais, fossem eles políticos, sindicais ou culturais que da dita esquerda são tributários. Em toda a sua crueza, não recuando perante a própria obscenidade, a frase, pontualmente reproduzida pelo jornal, foi a seguinte: “A esquerda não tem nem uma puta ideia do mundo em que vive”.

À minha intenção, deliberadamente provocadora, a esquerda, assim interpelada, respondeu com o mais gélido dos silêncios. Nenhum partido comunista, por exemplo, a principiar por aquele de que sou membro, saiu à estacada para rebater ou simplesmente argumentar sobre a propriedade
ou a falta de propriedade das palavras que proferi. Por maioria de razão, também nenhum dos partidos socialistas que se encontram no governo dos seus respectivos países, penso, sobretudo, nos de Portugal e Espanha, considerou necessário exigir uma aclaração ao atrevido escritor que tinha ousado lançar uma pedra ao putrefacto charco da indiferença.

Nada de nada, silêncio total, como se nos túmulos ideológicos onde se refugiaram nada mais houvesse que pó e aranhas, quando muito um osso arcaico que já nem para relíquia servia. Durante alguns dias senti-me excluído da sociedade humana como se fosse um pestífero, vítima de uma espécie de cirrose mental que já não dissesse coisa com coisa. Cheguei até a pensar que a frase compassiva que andaria circulando entre os que assim calavam seria mais ou menos esta:
“Coitado, que se poderia esperar com aquela idade?” Estava claro que não me achavam opinante à altura.

O tempo foi passando, passando, a situação do mundo complicando-se cada vez mais, e a esquerda, impávida, continuava a desempenhar os papéis que, no poder ou na oposição, lhes haviam sido distribuídos. Eu, que entretanto tinha feito outra descoberta, a de que Marx nunca havia tido tanta razão como hoje, imaginei, quando há um ano rebentou a burla cancerosa das hipotecas nos Estados Unidos, que a esquerda, onde quer que estivesse, se ainda era viva, iria abrir enfim a boca para dizer o que pensava do caso.

Já tenho a explicação: a esquerda não pensa, não age, não arrisca um passo. Passou-se o que se passou depois, até hoje, e a esquerda, cobardemente, continua a não pensar, a não agir, a não
arriscar um passo. Por isso não se estranhe a insolente pergunta do título: “Onde está a esquerda?” Não dou alvíssaras, já paguei demasiado caras as minhas ilusões.

domingo, 28 de setembro de 2008

A crise moral do capitalismo

Autor: Giorgio Ruffolo
Publicado pelo jornal La Repubblica

Creio que o furacão passará sem subverter a economia mundial. O secretário de Estado Paulson, aquele a quem, como diz o Economist, se eriçam os cabelos que não tem, fizera, finalmente, a coisa certa. Havia deixado ir à falência um grande banco, evitando que lhe caísse por cima outra salvação. Logo depois, no entanto, teve que ceder à pressão do mundo financeiro, intervindo na bem mais onerosa salvação do colosso de seguros AIG. Assim, uma vez mais, as voragens abertas no livre mercado serão cobertas pelos contribuintes. Quais serão as conseqüências, ninguém, nem mesmo ele, sabe. Há quem teme que este novo tremendo golpe possa envolver todo o sistema. Mas, a economia capitalista é mais forte do que as devastadoras finanças que gerou. E, no entanto, esta crise pode ser fatal ao capitalismo sob um
aspecto mais geral e mais profundo.

Do ponto de vista estritamente econômico, por trás do inextricável emaranhado das tecnicalidades, há uma realidade inexpugnável: a desproporção do endividamento americano (de todos: interesses privados, bancos, Estado) no que se refere ao rendimento, e das finanças com respeito à economia real. Sobre o porquê e sobre o como raciocinamos tantas vezes. Não retomo este ponto. Tornou-se realidade o que era evidente. Exceto para os estáticos admiradores das tecnicalidades financeiras.

Em vez disso, gostaria de falar do golpe moral que esta crise de início de século está causando ao “turbocapitalismo”, minando sua credibilidade moral. Todo sistema histórico de organização da sociedade necessita de uma base de legitimação moral. Os opressivos dominadores dos antigos impérios precisavam de um deus que os impusesse, a eles e suas pequenas rainhas. Quando os mercadores da Idade Média entraram na polis, precisaram de um fatigoso compromisso com a Igreja, por eles abundantemente financiada, para superar tortuosamente o escândalo do interesse. A ideologia econômica do nascente capitalismo teve origem nas escolas de filosofia moral. A melhor legitimação não lhe foi oferecida, no entanto, pelos duvidosos princípios das virtudes weberianas, mas pelos mais práticos do utilitarismo, os quais ensinavam a retirar do egoísmo, e não da virtude, a energia necessária para promover a riqueza, em benefício, dizia-se, de todos.

Em suma, o capitalismo se justifica não por suas premissas, mas por seus resultados. E não resta dúvida que, até a metade do século vinte, os seus resultados em termos não só de crescimento econômico, mas de progresso social, tenham sido tais, que, não digo que compensassem, mas que suportassem os enormes custos implícitos no crescimento.

O que está sucedendo no mundo nos diz que a promessa de uma extensão universal do bem-estar está comprometida pela experiência de um mundo sempre mais instável e injusto. O “milagre” das finanças internacionais, que realizou enormes deslocamentos de riqueza dos países mais ricos aos países mais pobres, se traduz, no interior daqueles países, numa gigantesca disparidade entre os grupos sociais emergentes e aqueles deixados às margens. Na Índia, a extrema riqueza e a extrema pobreza só aumentaram e a mesma coisa está acontecendo na China.

Do último relatório do Banco Mundial resulta que o nível de pobreza aumentou no mundo para 1,4 bilhões de homens e de mulheres, que vivem com menos de 1,25 dólares ao dia. O índice Gini da desigualdade, relativo à população mundial, aumentou nos últimos quinze anos em sete pontos, ou seja, pouco menos de 20 por cento. Mas, é sobretudo nos Estados Unidos que a desigualdade entre a classe média empobrecida e as elites enriquecidas se impôs. O mesmo índice Gini, que caíra aos 41 por cento em 1970, aumentou nos últimos trinta anos para 47 por cento. O que está sucedendo, diz Robert Reich, e também diz David Rothkorpf, não é só um aumento das desigualdades, mas uma verdadeira e própria secessão social: um por cento da população mundial dispõe de 40 por cento do produto nacional.

Mas, o que tudo isto tem a ver com os desastres financeiros de hoje? Muitíssimo. Nos últimos vinte anos é precisamente a alocação dos recursos da economia guiada pelos mercados financeiros que se traduziu em termos reais num aumento das desigualdades e numa devastadora pressão sobre os recursos naturais: em direção oposta às necessidades reais da humanidade.

No mais rico e endividado país do mundo, os Estados Unidos, a desproporção entre os ganhos dos chefes das grandes empresas, também aqueles que as levaram ao desastre, e as pessoas comuns se tornou assombrosa. Os recursos mundiais foram endereçados por um sistema financeiro poderoso para um gigantesco endividamento, mantido por um crédito desenfreado. O nome turbocapitalismo se adapta muito bem a este sistema desassisado. A despesa mundial anual da publicidade que alimenta o consumo e a poluição monta a 500 bilhões de dólares, e a da pesquisa sanitária a 70 bilhões, sendo de 62 bilhões os recursos destinados pelos países ricos aos países pobres.

Repito: não creio que estejamos às vésperas de um novo colapso capitalista. A economia mundial dispõe de imensos recursos a serem mobilizados na emergência. Porém estamos diante da falência moral de uma promessa. Quando um sistema perde sua legitimação ética, perde também sua vitalidade histórica. Um sistema fundado na dissipação e na injustiça tem o futuro contado.

Pouco menos de trinta anos atrás um brilhante economista inglês prematuramente falecido, Fred Hirsch, escreveu um livro profético: ‘os limites sociais do desenvolvimento’. Aquilo de que o capitalismo mais sofre, afirmava ele, era de um esfarelamento de sua base moral. Aquilo de que acima de tudo necessitava era de um retorno moral”. Não se vê nenhum vestígio disso.





"Não se pode dar US$ 700 bilhões aos bancos e se esquecer da fome"

Hans-Gert Poettering, alemão, presidente do Parlamento Europeu, se mostra escandalizado. Não admite que se destinem US$ 700 bilhões para salvar banqueiros ao invés de destiná-lo à luta contra a pobreza.

Em entrevista concedida ao jornal El País, 28-09-2008, ele afirma:

“Não podemos permitir que no rastro da crise monetária, os americanos ponham US$ 700 bilhões no sistema bancário, isto é, para bancos que ganham dinheiro para o seu uso privado. Além disso, tem um outro aspecto. Nunca poderei compreender que se tenha US$ 700 bilhões
dos contribuintes disponíveis para salvar o sistema financeiro e não para lutar contra a fome do mundo. Isto é inaceitável e por isso proponho correções”.

Segundo ele, tudo isso mostra que “o modelo americano não é o modelo do futuro”. Como democrata-cristão, ele defende “política social de mercado”, descrito no Tratado de Lisboa. “Não é somente política de mercado nem somente política social, mas política social de mercado”, completa.

O alemão constata que o sistema europeu é diferente do americano “e podemos estar contentes de ter o modelo europeu, de ter a moeda européia, o euro, que é a base da estabilidade. Se não tivéssemos o euro, a Europa estaria metida na mesma enrascada”.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A degradação institucional do judiciário

Minha tendência pessimista diminui um pouco quando consigo ler textos como o elaborado pelo professor Gilson Caroni Filho e publicado no sítio www.cartamaior.com.br Me fez bem ler a matéria na medida em que me mostrou que há pessoas sérias e com os olhos bem abertos para o que se passa. Transcrevo abaixo porque essas considerações precisam ser divulgadas e nos dão subsídios para analisar com mais instrumentos a realidade brasileira.
____________________________________________________________
Titulo: Mendes, Veja e a degradação institucional
Autor: Gilson Caroni Filho
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

Qual terá sido o objetivo da reportagem de capa da revista Veja
em sua edição de 03/09/2008? "Denunciar" que a Abin teria feito grampos
ilegais nos telefones do ministro Gilmar Mendes e outras autoridades e,
com isso, alertar à sociedade sobre a existência de um Estado Policial
que ameaça as instituições democráticas? Ou, como alertou conhecido
blog “paralisar as investigações da agência sobre conspirações
deflagradas contra o Estado de Direito, inclusive aquelas perpetradas
nas páginas da Veja, sobretudo durante a campanha eleitoral de
2006, mas também com evidências no caso do "dossiê anti-FHC" para
derrubar a ministra Dilma?”.

Há linhas que valem mais do que
mil editoriais. São as que revelam os objetivos de um texto e o
descompromisso com a informação divulgada. Não comportam normas
prescritas em códigos de ética, seguem tão-somente a lógica da promoção
de eventos. Algo do tipo "domingo é dia de botar fogo no circo, criar
uma crise artificial e colher os frutos ao longo da semana". Lógico,
para tal empreitada contam com o apoio logístico de outros meios de
comunicação, além da acolhida eufórica de alguns
jornalistas-blogueiros.É o caso da matéria assinada pelos jornalistas
Policarpo Junior e Expedito Júnior: ”A Abin gravou o ministro”.

Além
de editorializarem as supostas denúncias, fazem afirmações sem um pingo
de comprovação, baseadas em “fontes” não identificadas, e, e inventam
fatos deslavadamente, como nesse trecho:” Desconfiado (o ministro
Gilmar Mendes), solicitou à segurança do tribunal que providenciasse
uma varredura. Os técnicos constataram a presença de sinais
característicos de escutas ambientais, provavelmente de aparelhos
instalados do lado de fora da corte." Mentira. A varredura feita pela
segurança do STF não encontrou qualquer vestígio de escuta clandestina.

A
degravação de uma conversa entre o presidente do Supremo e o senador
Demóstenes Torres (DEM-GO) seria a prova da seriedade do "jornalismo
investigativo" praticado por Veja. O fato de os dois
confirmarem o diálogo significa a existência de grampo? Se confirmar, o
que leva a crer que tenha sido feito pela Abin e não por alguém
empenhado em atingir Paulo Lacerda, o diretor da Agência?

Pois
bem, o relato impreciso da revista é o pretexto para Gilmar Mendes
afirmar que "não há mais como descer na escala da degradação
institucional. Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do
Supremo Tribunal Federal é coisa de regime totalitário. É deplorável. É
ofensivo. É indigno."

Se levarmos em conta que um juiz,
principalmente quando preside a mais alta Corte do país, deve buscar o
estabelecimento de conduta ética que lhe permita entender os limites de
sua atuação profissional, as palavras de Mendes soam como incompatíveis
com a natureza do cargo que exerce.

O que é descer na escala da
degradação institucional? Em artigo publicado em 08 de maio de 2002, o
jurista Dalmo Dallari foi muito assertivo ao tratar da indicação de
Mendes ao STF, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso:

"Se
vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão
correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à
corrupção e a própria normalidade constitucional".

"A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha inadequada".

"Indignado
com essas derrotas judiciais, o dr.Gilmar Mendes fez inúmeros
pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e
tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema
judiciário brasileiro é um "manicômio judiciário".

Os trechos transcritos não são exemplos explícitos de degradação institucional?

Tão
logo ascendeu (em processo formal, sem candidato, como é praxe na
Corte) à presidência do STF, Gilmar Mendes tomou a iniciativa inédita
de convocar a imprensa para, sem ter sido solicitado, deitar falação
sobre o quadro político.

Logo após, deixou-se "perfilar" pela revista Serafina, da Folha de São Paulo,
chegando ao ponto de ceder fotos de "álbum de família" e se deixar
fotografar na residência. Isso não é incompatível com a liturgia do
cargo? Não degrada a instituição que preside?

Durante o julgamento da aceitação da denúncia sobre o chamado “mensalão”, um fotógrafo do Globo,
premeditadamente, (pois teve que se posicionar por trás da bancada dos
meritíssimos) violou, e o jornal publicou, a correspondência privada
entre dois ministros (Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia), capturando
imagens das telas dos laptops dos dois em plena sessão. Na ocasião, nem
Gilmar Mendes nem a oposição fizeram qualquer restrição contra o
flagrante desrespeito à "majestade" da corte. Isso não é degradação
institucional?

O que o Supremo tem feito ao legislar
indevidamente sobre fidelidade partidária, uso de algemas, número de
vereadores, verticalização das coligações e nepotismo deve ser encarado
de que forma? Quando se superpõe aos demais poderes como se fosse
legislador ou chefe de Estado, o judiciário não colabora
substantivamente para a degradação institucional?

Seria
interessante que Mendes esclarecesse por que nunca se falou que a Abin
tivesse grampeado qualquer outro ministro do STF? Isso só entrou em
voga - partindo dele próprio- "coincidentemente", depois da concessão
de dois pedidos de hábeas corpus (o segundo, ignorando solenemente os
motivos da prisão) em favor de Daniel Dantas. Suprimir duas instâncias
do Judiciário para soltar o banqueiro, dando-lhe foro privilegiado, não
é degradação institucional?

Não seria o caso também de se
declarar impedido de participar do julgamento de Raposa do Sol, já que
sua posição contrária à demarcação contínua é conhecida desde a época
em que era advogado-geral da União, no governo FHC? Não lhe faltaria
imparcialidade sem a qual é inevitável a degradação institucional?


quem defenda que juízes devem falar exclusivamente por meio dos autos.
Ao conferir à linha editorial de Veja um caráter de “realismo jurídico"
não estaria o ministro firmando uma perigosa jurisprudência? E isso,
não seria descer ainda mais na escala da degradação institucional? Uma
sociedade controlada por monopólios de mídia e um Judiciário que
substitui os demais poderes não está à beira de um golpe de Estado. Já
o vive em plenitude. É preciso estar atento à banda de música que toca
a mesma marchinha desde os anos 1950. Com seus acordes a democracia
vive à beira do precipício.
______________________________________________________

domingo, 15 de junho de 2008

Tucanos eriçados em São Paulo

Durante todo o primeiro mandato de Lula a grande imprensa divulgava escândalos e parecia nos passar a impressão de que o PT havia inventado a corrupção. Essa mesma imprensa não consegue mais escamotear ou esconder a roubalheira arquitetada nos gabinetes do PSDB. E vejam bem que até a gestão Mario Covas em São Paulo também se envolveu com grana ilícita.
Será que a revista VEJA e o JORNAL DO BRASIL vão tocar no assunto? Leia mais no:
IHU - Instituto Humanitas Unisinos

domingo, 6 de abril de 2008

SOS Saúde - A doença Americana


Consegui um tempo para assistir SOS Saúde. Que delícia de documentário. Não sou crítico de cinema e me limito a abordar o tema central do filme: a "assistência" à saúde oferecida pelos chamados planos de Saúde. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio-PNAD 2003 já revelava que os usuários preferenciais dessas empresas são aqueles que não precisam de médicos. Quem está ou fica doente não interessa.
Esta é a realidade cruamente mostrada no filme de Michael Moore. Com um detalhe significativo: o documentário revela o estado da saúde pública na nação mais rica do planeta e dita como a mais democrática. Não foi à toa que Moore foi considerado por George W Bush como um traidor dos EEUU.
O documentário é chocante, divertidamente chocante.
Como médico, acho que o filme deveria ser assistidos por todos os envolvidos em atendimento à saúde da população. O documentário me fez relembrar situações semelhantes vividas por nossos pacientes.
Veja o site do filme em português e aproveite para dar o voto para o seu plano de saúde.
http://www.sossaudeofilme.com.br/site/

domingo, 23 de março de 2008

Le Monde Diplomatique

Poder ler o LE MONDE DIPLOMATIQUE em língua pátria é um luxo no meio do lixo global da nossa mídia gorda. Nada como ter um outro olhar, sério e consistente, sobre o Brasil e o mundo.
A matéria abaixo é um exemplo disto.

Le Monde diplomatique Brasil: Em defesa dos Territórios da Cidadania