PenseLivre On Line

Como dizia apropriadamente Samuel Wainer: A PENA É LIVRE, MAS O PAPEL TEM DONO.
Os blogs permitem que, por algum momento, possamos ter a pena livre e, ao mesmo tempo, ter a propriedade do papel.
Neste blog torno públicas algumas reflexões pessoais, textos e publicações pinçadas da web e que me fizeram pensar e repensar melhor a realidade.
Este blog é uma pretenção cidadã e...nada mais!

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domingo, 28 de outubro de 2012

A derrota da insensatez

Apreciei muito as reflexões do Jornalista Saul Leblon a respeito do resultado das eleições em São Paulo. Ficará transcrita neste blog.
Amorim de Andrade


O que fazer com a vitória em São Paulo?

Em política, o que fazer com a vitória é tão importante quanto vencer.
Cabe ao PT, a partir desta 2ª feira, dizer o que fará após derrotar em casa aquele que se propôs a ser o líder do conservadorismo brasileiro, José Serra.
Não é força de expressão colocar as peças no tabuleiro dessa forma polarizada.
Nem o gigantismo da cidade, nem o valor do seu orçamento - ainda que isso tenha um peso objetivo óbvio - elucidam porque a disputa em São Paulo se transformou no principal foco de atenção da mídia e do interesse do país.
O que distinguia o embate aqui como a disputa-chave das eleições brasileiras de 2012 era o confronto direto entre duas concepções de país, duas visões de democracia e duas propostas de desenvolvimento.
Pode-se dizer, em adendo, que um julgamento de recorte nitidamente conservador desse antagonismo está sendo levado a cabo no STF há mais de 40 dias.
No das urnas, venceu a agenda personificada por Fernando Haddad, com a desassombrada estratégia política de Lula.
O que foi derrotado não é pouco.
Já em 2002, ao perceber como inexorável a vitória do PT, Serra fez uma opção comunicada ao seu grupo e, naturalmente, aos barões da mídia embarcados no mesmo destino:o tucano queria reunir uma bolsa de pelo menos 35 milhões de votos no segundo turno para se tornar o líder do anti-petismo no país.
Consolidar-se como a nova garganta conservadora, na linhagem de Carlos Lacerda & assemelhados, implicava eliminar concorrentes dentro e fora do PSDB; catalisar com a facilidade previsível um leque de interesses do mercado e, sobretudo, coordenar a crosta de jornalistas e editores alinhados ao objetivo de impedir que Lula e o PT consolidassem uma nova hegemonia progressista na política brasileira.
Serra teve pouco mais que 33 milhões de votos em 2002, contra quase 53 milhões de Lula, o segundo presidente mais votado do mundo, depois de Reagan.
Sofreu um novo revés para a estreante Dilma Rousseff, em 2010, que trincou compartimentos do amplo comboio que comandava. Pode-se perguntar com razão o que seria de Serra se não dispusesse da âncora midiática que costurou a partir de São Paulo.
Em que pesem os descarrilamentos e colisões, o tucano manteve intacto esse vagão cargueiro estratégico.
Nele estava o curral de escribas e editores incorporados ao tudo ou nada que se urdia mais adiante. Ou seja, fazer do julgamento do chamado ' mensalão' a mãe de todas as eleições. Uma espécie de terceiro turno reordenador, capaz de condicionar o futuro e reescrever o passado ao desmoralizar o PT, destruir uma geração de lideranças, inviabilizar Lula e fragilizar Dilma até o limite do constrangimento, com vistas a 2014.
Serra vislumbrou na desfrutável interseção entre a eleição municipal e o julgamento da Ação 470 o palanque ideal para emergir como a garganta de ouro dessa desforra anti-petista, modulada pelo jogral das togas no STF.
Foi derrotado quando o conservadorismo e o seu curral midiático manejavam o que parecia ser a tempestade perfeita contra a esquerda.
Essa é a natureza do desastre de proporções ferroviárias que a direita acaba de colher em SP, a capital logística, política, financeira e principal caixa de ressonância ideológica do seu poder no país.
O PT não pode tratar essa vitória com acanhamento histórico.
Ela é mais profunda até do que sugerem os ingredientes visíveis nas urnas.
O moralismo oportunista de Serra, sua mutação de quadro desenvolvimentista ("de boca", diz Conceição Tavares) para um aliciador de malafaias, telhadas & higienistas sociais não acontece por acaso.
Trata-se da exteriorização predatória de um colapso subjacente à narrativa de uma campanha na qual muitos viram uma mutação do eleitor em consumidor.
Errado.
A degradação de Serra reflete, além do caráter, o esgotamento do projeto neoliberal abraçado pela coalizão conservadora no Brasil.
Quem se propunha a resolver os desafios da economia e da sociedade com a desregulação radical dos mercados, associada a um choque de laissez-faire sobre os diretos sociais, perdeu o chão a partir da crise de 2008, a maior do capitalismo desde 29.
Sobrou às gargantas conservadoras contrapor à desordem neoliberal a ordem e o progresso dos savonarolas & malafaias que não ameaçam a essência da mecânica conflagrada.
Recolocar as forças da economia à favor da sociedade, à favor da cidade e da cidadania implica, em primeiro lugar, politizar uma crise capturada pelo hermetismo das mesmas propostas e protagonistas que a originaram.
Essa é a contrapartida imediata que a cidade de São Paulo espera do PT. Em primeiro lugar, estabelecer laços de participação e discernimento que permitam à população entender a raiz de seus problemas. No limite, decidir em escrutínios plebiscitários o rumo a tomar.
A desordem quase ruinosa desse conflagrado ambiente urbano guarda vínculos com a desordem decorrente da implosão da exacerbação mercadista que jogou o mundo na crise atual.
Estamos falando de cisões, desigualdade, terceirizações, recuo criminoso do Estado, abandono, privilégio, fastígio, precariedade, desperdício de um lado, e desencanto de outro.
Não há panaceia técnica , tampouco orçamento suficiente para colar esse vaso de cristal trincado em milhares de pedaços.
Ou se politiza as diretrizes a seguir com a participação da sociedade, ou será a rendição aos ditames dos donos da metrópole.
O PT cometeu um erro em 2003, quando despolitizou em parte e negligenciou em grande medida o debate desassombrado dos desafios herdados do tucanato.
A construção das coalizões políticas é indispensável nas democracias representativas. Mas urdi-las sem o debate simultâneo com a sociedade pode amesquinhar o próprio mandato e a força intrínseca que as urnas conferem ao governante.
Fernando Haddad não pode repetir esse erro em São Paulo. Existe um saldo de experiências administrativas de esquerda para que se possa partir aqui de um nível superior de interlocução com a cidadania.
A construção de um novo projeto de democracia social para o século XXI não acontecerá a frio.
O PT assumiu o governo em 2003 com o risco-Brasil nas alturas; o dólar perto de R$ 4 reais e uma inflação projetada para 12 meses de quase 30%.
A urgência da estabilização relegou a reforma política para um segundo momento.
Entre acuado e perplexo , o PT sequer discutiu a necessidade de uma mídia independente que facilitasse o diálogo honesto entre as opções limitadas do país e as urgências da sociedade.
Rendeu-se assim à mediação feita pelo dispositivo midiático conservador, que rapidamente se mostrou um redil de pautas que seccionavam seu diálogo com a população e modulavam as alternativas ao sabor de interesses que não eram os do país.Em uma palavra, tornou-se quase refém dos interesses que havia derrotado no voto.
Um sistema político distorcido, incapaz de dar suporte democrático às mudanças requeridas pela sociedade, manteve-se assim o fiel da balança dos compromissos e programas sancionados pelas urnas.
O antagonismo entre as duas lógicas acentuou-se na permanente negociação da governabilidade que seguiu o padrão histórico: coalizão com divisão de cargos, dentro de um sistema político que irradia suas distorções para as políticas públicas.
É um crime querer infantilizar a sociedade brasileira e reduzir esse impasse ---e seus desdobramentos-- a um enredo de bandidos e mocinhos; de quadrilhas e juízes porretas; de puros contra pecadores, como quer parte da imprensa e uma certa narrativa preconceituosa e despolitizante que se esponja com o teatro das togas na Ação Penal 470.
Nos últimos 40 dias de julgamento do chamado 'mensalão', a militância do PT e as forças progressistas, de um modo geral, foram transformadas em personagens de um pesadelo. Como se um rolo compressor tivesse passado sobre a sua cabeça; dado a ré e esmagado o coração.
É preciso entender para não sucumbir.E, principalmente, não aceitar a ardilosa costura de verdades e mentiras que pretendeu ( e ainda pretende) empurrar o país para o funeral da esperança, em contraposição ao mingau ralo ministrado há séculos pelo conservadorismo.
Os coveiros da esperança sofreram uma derrota esmagadora em São Paulo nesse 28 de outubro de 2012.
Não queriam apenas destruir o PT nessas eleições. Pretendiam, acima de tudo, desqualificar e satanizar um projeto de Nação dentro da qual caibam todos os homens e mulheres, os jovens, as crianças e os idosos deste país.
Queriam descredenciar os avanços incontestáveis de uma década no campo social e econômico.E, sobretudo, circunscrever 40 milhões de vidas que escaparam da pobreza num círculo de giz feito de denuncismo anestesiante e ódio anti-petista. Trazem na ponta da língua a resposta quando a democracia chega à mesa do pobre: populismo.
O primeiro passo em São Paulo é arejar a cidade, abrir as portas da prefeitura, criar outras novas, eliminar as trancas e trazer a cidadania para a discussão serena e responsável da equação que interliga urgências, recursos e solidariedade.
No auge da crise de 2005 , quando a oposição ensaiou um movimento de impeachment contra o Presidente Lula, o escritor Fernando Veríssimo lembrou em uma crônica, o militante anônimo do PT, "....aquele sujeito agitando a bandeira vermelha, sozinho na esquina, porque acreditava, porque confiava'.
A melhor forma de São Paulo trazer de volta esse espírito de desprendimento engajado é chamar a cidade a assumir as rédeas do seu destino. Abrindo discussão imediatamente sobre o futuro com a cidadania. A ver.

Postado por Saul Leblon às 19:43 - Carta Maior


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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Aconteceu na Islândia

No Brasil quem não buscar fontes alternativas de informação não tomará conhecimento de muitas coisas que acontecem. Essa mesma mídia que defendeu a censura durante a ditadura e que fala agora em liberdade de imprensa esconde dos cidadãos fatos como esse relatado abaixo por Mauro Santayana e que faço questão de transcrever.

josé amorim de andrade

 

 

O referendum islandês e os silêncios da mídia

Mauro Santayana

Os cidadãos da Islândia referendaram, ontem, com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por 25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo a estatização de seus recursos naturais. A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 qm2, só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século 19, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.
Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia privatizou o seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado derivativo, na espiral das subprimes, transformaram Reykjavik em um grande centro financeiro internacional e uma das maiores vítimas do neoliberalismo. Com apenas 320.000 habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos.
Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim, dívida superior a dez vezes o seu produto interno bruto. O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.
A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses – de todas as idades - pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendum e, com 93% dos votos, decidiu não pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.
A dívida externa do país, construída pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores instituições financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses ao desespero. A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar tudo. Uma assembléia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger corpo constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se ao corpo legislativo bastava a indicação de 30 pessoas. Houve 500 candidatos. Os escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou a comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.
Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população, o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
Embora a Islândia seja uma nação pequena, distante da Europa e da América, e com a economia dependente dos mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau), seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados pela irracionalidade da ditadura financeira.
Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacional fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloqüente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Entendendo o golpe paraguaio - I

A leitura do Editorial do Le Monde Diplomatique me permitiu uma compreensão menos míope da situação do Paraguai e das estreitíssimas implicações para a diplomacia brasileira. É uma situação que lembra muito a atmosfera prévia ao golpe militar de 1964: a quetão da Reforma Agrária.
Leja a transcrição que faço abaixo ou beba na fonte.
EDITORIAL
Golpe de classe
Claudius


por Silvio Caccia Bava
O governo brasileiro está numa situação muito delicada diante do golpe que depôs o presidente paraguaio Fernando Lugo.
De um lado existem todos os compromissos com a democracia e o combate à pobreza, tanto com os brasileiros como no plano internacional. Isso levaria o Brasil a decidir por sanções fortes ao golpe de Estado e a sugerir essa política ao Mercosul, pressionando o atual governo paraguaio para o pronto restabelecimento da democracia e fortalecendo esta como uma conquista inquestionável e coletiva.
De outro lado está o agronegócio brasileiro, que se expandiu para o Paraguai em busca de menores custos de produção. Os “brasiguaios” se transformaram nos maiores produtores de soja do país, com plantações que ocupam 1,2 milhão de hectares. E há também a agropecuária e outros interesses. Esses brasiguaios do agronegócio – é preciso distingui-los de outras ondas de migração do Brasil para o Paraguai, que trouxeram agricultores familiares expulsos de suas terras pela expansão das grandes fazendas – foram dos primeiros a reconhecer a legitimidade do presidente Federico Franco, recém-empossado.
O núcleo do conflito é a propriedade da terra. A expansão recente das grandes fazendas e a mecanização no campo multiplicaram o número de agricultores familiares expulsos de suas terras. Uma parte deles se organizou no movimento sem terra, mas não encontra espaço na política para reivindicar seus direitos. No Paraguai, 80% dos estabelecimentos agrícolas são de agricultura familiar, mas estes ocupam apenas 6,2% do território. Aumentam os sem-terra, começam as ocupações, o conflito se acirra.
O presidente Lugo foi eleito com o apoio de um amplo arco de movimentos sociais. Entre seus compromissos, assumiu a promoção da reforma agrária e a distribuição de terras para os sem-terra. Mas foi se distanciando dos movimentos e dessas promessas, perdendo o apoio dos movimentos sociais e do arco de forças que o elegeu.
Quando Lugo enfrentou uma maior pressão dos grandes fazendeiros em seus conflitos com os sem-terra, buscou uma reaproximação com os movimentos e regulamentou, em janeiro deste ano, uma lei de 2005 que proíbe a venda a estrangeiros de terras consideradas de segurança nacional, isto é, as áreas até o limite de 50 quilômetros das fronteiras nacionais. Segundo os sem-terra, essas áreas teriam sido oferecidas de maneira ilegal pela ditadura de Stroessner a brasileiros, como estímulo ao desenvolvimento. Foi aí que se concentraram grandes plantações de soja. Ao mesmo tempo que a regulamentação da lei deu um alento aos movimentos sociais, também mobilizou o agronegócio, que, inclusive, pediu proteção ao governo brasileiro.
Não é demais lembrar que essa proteção já lhes foi oferecida antes, em outubro de 2008, quando o movimento sem terra paraguaio anunciou uma data de ocupação das grandes fazendas. O Exército brasileiro mobilizou 11 mil homens em exercícios militares na fronteira com a área de conflitos entre os carperos, como são chamados os sem-terra, e as grandes fazendas de brasiguaios. Os comandantes da operação argumentaram que usavam do poder de dissuasão para evitar o conflito.
O momento agora era outro. Lugo se viu sem sustentação política e buscou uma reaproximação com os movimentos sociais. Em janeiro, ordenou ao Exército que fizesse a medição e a instalação de marcos nas propriedades que estivessem dentro da área de 50 quilômetros da fronteira. Declarou que as terras que fossem reconhecidas como públicas seriam reapropriadas pelo Estado para a promoção da reforma agrária.
Mexeu com os grandes proprietários rurais, que não viram nenhuma dificuldade em mobilizar o Congresso conservador e oligárquico para sua deposição. O presidente não tinha quem o sustentasse. Assim, cumpridos os requisitos formais, em menos de dois dias o presidente Lugo sofreu o impeachment e o vice assumiu, totalmente afinado com os interesses dos grandes fazendeiros. As acusações foram tão genéricas e o cerceamento das possibilidades de defesa por parte de Lugo tão evidentes que vários países da região reconheceram nessa situação um golpe de Estado. O Brasil ficou em uma situação delicada: se aplicar as sanções previstas nos acordos do Mercosul, irá contra os interesses dos brasiguaios do agronegócio.
A questão agora é como restabelecer a democracia e criar alternativas para que haja eleições no mais curto espaço de tempo, mas, mais do que isso, como criar uma alternativa eleitoral progressista, comprometida com avanços sociais, ambientais e com a inclusão produtiva dos sem-terra. Inquietante é a via autoritária que se abre para a solução dos conflitos.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Veja, Gilmar Mendes, Cachoeiras & cascatas…



As reflexões do jornalista Saul Leblon para o site Carta Maior, e que reproduzo abaixo, dão uma idéia da desesperadora situação em que se encontram opositores do processo de reconstrução pelo qual vem passando o Brasil desde o início do governo Lula.

A pretensão de pautar as urnas de 2012

Qualquer brasileiro tem o direito de dizer que considera inconveniente atropelar o processo eleitoral de 2012 com o julgamento do chamado mensalão. Não se pode subtrair a um líder político como Lula, que combateu a ditadura, liderou greves históricas, disputou, perdeu e ganhou eleições presidenciais, tendo sido conduzido duas vezes ao cargo máximo da Nação, a prerrogativa de externar idêntico ponto de vista.
Mais que um direito, mais que uma avaliação com a qual muitos democratas concordam, é um dever de Lula contribuir para a ordenação da agenda política nacional. Outra coisa é se o ex-presidente acertou em participar de um encontro a três, sendo os outros dois quem são, Gilmar Mendes e Nelson Jobim.
A resposta a essa questão pertinente não avaliza a indisfarçável sofreguidão dos que querem pautar a democracia brasileira, impondo como prioridade fazer o julgamento do chamado 'mensalão' incidir na campanha de 2012.
Reduzir as eleições municipais em 5.560 municípios a um plebiscito em torno desse episódio controvertido contempla forças que não se consideram habilitadas para enfrentar o debate municipal com propostas e, mais que propostas, com o legado de suas escolhas estratégicas pesado e medido pelo veredito da história recente.
A manifestação democrática de Lula nesse sentido, se houve, incomoda muito; mas é legítima.
Derivar daí um enredo fantasioso, desmentido por testemunho insuspeito, de chantagem e ofertas de capangagem política é uma narrativa que ademais de caluniosa excreta o suor frio do desespero. Embora provoque desconcerto pela audácia, no fundo há coerência na tentativa de pautar a democracia brasileira.
A trajetória de certos personagens e veículos que se notabilizaram como a corneta mais estridente do conservadorismo nativo atingiu um beco sem saída. A dobra da história não lhes é favorável. A esmagadora eleição de Dilma Rousseff derrotou , pela terceira vez consecutiva, a aposta na manipulação midiática da opinião pública como receita de sucesso eleitoral. O stress dos materiais é evidente no almoxarifado conservador.
Faltam-lhe peças de reposição. Ferrugem e fuligem corroem seus discursos e agendas. No auge da crise de Cachoeira, quando seu mundo ruiu, Agripino Maia, o líder que sobrou aos demos, decidiu escafeder-se em busca ar fresco junto a aliados no exterior: foi parar na Espanha, onde equivalentes ibéricos dos demos assumiram o governo para dobrar a aposta neoliberal. A sociedade espanhola esfarela em desemprego e recessão fatiada pelo açougue conservador com cortes sucessivos em várias frentes. Nesta 4ª feira, o risco país bateu o recorde da história do euro: os capitais fogem, a crise bancária se espalha.
A mídia aliada se desgasta no esforço de preencher o vácuo com factóides que vão sedimentando a sua irrelevância. Sintomático nesse sentido é o declínio da outrora relevante página 2 da Folha, hoje preenchida com dificuldade por personagens do segundo escalão jornalístico que sofrem para empilhar palavras em comentários previsíveis e frequentemente descartáveis. O conjunto todo clama por uma renovação que não parece capaz de brotar das entranhas do velho aparato agônico.
À consagradora avaliação dos dois governos Lula - que deixou a presidência com 80% de aprovação - não sucedeu o vaticinado fracasso de Dilma. Ao contrário. A presidenta que caminha para o seu ano e meio de gestão desfruta de credibilidade e prestígio igual ou superior aos de seus antecessores em igual período. Dilma consolida, dilata e radicaliza conquistas trazidas do ciclo que ajudou a erigir: politizou corajosamente a agenda dos juros acossando o território sagrado da lógica rentista; afrontou dogmas da ditadura ao instituir uma Comissão da Verdade que, nascida frágil, rompe a esférica blindagem de uma agenda tabu e pode surpreender.
No plano internacional, esfarela-se o leque de referências econômicas que sustentaram a hegemonia do mercadismo tupiniquim. O tripé surrado feito de privatizações, Estado mínimo e supremacia das finanças desreguladas sobre a economia e a sociedade reduziu povos à condição de nações zumbis; destruiu o Estado do Bem-Estar Social; arrasta o mundo há quatro anos para uma espiral descendente igual ou pior que aquela produzida pela grande depressão dos anos 30. Quem, hoje, em pleno controle de suas faculdades mentais apresentar-se-ia ao eleitor com a proposta de impingir ao Brasil um projeto anacrônico de laissez-faire como o que esmaga nações européias, entregues a versões locais do programa demo tucano?
A bandeira da moralidade, ademais, foi-lhes definitivamente subtraída pelo estouro da roleta tentacular da quadrilha Cachoeira.
Restou assim requentar o pão amanhecido do 'mensalão', tarefa frágil a qual dedicam-se os centuriões dos interesses derrotados nas urnas e na história nos últimos anos. Gilmar Mendes perfila entre eles. É uma constatação biográfica assumida, não um dedo acusador. Na ausência dos titulares da linha de frente , assoberbados por processos criminais e derrotas eleitorais humilhantes, o ex-presidente do STF assumiu o vácuo para protagonizar o enredo do desespero, generosamente ecoado por Veja e seus satélites.
A agressiva manipulação dos fatos a partir do encontro ocorrido no escritório do ex-ministro Jobim evidencia o peso e a medida que os factóides passaram a ocupar na arquitetura de sal de um aparato retalhado pelos ventos da história. Pautar a democracia através do jogral midiático é um requisito para legitimar o derradeiro suspiro dessa lógica: fazer do mensalão' uma borracha histórica; eclipsar derrotas e desnudamentos para postergar o funeral sem lágrimas da hegemonia conservadora no país.
Postado por Saul Leblon às 18:46

terça-feira, 8 de maio de 2012

Adeus Sarkozy! A França está de volta!

Fonte da foto: Carta Maior

A Veja quer sair de fininho…

A revista Veja pergunta  em sua mais recente capa: “Como Demóstenes enganou tantos por tanto tempo”. Eu pergunto: Por quanto tempo a Veja achava que iria enganar a tantos e por quanto tempo?
A revista tenta agora escamotear a sua participação na farsa que ela ajudou a montar.

Transcrevo o excelente texto de Saul Leblon sobre o tema.
Fonte: Carta Maior

 

Faltam as escutas entre Veja e a quadrilha

Na edição desta semana a revista VEJA atreve-se a insultar seus próprios leitores com a pergunta cínica estampada numa chamada de capa: “Como Demóstenes enganou tantos por tanto tempo”. Bastaria folhear o longo histórico de suas perorações contra a esquerda, o Estado, a democracia participativa, a cidadania engajada, o pensamento crítico, bem como a demonização de lideranças, idéias e projetos progressistas para obter a resposta à pergunta em suas próprias páginas.
A sedimentação golpista de uma parte da opinião pública de classe média não se dá ao acaso. Não se trata aqui da plutocracia ciosa de seus domínios, da qual Civita & policarpos são servidores bem pagos. E eficientes, diga-se, peritos na arte de popularizar jânios, collors, demóstenes e outros vulgarizadores dos interesses graúdos.
Não; o florescimento dessas gargantas de aluguel não prosperaria na forma de votos e medo pânico que inspiram em muitos governantes - inclusive da esquerda - não fosse o trabalho prestimoso dos que esculpem o seu busto em bronze de credibilidade conservadora . É toda uma rede voltada para a citação cotidiana de suas palavras e o manchetear espetaculoso de suas 'denúncias', ademais da propagação de 'reflexões de cocheira', copiosamente repetidas pelos colunismo que forma julgamentos e dissemina pautas.
Há responsáveis na lubrificação cotidiana da engrenagem. É um equívoco dissolver a sua assinatura na suposta predisposição da sociedade ou de parte dela para ser canalha ou 'egoísta'. Ainda que isso seja um fato, o que plasma esse apetite em nervos e musculatura política é a ação deliberada e organizada para esse fim. Incensar os demóstenes e satanizar os lulas e respectivas agendas é o fermento que transforma instintos em história.
O dispositivo midiático demotucano tem executado esse labor com sofreguidão. Chegou a hora de lhe dar o crédito merecido, sem liquefazer seu papel num solvente sociológico que evoca o acanalhamento 'natural' da sociedade para relevar quadrilhas e relativizar o peso orbital de seus satélites na imprensa.
Há marcos referenciais na ação deliberada da mídia em produzir fatos políticos para golpear o discernimento da sociedade .
A edição do debate final entre Collor-Lula em 1989, no Jornal Nacional da Globo, não seria um deles? E os famosos outdoors relâmpagos da revista Época, em março de 2002? Quase em real time com os fatos que narravam, um colosso de agilidade jornalística e gráfica, eles ganhariam as ruas num fim de semana, a bombar a operação Lumus, da PF, poucas horas após a sua realização. O milagre logístico da revista da Globo contribuiria para destruir a candidata Roseane Sarney, então rival de José Serra no campo conservador, sendo o tucano, coincidentemente, apoiado pelo ágil veículo dos Marinhos. E, por fim, o que dizer do farto, nebuloso e inesgotável sucesso midiático, o 'escândalo do mensalão'? Agora se vê, comprovadamente,por trás da versão maniqueísta veiculada pelos policarpos existe uma trama marcada desde a origem pelos dedos longos de Cachoeira e de seus adjuntos no parlamento e no jornalismo.
A ficha falsa de Dilma Rousseff, então candidata a Presidente da República em 2010, apresentada pela Folha em plena campanha, não deixa por menos em matéria de sincronia e prontidão. A suspeita de perigosa terrorista servida com falsificações gráficas aos leitores tinha meta e horizonte definidos: sustentar o back-vocal de credibilidade às acusações de pagã, aborteira e defensora de gays, excretadas das gargantas de bispos de extrema direita, tucanos e respectivas senhoras em campanha.
Flagrados entre o gozo e a morte ética em pleno vôo matrimonial com os zangões do crime, da corrupção e do golpismo, VEJA e outros tentam agora declinar das responsabilidades. Como se fosse possível reverter a fusão metabólica através da qual tornaram-se sangue do mesmo sangue a inseminar, exaustivamente, o discernimento da sociedade com o martelante fluxo de golpes, saques, mentiras e videoteipes. A democracia brasileira não pode recuar nesse momento. A CPI do Cachoeira é forçosamente também a CPI da VEJA e dos que lhe fazem e fizeram coro no ardor e no despudor.
Aos senhores membros desta comissão a sociedade cobra coragem e dignidade. Do governo, hombridade para, de uma vez por todas, dizer claramente à cidadania que a mídia brasileira precisa de regras; que a sua regulação fortalece a democracia, assim como a impunidade de uma parte dela sancionou um braço-auxiliar do crime e do ódio. À Polícia Federal cabe exigir a divulgação integral das escutas recolhidas pela Operação Monte Carlo -inclusive aquelas que envolvem jornalistas e membros da quadrilha Cachoeira.
Postado por Saul Leblon às 17:42

sábado, 10 de março de 2012

GOLDMAN SACHS quebrou a Grécia

Há algum tempo atrás eu certamente consideraria isto inacreditável. Como uma engenharia financeira fraudulenta pode hipotecar o futuro de todo o povo e de uma nação? Pois bem, é exatamento isto que o Goldman Sachs fez com continente europeu e mais morbidamente com o povo grego. Vejam na matéria que transcrevo abaixo ou bebam diretamente na fonte Carta Maior

Mario Draghi – esse é o cara!!!!!

Eduardo Febbro – de Paris - Há empresas que roubam para o império para o qual trabalham. A Goldman Sachs é uma delas. O banco de negócios norteamericano encheu seus cofres com um botim de 600 milhões de euros (800 milhões de dólares) quando ajudou a Grécia a maquiar suas contas a fim de que este país preenchesse os requisitos para ingressar na zona do euro, a moeda única europeia.
A informação não é nova mas até agora se desconheciam os detalhes mais profundos do mecanismo pelo qual o Goldman Sachs enganou todos os governos europeus que participavam da criação da moeda única. O porta estandarte da oligarquia financeira operou protegido por sólidas cumplicidades no seio das instituições bancárias europeias e dentro do poder político, que fez tudo o que esteve ao seu alcance para impedir as investigações.
Dois dos protagonistas desta mega fraude falaram pela primeira vez sobre as transações encobertas mediante as quais Atenas escondeu o tamanho de sua dívida. Trata-se de Christoforos Sardelis, chefe do escritório de gestão da dívida grega entre 1999 e 2004, e de Spyros Papanicolaou, o homem que o substituiu-o até 2012.
O resultado da operação foi uma gigantesca fraude que fez do suposto salvador, no caso o Goldman Sachs, o operador da derrocada da Grécia e de boa parte da Europa. Levando-se em conta somente os bancos franceses, a aventura grega custou 7 bilhões de euros : o BNP Paribas perdeu 3,2 bilhões, o Crédit Agricole, 1,3 bilhões, a Société Générale, 892 milhões, o BPCE, 921 milhões e o Crédit Mutuel, 359 milhões. Esse foi o custo só para o sistema bancário francês : os povos pagaram e pagarão em sacrifícios e privações muito mais do que isso.
A operação financeira foi astuta. O Tratado de Maastricht, da União Europeia, fixava requisitos rígidos para integrar o euro : nenhum membro da zona euro podia ter uma dívida superior a 60% do PIB e os déficitis públicos não podiam superar os 3%. Em junho de 2000, para ocultar o peso gigantesco da dívida grega, que era de 103% de seu PIB e obter assim a qualificação da Grécia para entrar no euro, Goldman Sachs bolou um plano : transportou a dívida grega de uma moeda a outra.
A transação consistiu em mudar a dívida que estava cotizada em dólares e em yens para euros, mas com base em uma taxa de câmbio fictícia. Assim se reduziu o endividamento grego e, com isso, a Grécia respeitou os critérios fixados pelo Tratado de Maastricht para ingressar no euro. Um detalhe complicou a maquiagem: o Goldman Sachs estabeleceu um contrato com a Grécia mediante o qual dissimulou o acerto sob a forma do que se conhece como um SWAP, um contrato de câmbio para os fluxos financeiros que equivale a uma espécie de crédito.
Esse esquema fraudulento fez com que, na base dos chamados « produtos derivativos » implicados na operação, em apenas quatro anos a dívida que a Grécia contraiu com o Goldman Sachs passasse de 2,8 bilhões de euros para 5,1 bilhões. Dois jornalistas da agência Bloomberg, Nick Dunbar e Elisa Martinuzii, realizaram uma paciente investigação ao término da qual desnudaram este obscuro mecanismo.
Segundo explicou aos jornalistras o chefe do escritório de gestão da dívida grega entre 1999 e 2004, Christoforos Sardelis, neste momento a arquitetura da proposta do Goldman Sachs escapou de suas mãos. Logo em seguida, disse Sardelis, os atentados de 11 de setembro e uma má decisão dos bancos plantaram a semente do desastre atual. A conclusão da investigação é contundente : Grécia e Goldman Sachs hipotecaram o futuro do povo grego e acionaram uma bomba relógio que, 10 anos mais tarde, explodiria nas mãos da sociedade.
Em matéria de grandes fraudes organizados por bancos de investimento a impunidade é a regra. Ninguém foi nem será condenado. Christoforos Sardelis afirmou que « o acordo com o Goldman Sachs é uma história muito sexy dentre dois pecadores. O Goldman Sachs obteve apetitosos lucros nesta operação truculenta. No entanto, o banco de negócios norteamericano afirma em sua defesa que não fez nada de ilegal, que tudo o que foi realizado respeitava ao pé da letra as diretrizes do Eurostat, o organismo europeu de estatísticas.
O Eurostat, por sua vez, alega que só tomou conhecimento em 2010 dos níveis de endividamento grego. A defesa parece pobre porque as primeiras denúncias sobre a maquiagem das contas gregas e o papel desempenhado pelo Goldman Sachs datam de 2003.
Em um informe de 2004, o Eurostat escreveu : « falsificação generalizada dos dados sobre o déficit e a dívida por parte das autoridades gregas ». Graças à cumplicidade do organismo financeiro norteamericano e de várias instâncias e personalidades europeias, a Grécia pôde dissimular durante vários anos o « pacote » escondido de sua dívida. Em 2010, Jean Claude Trichet, então presidente do Banco Central Europeu (BCE), se negou a entregar os documentos requeridos para dar a conhecer a amplitude da verdade.
No meio a esta grande mentira, há um personagem que hoje é central : trata-se de Mario Draghi, o atual presidente do Banco Central Europeu e grande partidário de terminar de uma vez por todas com o modelo social europeu. Draghi é um homem do Goldman Sachs. Entre 2002 e 2005 foi vice-presidente do Goldman Sachs para a Europa e, por conseguinte, estava a par da falsificação de dados sobre as finanças públicas da Grécia. Foi o seu próprio banco que estruturou a falsificação.
O liberalismo premia muito bem seus soldados. Durante dois anos, o Banco Central Europeu e os lobbys políticos usaram todos os truques possíveis para proteger Draghi e não permitir que fossem realizadas auditorias em torno das irregularidades cometidas na Grécia. As comissões do Parlamento europeu designadas para investigar esta mega fraude se chocaram sistematicamente contra as redes que protegiam o segredo.
O desenlace final desta cumplicidade entre as oligarquias financeiras é conhecido por todos : quase um continente submerso na crise da dívida, a Grécia, estropiada e de joelhos, recessão, demissões massivas, perda de poder aquisitivo para os trabalhadores, reestruturações, sacrifícios dos benefícios sociais, planos de ajuste e miséria. Enquanto isso, os 600 milhões que o Goldman Sachs ganhou com esta fraude seguiram dando frutos na aposta suicida que o capital faz em benefício próprio contra a humanidade.
Tradução: Katarina Peixoto

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Grécia se transforma em colônia do sistema financeiro


O sistema financeiro globalizado inaugura explicitamente sua primeira colônia na zona do euro. Parece inacreditável. O texto abaixo da uma idéia do que está acontecendo com os gregos. Até quando suportarão? Na verdade parece que a troika está fazendo um teste. O povo Grego segue sendo o laboratório. Vejamos o que virá!


MENTIRA E COLONIZAÇÃO NA GRÉCIA

Leia na fonte: Autor: Venícius Torres Freire – Folha de São Paulo

Faz algumas semanas, era piada dizer que a Grécia seria reduzida à condição de república bananeira, ocupada por estrangeiros que vinham cobrar dívidas, como os americanos faziam na América Central no início do século XX.
Agora é oficial: inspetores da União Europeia e/ou FMI vão ter uma cadeira no departamento de contas a pagar e a receber do governo grego, praticamente dizendo o que pode e o que não pode. Haverá ainda uma conta especial para canalizar o dinheiro dos credores (o que sobrar, fica com os gregos).
Se implementado, o "plano de socorro" reduz a Grécia à condição de colônia: sem moeda, sem autonomia orçamentária, sem crédito, sem nada.
Para completar o cenário, faltariam apenas canhoneiras ancoradas no Pireu (o porto perto de Atenas) e agentes estrangeiros recolhendo dinheiro na alfândega.
Em termos econômicos, o "plano de socorro" é uma mentira cínica que as lideranças europeias contam a fim de ganhar tempo.
Vazou para os jornalistas um documento oficial e confidencial sobre a possibilidade de sucesso do "plano de ajuste" grego. Na hipótese mais otimista, a Grécia ainda deverá uns 130% do PIB em 2020.
Mas a hipótese mais otimista é alucinada. Depende de um cronograma irrealista de redução de deficit, de privatizações e de expectativa de crescimento econômico.
Como o próprio documento observa, um atraso na aplicação inicial do plano explode as demais e seguintes projeções irrealistas de "progresso". Isto é, se a Grécia não cresce, se não faz superavit primário suficiente ou não privatiza no preço e na velocidade projetados, o plano irá rapidamente para o vinagre.
Esclareça-se aqui o que é "otimismo" (dívida caindo a 130% do PIB em 2020): recessão de 4,3% em 2012, estagnação em 2013, redução média de salários em torno de 25% (sim, um quarto) até 2014. Um colapso.
O PIB grego encolheu uns 13% desde 2007. Na perspectiva otimista, a economia não voltaria ao nível de produção ("tamanho") de 2007 até 2022: 15 anos de estagnação. A essa altura, a renda per capita teria caído uns 15%, pelo menos. Se tudo der certo, pois, os gregos estarão, em 2020, 15% mais pobres do que o eram em 2007.
Obviamente ninguém está dando a mínima para a Grécia, e menos ainda para os gregos comuns. O que a elite europeia pretende é ganhar tempo, como o faz desde 2009.
Evita-se o calote grego, talvez até 2013. Nesse ínterim, tomam-se medidas para acolchoar o ambiente e proteger bancos e governos europeus de um "acidente" na Grécia (como uma revolução).
Em dezembro, o Banco Central Europeu emprestou meio trilhão de euros à banca da eurozona, a taxas de juros negativos (deu dinheiro, pois). No dia 29, terça que vem, pode emprestar outro meio trilhão.
A dinheirama atenuou o temor de quebra de bancos europeus, vários deles zumbis, mortos-vivos, reavivou um pouco de crédito interbancário e até permitiu que se usasse parte desse dinheiro na compra de títulos da dívida da Itália e da Espanha. O plano, enfim, põe a "Europa do Sul" na linha dura - a tortura grega fica como uma ameaça para recalcitrantes.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Julian Assange & Amaury Ribeiro Junior

Em seu livro A PRIVATARIA TUCANA o jornalista Amaury Ribeiro Junior escancara com farta documentação as “tenebrosas transações” escondidas sob o tapete das privatizações da era do PSDB.

Pois bem, a mídia gorda empresarial tenta desqualificar o autor do livro ao invés de se debruçar sobre o seu avassalador conteúdo. O tucano José Serra, eixo principal de toda essa história, diz que o livro “é um lixo”. À propósito, há realmente muito lixo no livro e o José Serra está bem no meio da lixeira.

O comportamento da nossa mídia gorda lembra muito o da mídia globalizada no que tange ao Weakleaks de Julian Assange. Por isso transcrevo o texto abaixo que pode ser encontrado em O outro lado da notícia.


A difícil luta de Julian Assange em mundo sem hippies

Em 1971, Daniel Ellsberg vazou para a opinião pública um bloco de documentos altamente secretos, do governo dos EUA, sobre a Guerra do Vietnã, conhecido como The Pentagon Papers [Documentos do Pentágono]. Aqueles documentos comprovaram, pela primeira vez, algo de que muita gente já suspeitava: que o governo dos EUA mentia aos cidadãos. Enquanto Lyndon Johnson dizia aos cidadãos que tinha intenção de promover a retirada e a ‘desescalada’, os Documentos do Pentágono revelaram o que de fato o governo já estava fazendo: promovendo escalada massiva na guerra do Vietnã, e que autorizara missões de ataque também em territórios do Cambodia e Laos.

Ellsberg enfrentou ameaças de prisão, de assassinado, de condenação por alta traição – o que se pode imaginar e também o inimaginável, para expor a verdade ao mundo. Conseguiu obter e divulgar a primeira evidência tangível de que o governo dos EUA mentira descaradamente aos cidadãos. Então, ninguém podia prever o que aconteceria depois daquele momento de medo e catarse.

Alguns anos depois, já ninguém pensaria em condenar Ellsberg por expor a verdade, e todos condenávamos os governos corruptos. Lembramos do incidente no Golfo de Tonkin como mais uma mentira divulgada pelo governo, não como plano que teria gorado porque teria sido denunciado por um traidor, empenhado em vazar segredos de Estado. Ellsberg, em pouco tempo, passou a ser tratado como herói, não como traidor.

Mas Ellsberg viveu numa geração de hippies – geração que valorizava a integridade e a verdade como princípio de vida –, e a revelação de Ellsberg incendiou a indignação pública como faísca em mato seco.

Quarenta anos depois, Julian Assange apresenta-se no cenário mundial com sua organização WikiLeaks, como um Ellsberg do século 21. É homem sem nacionalidade, e divulga, como a recebeu , pela Grande Rede, a informação que tem e deseja distribuir – retrato interessante do mundo contemporâneo. Sua organização deixa vazar documentos em escala jamais vista antes, enormemente mais ampla que as 1.000 página dos Documentos do Pentágono. O que revela, inclusive informação nova sobre assassinatos e tortura no Iraque depois de Abu Ghraib, entre elas 66.081 mortos iraquianos civis, provavelmente ainda mais chocante que as informações contidas nos Documentos do Pentágono. E, surpreendentemente, todos só falam sobre o homem que vazou a informação, que seria alguma coisa entre um idiota e um traidor; e ninguém comenta o conteúdo das novas informações.

Todo o noticiário sobre WikiLeaks parece concentrado sobre acusações de crime sexual que teria sido praticado pelo autor dos vazamentos na Suécia, ou sobre notícias de que o homem teria personalidade de ditador, o que teria levado vários dos voluntários que teriam trabalhado com ele a desistir da missão. Mídia alguma se dedica a repercutir o conteúdo dos arquivos vazados. Daniel Ellsberg diz ao New York Times que esperou “quarenta anos por alguém que divulgasse informação secreta em escala que realmente fizesse diferença”. Mas a verdade vazada por WiliLeaks parece não fazer diferença alguma. Fato é que, sim, o mundo mudou muito entre os anos de Ellsberg e os anos de Assange. Hoje, quando a nova informação que Assange afinal expôs ao mundo deveria ter provocado protestos de massa e clamor crescente por transparência e responsabilidade em tudo que os governos digam aos cidadãos através da mídia, a espantosa maioria dos cidadãos e absolutamente toda da mídia só faz falar de/sobre Assange, e em quase todos os casos contra Assange.

Não estou dizendo que Julian Assange não estuprou alguém na Suécia; não sei se estuprou ou não; se estuprou, deve ser condenado como todos os estupradores. O que estou dizendo é que é muito evidente o motivo pelo qual interessa à mídia e aos críticos de Assange desacreditá-lo. Ao mesmo tempo, se se considera que Assange reconheceu que manteve relações com “fãs”, mas que foram relações de sexo consensual, é também suspeitamente evidente o interesse que muitos podem ter em desacreditá-lo ‘em geral’, apresentá-lo, em geral, como doido (além de estuprador perverso).

É possível que Assange tenha mentido sobre suas aventuras sexuais, é possível que o que dizem alguns de seus ex-funcionários tenha fundamento na realidade, e que Assange seja chefe dominador, talvez, mesmo, tirânico. Nada disso tem qualquer relação com os documentos vazados sobre a guerra do Iraque. Os norte-americanos e o mundo esqueceram já, completamente, que Martin Luther King, Jr. envolveu-se em mais de uma aventura extraconjugal. É marca grave em seu passado. Mas a vida e a obra que construiu, a mensagem de sua vida, encontraram eco numa geração inteira de norte-americanos comprometidos com o projeto da mudança social.

Assange é hoje apátrida, sem casa, à procura de um país que o receba (perdeu recentemente a cidadania sueca); e o New York Times descreve-o literalmente como “fugitivo”, depois de rápida passagem pela Islândia. Mas Assange é excluído hoje, sobretudo, porque é figura de ‘sem-teto ideológico’.

40 anos depois, David Ellsberg diz que sente uma espécie de ‘irmandade’ com Assange, mas irmandade que não se vê em maior escala. Os documentos expostos por Assange não inspiram passeatas em direção a Washington nem qualquer tipo de protestos visíveis. O presidente Barack Obama, apesar de toda a retórica eleitoral sobre transparência e integridade, não elogiou Assange nem disse dele que seria um novo “campeão da verdade”. O Pentágono, de fato, não faz outra coisa que tentar silenciá-lo. E até governos estrangeiros, cujas agendas nada têm a ver com segredos militares ocultados, não se apressam em oferecer abrigo ou cidadania a Assange.

É como se Assange tivesse nascido em momento errado. Como se tivesse de esforçar-se muito para impor a verdade num mundo que já não manifesta qualquer apetite pela verdade. Sem aliados, nômade também no plano ideológico, não se sabe por quanto tempo a voz de Julian Assange conseguirá continuar a vazar fatos. Historicamente, as principais vozes de oposição que o mundo conheceu – de Martin Luther King a Malcolm X e John Lennon – parecem sempre encontrar pela frente, mais cedo ou mais tarde, forças que as silenciam e calam.