PenseLivre On Line

Como dizia apropriadamente Samuel Wainer: A PENA É LIVRE, MAS O PAPEL TEM DONO.
Os blogs permitem que, por algum momento, possamos ter a pena livre e, ao mesmo tempo, ter a propriedade do papel.
Neste blog torno públicas algumas reflexões pessoais, textos e publicações pinçadas da web e que me fizeram pensar e repensar melhor a realidade.
Este blog é uma pretenção cidadã e...nada mais!

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domingo, 2 de maio de 2021

Tudo é mentira...

"Tudo é falso, Tudo é mentira: mentira a data oficial do descobrimento do Brasil; mentira a emancipação política; mentira a independência; mentira o juramento do príncipe regente; mentira o segundo reinado; mentira a Abolição; mentira a fundação da República, que não passou de uma quartelada; mentira as eleições; mentira a representação parlamentar... O país, de norte a sul, de leste a oeste, está nas mãos ávidas e rapaces de oligarquias constituídas, de negocistas sem escrúpulos, de espertalhões, de politiqueiros cínicos.[...]"

Everardo Dias

(Da seção de cartas de O Estado de S. Paulo, julho de 1924

domingo, 21 de março de 2021

 AAS (aspirina) e Covid-19


A matéria que divulgo a seguir, em tradução livre, parece mostrar que os indivíduos que já fazem uso do AAS ou aspirina em baixas doses – 81mg/dia – poderão ser beneficiados caso venham a ser acometidos pelo coronavirus da COVID-19. Quem desejar ler a matéria no original em inglês, clique neste 
LINK

terça-feira, 13 de outubro de 2020


Quem terá direito à vacina anti-COVID 19?

Fonte: por  


DA INTENÇÃO À REALIDADE

Uma pesquisa do Datafolha em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife mostrou que, nessas capitais, mais de 70% da população é favorável à obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19. Além disso, pelo menos três quartos da população em tais cidades pretende se vacinar logo que seja possível (o maior percentual, 81%, foi registrado em Belo Horizonte).

Mas sabemos que, no início, não vai haver vacina para todo mundo… E o governo federal ainda não planejou como usar bem as doses limitadas de modo a reduzir as contaminações. O Ministério da Saúde afirma que “a parcela da população a ser vacinada depende dos resultados das pesquisas, a partir dos quais poderá ser indicada a melhor estratégia”. Faz sentido, já que a eficácia da vacina pode (e costuma) variar de acordo com características do público, como idade. Mas a definição do público-alvo preferencial não é o único desafio a ser pensado, e uma matéria da Folha enfatiza os problemas de logística de armazenamento e transporte.

A distribuição das novas vacinas vai ser responsabilidade da Rede de Frio, esquema logístico do Programa Nacional de Imunização. Ela deve conseguir distribuir amplamente imunizantes que precisam ser conservados entre 2° e 10°. Será suficiente? Para a Coronavac, sim: ela pode ser armazenada a até 8° e suporta quase um mês a 37°. Mas ainda é desconhecida a temperatura ideal para a conservação da vacina de Oxford/AstraZeneca, maior aposta do governo brasileiro. A farmacêutica britânica não revelou essa informação; segundo a Fiocruz, a vacina deve ser guardada entre 2° e 8°, mas o Wall Street Journal já falou de uma temperatura entre -10° e 0°. A mais difícil nesse aspecto é vacina da Pfizer, que precisa ser mantida a -70°.

ESTRATÉGIA PARTIDA

Ainda há um embaraço cercando as relações entre o Ministério da Saúde e o governo de São Paulo no que se refere à distribuição da Coronavac. Dissemos na sexta-feira que o governador do estado, João Doria (PSDB), se encontraria com parlamentares para discutir um ‘plano B’, uma alternativa para garantir a compra de doses e chegada dessa vacina a outros estados caso o governo federal decida não oferecer nenhum aporte financeiro. Doria prometeu uma reunião “definitiva” com o Ministério no próximo dia 21 para decidir a questão. Ele disse que a “forma correta, republicana e ética” é incluir a Coronavac no cronograma de imunização nacional – mas que, se a pasta não comprar as doses, vai assumir a logística de imunização dentro do estado. “Se houver qualquer viés de ordem política, eleitoral ou ideológica que possa colocar em prejuízo os brasileiros de São Paulo, o estado vai adotar a vacina, aprová-la na Anvisa e faremos a imunização dos brasileiros de São Paulo sim”, disse ele, afirmando que pode também enviar a Coronavac a outros estados.

O ânimo do Ministério para essa conversa não parece dos melhores. Ainda na sexta, o secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, declarou que “não pode comprar o que não existe”.

Em tempo: o governo de São Paulo conseguiu arrecadar R$ 130 milhões para a construção de uma fábrica do Instituto Butantan que vai produzir as vacinas. Ao todo, 16 empresas colocaram recursos no projeto, cujo custo total é de R$ 160 milhões.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Envenenando o Brasil 

Fonte: https://outraspalavras.net/outrasaude/lobbyempresarialsabequepodecontarcomanvisa/
por 

Anvisa libera o agrotóxico proibido

Paraquate não poderá mais ser fabricado ou importado — mas os estoques atuais serão despejados na comida. Veneno pode provocar Parkinson e mutações. E mais: Brasil investe, no SUS, menos de R$ 115 mensais por habitante


ESTOQUES LIBERADOS

Não durou nem um mês a proibição total do uso do agrotóxico paraquate no Brasil. Há apenas três semanas a Anvisa decidiu que ele seria banido do país a partir do dia 22 de setembro. Mas, como comentamos por aqui, naquele momento fabricantes e grandes produtores já faziam lobby para garantir que pudessem continuar usando o produto que restou em seus estoques. Um detalhe precisa sempre ser lembrado: ninguém foi pego de surpresa pelo banimento, que já estava previsto para este ano desde 2017. As compras foram feitas apesar da proximidade da data – e com a tranquilidade de quem sabia que não perderia dinheiro. 


A flexibilização veio ontem na reunião da diretoria colegiada da agência. E foi fácil: cinco votos a favor, nenhum contra. O pedido partiu do Ministério da Agricultura, por meio de um ofício ao diretor-presidente da Anvisa, o almirante Antonio Barra Torres. E a justificativa foi que a retirada do veneno poderia aumentar os custos de produção e o preço final dos alimentos para a população brasileira... Agora, os agricultores vão poder despejar paraquate nas lavouras durante a safra vigente. O último uso vai ser nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em agosto de 2021.

O paraquate, como se sabe, é proibido na União Europeia desde 2003 e está associado a mutações genéticas e ao desenvolvimento de doença de Parkinson nos agricultores. Por aqui, é um dos agrotóxicos mais vendidos, usado para manejar as chamadas ervas daninhas e para dessecar culturas antes da colheita. Está presente em alimentos como arroz, feijão, soja, trigo, banana, batata, café e frutas cítricas.


terça-feira, 19 de abril de 2016

"Hoje eu vou dormir com vergonha do meu país"

Domingo, 17 de abril de 2016.
"Hoje eu vou dormir com vergonha do meu país"
Assim se expressou minha neta, 12 anos, após o tenebroso espetáculo oferecido ao mundo pelos deputados do Congresso brasileiro.
Ainda chocado com o que vi e ouvi, hoje, segunda-feira, acordei melhor. O sono me recuperou do pesadelo, que tive acordado. Foi efetivamente um pesadelo.
Se ontem tive náuseas, hoje sinto apenas nojo. Nojo dos cunhas, bolsonaros e temers. Nojo daquele pântano de lama, verdadeira pocilga (que me perdoem os porcos!) cujo fedor deve estar incensando o mundo.
Ontem cheguei a me entregar ao desânimo.
Pensei em 'deixar rolar' e cuidar da minha vida. Deixar pra lá minhas preocupações com o coletivo e com a construção daquele outro mundo com que, do lado esquerdo das posturas políticas, sonhamos.
Sou médico e minha profissão me permite viver com a tranquilidade desejada. Ganho o suficiente para atender ao meu projeto de vida pessoal. Porque, então, me estressar com utopias?
Porém, bem diferente das imagens emanadas do palco fedorento da câmara federal, as outras imagens mostrando o mundaréu de gente, de povo, pelas praças e ruas do país, me provocaram. Me provocaram positivamente.
Percebi que ali, nas ruas, estava o verdadeiro Brasil. Sofrido, sabotado, enganado, mas verdadeiro. O Brasil de fato não estava no Congresso, estava lá, nas ruas. Apenas o lado podre do Brasil estava naquele palco podre do Congresso - reguardadas as poucas exceções (pois elas, felizmente, ainda existem).
Isto me fez pensar melhor.
A guerra não está perdida. Batalhas imensas se apresentam no horizonte. Podemos ganhá-las com as ruas. São as ruas que essa corja de deputados e senadores temem. O Temer teme. O Cunha teme. Os hipócritas daquele SIM temem.
Como diz Antonio Martins em Outras Palavras: "Uma nova governabilidade terá de ser conquistada
mais nas ruas do que nos corredores traiçoeiros do Congresso Nacional".
Portanto, "pela minha neta" eu digo SIM ao novo combate que se descortina.
Por mais modesta e pequenina que possa ser minha contribuição  estarei presente.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Je ne suis pas Charles Hebdo - II

"O que seria o pequeno Aylan se tivesse crescido?
Um beliscador de bundas na Alemanha"
Em 07 de janeiro de 2015 ocorreu o ataque ao jornal satírico francês Charles Hebdo (CH). Em 11 de janeiro postei algumas reflexões a respeito do ocorrido (veja aqui). Em meu ponto de vista o periódico parece continuar confundindo humor com deboche, humilhação, desprezo, covardia e etc.
Pois bem, transcrevo abaixo a indignação manifestada pelo jornalista Flávio Aguiar no site do Carta Maior a respeito de recente publicação do CH. Com permissão , assino em baixo.


Eu sou um refugiado sírio, eu sou um muçulmano perseguido, eu sou um norte-africano afogado no Mediterrâneo, um judeu em Auschwitz, um africano escravizado, um índio desaparecido em nome da Conquista europeia, uma criança vietnamita bombardeada com napalm nos anos 60 ou setenta, etc… Um menino morto na praia onde ele deveria brincar.
 
Mas Charlie Hebdo eu não sou mais.
 
Quando houve o atentado contra a redação do Charlie Hebdo, perpetrado por uma quadrilha de fanáticos que agiam em nome de uma visão completamente destorcida do Islã, eu e minha esposa saímos aqui nas ruas de Berlim, portando na lapela, com luto e orgulho, a divisa, “Ich bin Charlie Hebdo”, “Eu sou Charlie Hebdo”.
 
A loja vizinha, de amáveis quinquilharias, de propriedade de um sírio, pusera na porta, em destaque, uma bandeira francesa. Não sou amigo de bandeiradas nacionalistas, mas aquilo era muito diferente, muito mais do que isto, era uma homenagem ao luto diante da estupidez do ato perpetrado, que incluía um ataque covarde a um supermercado de produtos judaicos.

Mas Charlie Hebdo eu não sou mais.
 
Tenho visto e já escrevi sobre a paranoia histérica que vem tomando conta da Europa depois desta série de atrocidades - não vamos brincar com isto - cometidas, tomando o nome de Alá em vão. Se os terroristas perpetradores destes crimes lesa-humanidade pensam que serão recebidos no Paraíso, espero que se dêem conta do que na realidade fizeram ao arderem no mármore do inferno pela eternidade.
 
Mas Charlie Hebdo eu não sou mais.
 
A histeria paranoica piorou muito desde o “arrastão sexual” perpetrado por um milhar de energúmenos embriagados no Hauptbahnhof de Colônia, na Alemanha, atacando covardemente mulheres indefesas com todo o tipo de ofensa, que foram do roubo de celulares ao estupro. Agiam em nome de Alá? Foram descritos como “de aparência árabe ou norte-africana”. Não duvido. Mas a raiz deste comportamento não é islâmica, não é o Corão. A raiz é o descaso com que a juventude é tratada nas nossas metrópoles ocidentais. Isto justifica a barbárie que cometeram? De jeito nenhum. Existem milhões de jovens que são tratados com o mesmo descaso e que reagem de modo inteiramente diferente, construindo vidas próprias distantes destes ensurdecimentos ou fanatismos, entregando-se a militâncias generosas em nome da tolerância, da igualdade, da fraternidade, humanidade, da solidariedade, é bom não esquecer este conjunto de palavras, ou simplesmente em busca de uma vida decente e digna.
 
Mas Charlie Hebdo eu não sou mais.
 
O cruel massacre dos jornalistas do Charlie Hebdo deixou cicatrizes. Mas a gente sabe que uma cicatriz pode ser tanto a lembrança da superação de uma ferida, como também a permanência da Marca da Maldade, assim com maiúscula, como no imortal filme de Orson Welles. Agora a equipe do Charlie Hebdo cedeu diante da Marca da Maldade. Covardemente, atacaram uma criança. Mais covardemente, atacaram uma criança morta. Quem não se lembra das fotos do Pequeno Aylan, de bruços, tendo como leito de morte uma praia onde ele deveria brincar? E aí o desenhista do CH, embriagado por um sentimento aparente de ironia, mas na verdade de profunda xenofobia, faz uma “piadinha”, perguntando, o que seria dele, se tivesse sobrevivido. E completa com a pseudocharge, onde o adulto resultante tem, inclusive, um nariz de porco na imagem, que ele teria se transformado num “beliscador de bundas na Alemanha”.
 
Decididamente, não sou mais Charlie Hebdo.
 
Isto faz o serviço para as Marine Le Pen, as Front Nationale, as Pegidas alemãs, os neonazis de todo lado, os fascistas da Ucrânia, os reacionários da Polônia, os governantes idiotas que dizem estupidamente que seus países só receberão “refugiados cristãos” (dá vontade de perguntar: quer dizer que os judeus também não têm vez?), os antissemitas da Hungria, os canalhas no mundo inteiro que se valem das histerias estimuladas pelo sensacionalismo curto e grosso de mídias semeadores da idiotice.
 
Charlie Hebdo, adeus. Adeus, Charlie Hebdo.
 
Como já disse, eu agora me chamo Aylan, me chamo refugiado, me chamo muçulmano, me chamo tudo, menos esta profanação da memória de um inocente.
 
Liberdade de expressão é uma coisa. Desfaçatez, desrespeito, grossura, idiotice, covardia, canalhice para vender mais um exemplar a mais, é outra. Isto se chama jornalismo selvagem. Aliás, capitalismo selvagem.
 
Adeus, Charlie Hebdo. CH, adeus. O resto é silêncio.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Corrupção "organizada" = Lula; "desorganizada"= FHC

Pensata de FHC precisa ser mais bem detalhada; reflitamos, então, sobre organicidade e acaso, e sobre as características centrais dessa palavra-fetiche, “corrupção”

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)


O príncipe Fernando Henrique Cardoso admite que em seu governo a corrupção existia, mas não era “organizada“. À tentação de imaginar a Mancha Verde, a Gaviões da Fiel e a Jovem Fla como símbolos do que seria algo “organizado”, permito-me mais uma vez pesquisar a origem do termo. Ele vem de “orgânico”, “que possui órgãos cujo funcionamento determina a vida”. Desconhecíamos até então essa influência naturalista – biológica – na visão do sociólogo.

O Dicionário Houaiss descreve este sentido para a palavra organizado:
que constitui um conjunto definido, estruturado, fundamentado
E este para a palavra orgânico:
relativo ou pertencente à constituição ou estrutura (de qualquer conjunto, totalidade etc.); caracterizado pelo arranjo sistemático de suas partes; estrutural


Então a corrupção a partir de 1º de janeiro de 2003 seria “estrutural”. Antes disso, como no governo de FHC, não, ela não seria uma estrutura. (Uma obra do acaso, quem sabe?) Partamos do princípio de que o ex-presidente conheça noções elementares de história da corrupção, do quanto ela está instalada no núcleo dos Estados em diferentes eras e em diferentes espaços. Mas por ora nos atenhamos à palavra “estrutura”. Bastante familiar ao universo da sociologia.

Diz o Houaiss sobre estrutura:
organização, disposição e ordem dos elementos essenciais que compõem um corpo (concreto ou abstrato)

Desconfio, porém, que isto esteja ficando tautológico. Organizado é algo estruturado, estrutura é organização. Redundou. Assim não dá. Sim, o Houaiss nos lembra também que existe uma definição marxista para estrutura: a “constituição econômica da sociedade, marcada pelas relações de produção e de trabalho e que, em última instância, determina a superestrutura; infraestrutura”.
Pista falsa, porém. Quem disse que Fernando Henrique Cardoso ainda é marxista?

Examinemos, então, a palavra “corrupção”. Sigamos com o Houaiss (metodologia, este país precisa de um choque de metodologia):
1 deterioração, decomposição física, orgânica de algo; putrefação
2 modificação, adulteração das características originais de algo

Mas será possível? De novo? Corrupção seria algo “orgânico”? E ainda por cima algo que apodrece? (Nem vou falar do terceiro emprego do termo, “devassidão”.)

FHC, porém, só pode estar se referindo a esta sequência de definições:
4 ato ou efeito de subornar uma ou mais pessoas em causa própria ou alheia, ger. com oferecimento de dinheiro; suborno
‹ usou a c. para aprovar seu projeto entre os membros do partido ›
5 emprego, por parte de grupo de pessoas de serviço público e/ou particular, de meios ilegais para, em benefício próprio, apropriar-se de informações privilegiadas, ger. acarretando crime de lesa-pátria

Usar corrupção “para aprovar seu projeto”, porém, não parece algo muito benéfico ao histórico do ex-presidente. Sem falar que ele é um homem que está muito além das pátrias; ele paira sobre elas. Aquela compra de votos para a reeleição, à qual se referia outro dia o insuspeito Claudio Lembo (que foi vice do governador José Serra), não seria exatamente… corrupção? E a reeleição, não seria algo “estrutural”?
Tudo muito confuso. Quando o príncipe dava aulas no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) tudo devia ficar mais claro, ele certamente promovia exaustivamente a exegese de cada termo e, didaticamente afável, não nos deixava dúvida nenhuma. Agora ele vem com essa de falar por metáforas – como se fora um poeta.

A corrupção. Então não tínhamos entendido nada? E nós que pensávamos – pelas aulas de história, pela leitura poliglota de jornais dos últimos 200 anos – que ela estava totalmente embebida nos aparelhos do Estado. Que ganhou outros nomes, como patrimonialismo (a confusão entre público e privado), esse patrimonialismo que o Ciro Gomes diz que é outro nome para “roubalheira”. Mas não.
Corrupção, explica-nos aristotelicamente Fernando Henrique Cardoso, ela é “organizada” ou não é. E a que não é organizada seria o quê? “Desorganizada”? Ah, sim, pontual. Que se reduz a um ponto ou a um detalhe do todo. Não, ainda não. Ele nos ensina que essa outra modalidade de corrupção – praticada em seu governo – é fruto de uma “conduta imprópria”. (Uma coisa feia – puxem as orelhas do corrupto pontual.)

Concluímos, assim, que durante a era FHC as eventuais corrupções muito esparsas deviam acontecer como acidentes, pontos fora da curva, externos, à margem da sabedoria evidente e intrínseca dos governantes tucanos, sempre tão cheios de vida. Eles eram tão sábios que sabiam que nada sabiam da corrupção que deveras houve – mas não era estrutural. Entenderam?

A palavra corrupção move montanhas. Hoje em dia é pronunciada de forma a ser associada a um partido específico, o PT. Que posava de vestal em relação a essa prática, ajudou a derrubar um presidente “corrupto”, criticava um prefeito paulistano “corrupto”. Mas aderiu. E agora precisa ser punido sozinho – informa-nos o senso comum sobre corrupção – como promotor único dessa aberração. Linchado, eliminado. Onde já se viu, praticar corrupção “organizada”?

(Por mais que levantamentos nos digam que prefeitos de outros partidos sejam estatisticamente mais corruptos. Mas talvez não sejam consideradas corrupções “estruturais”. “Orgânicas”. E sim pontuais, “impróprias” – ainda que em ampla escala, em sucessões de extremas coincidências.)
O PSDB, não. Alto! Neste caso não haveria corrupção estrutural. Caso Alstom? Deve ter sido coisa dos governos anteriores. Só permaneceu ali, corrompendo chefes de trens e de metrôs, porque os tucanos estavam ocupados demais fazendo seus doutorados. Mensalão “tucano”, não. Não existe. Somente o “mineiro”. “Corrupção”, mesmo, assim, com a boca cheia, só aquela que possa ser associada ao inimigo. Organizada!

Corrupção talvez seja somente aquela que os editoriais dos jornalões e revistas digam sistematicamente que é corrupção. Pois são eles – decerto – que definem o que é orgânico e estrutural em uma sociedade. (Ou seria o Judiciário?) Como o Carlos Lacerda não está mais aqui, cabe a alguns editorialistas anônimos e a colunistas esforçados (sempre a tentar adivinhar o que pensaria FHC) nos dizer qual corrupção seria organizada e qual seria imprópria.

(Organizada? Primeira página. Manchete. Conduta imprópria? Escondam na página 4.)
O problema dessa concepção é que a imprensa, conforme a tradição marxista, seria um aparelho ideológico de Estado, um instrumento dessa mesma burguesia que, afinal de contas, é a classe social que corrompe e…

Ops. Recaída. Já constatamos que FHC abandonou o marxismo. Teria se tornado ele um pós-neopositivista, um Auguste Comte com muito mais ilustração e lábia? Talvez a pensar numa corrupção orgânica, em ciclos. Morte e vida e morte da corrupção. Um governo apodrece – sempre um governo de algum partido incorrigível – e então (numa sucessão natural) viria outro governo iluminado, completamente diferente, rumo ao progresso, regenerador.

E não teríamos mais corrupção. Simples assim. Por algum tempo ela se tornaria até uma palavra esquecida. E talvez fosse melhor falar em “deslizes”. “Escorregões”. Não mais aquela coisa organizada, feia, de antigamente. (A pessoa estava ali, distraída, ocupando um cargo público e cuidando de um orçamento bilionário, quando, inadvertidamente, um perigoso lobbista apareceu no corredor escuro e…)

Segundo o Houaiss, um escorregão significa o ato de uma pessoa escorregar, ou deslizar, ou “proferir inconveniências ou impropriedades”, ou “exagerar um acontecimento durante narração excessivamente entusiástica”.

Aaaaaaah. Perfeito. Agora, sim. Por que não nos explicou isso antes?