PenseLivre On Line

Como dizia apropriadamente Samuel Wainer: A PENA É LIVRE, MAS O PAPEL TEM DONO.
Os blogs permitem que, por algum momento, possamos ter a pena livre e, ao mesmo tempo, ter a propriedade do papel.
Neste blog torno públicas algumas reflexões pessoais, textos e publicações pinçadas da web e que me fizeram pensar e repensar melhor a realidade.
Este blog é uma pretenção cidadã e...nada mais!

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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Le Monde aponta Julian Assange homem do ano


Julian Assange foi eleito pela redação do mais importante jornal francês, Le Monde, o homem do ano 2010.
Co-fundador do sítio WiKileaks, onde revela ao mundo os bastidores do poder, Assange defende a transparência integral nas relações políticas. Seu "jornalismo científico" abalou a credibilidade da diplomacia dos EUA, a maior potência bélica do planeta, e revelou uma série de atrocidade perpetradas por essa potência no Iraque e Afganistão. Para os EUA Julian Assange é mais letal, sem disparar um único tiro, do que Bin Laden.
A leitura da matéria original do Le Monde pode ser feita AQUI

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Liberdade de imprensa e Wikileaks

A matéria que transcrevo a seguir reflete o que venho pensando sobre o Wikileaks. Nossos jornalões ainda estão tontos com a criatura de Assange e estão com enorme dificuldade para esconder suas intimidades que ficaram completamente expostas. Na verdade a mulher estuprada por Julian Assange chama-se Mídia Gorda. Faço minha a pergunta do autor: cadê os editoriais evocando a liberdade de imprensa focados no jornalismo científico de Julian Assange?
Li isto em Observatório da Imprensa que recomendo a todos.

WIKILEAKS
A construção do mito Assange
Por Washington Araújo em 14/12/2010

Digam o que disserem, esperneiem como quiserem, tomem as medidas mais tradicionais e também as mais estapafúrdias possíveis para amordaçá-lo, retenham seus movimentos, a verdade é que se existe alguém, nos dias que correm, melhor antenado com a ideia de cidadania para além das fronteiras puramente nacionais, esse alguém é um australiano com seus incompletos 40 anos de idade.

Não me precipito ao afirmar que estamos vendo a construção de um mito. É corrente que mitos são importantes porque representam uma imagem de sucesso e glória que todo mundo almeja, mas é também evidente que a aura do mito transcende sua obra. Mitos não são criados por serem explicáveis, são idolatrados. Mitos tendem sempre a valorizar determinada característica humana vista sob enfoque bastante positivo. É a passagem do tempo que confere ao mito a percepção de alguém ou de algo que ultrapassa seu valor real, intrínseco e passa a referir todo o conjunto de virtudes humanas.

Os elementos constitutivos para a criação de um mito podem ser ruins ou bons para a verdade. Mas a verdade é sempre factual quando se trata de esquadrinhar a pessoa humana e, no fundo, quem torna mito alguém é a trajetória percorrida por esse alguém. A trajetória do homem-que-se-torna-mito tem relação quase sempre direta de escolhas e estratégias adotadas durante o caminho de mitificação, seja na falsificação ou na comprovação de sua excelência.

Julian Assange parte da premissa que sua criatura – o WikiLeaks – "publica sem medo fatos que precisam ser tornados públicos". Notem que a atividade principal de sua criatura é publicar e sua principal característica abarca um sentido de urgência e de necessidade: "Fatos que precisam ser tornados públicos". Não esqueçamos do destemor, da ousadia e do passo à frente simbolizado pelas palavras "sem medo". É aqui que começa a atividade maior de Julian Assange: ele sabe o que quer fazer, o que sente que deve ser feito e está consciente dos riscos envolvidos. E porque se sente investido de lutar por algo em que acredita, alcança com inédita velocidade essa aura de benfeitor, de quem consegue reanimar antigas utopias humanas, como essa da busca da verdade, verdade que deve ser alcançada a qualquer custo. Mesmo que sempre... no limite.

Liberdade de expressão

Para nossa grande imprensa, que tem elegido a defesa da liberdade de expressão com aquele ardor digno dos seguidores de Antonio Conselheiro no episódio de Canudos, soa patético que não conheçamos nenhum editorial inflamado em defesa de Assange e contra sua prisão, aparentemente causada por suas peripécias sexuais na Suécia e que incluem até uma obscura história de estupro. Qualquer biscoito (cookie, em inglês), além de qualquer cidadão norte-americano medianamente informado e mesmo qualquer dona de casa alemã que assine Der Spiegel, sabe muito bem que sua prisão tem tudo a ver com os transtornos que o WikiLeaks vem causando à imagem e às relações de Washington com governos do resto do mundo.

Não se exigirá mestrado ou doutorado em Comunicação, conferido por Cambridge ou por Harvard, para que não tarde a que a história da diplomacia no século 21 venha a ser ensinada em dois períodos de tempo distintos: antes e depois dos wikileaks.

Julian Assange assume que "qualquer governo corre o risco de ser corrompido caso não seja vigiado cuidadosamente". Até aqui, nada demais, porque data de muito longe o ditado de que "o poder corrompe". E o que exerce o poder em uma sociedade? Primeiramente, o governo. Uma coisa é inferir sabedoria popular, geralmente fundada na experiência dos antigos. Mas agora a coisa é bem diferente. A novidade é que esse axioma acaba de ser comprovado cientificamente em um trabalho de pesquisadores da renomada Kellogg School of Management, nos Estados Unidos. Foi após uma série de testes comportamentais com voluntários que ficou evidenciada a forma como o poder costuma, em geral, mudar as pessoas para pior.

Em testes, os poderosos não só trapaceavam mais, não só usavam os mais sórdidos golpes, aqueles bem abaixo da linha da cintura, como também se mostravam mais hipócritas ao se desculpar por atitudes que condenavam nos outros. Neste contexto, vale conferir a afirmação do psicólogo social Adam Galinsky, professor de Ética e Decisões em Gerência da Kellogg School of Management e um dos autores do estudo, quando diz que "os poderosos acreditam que devem ser excluídos de certas regras".

A propósito, é isso o que precisamente vem acontecendo se considerarmos as reações de Washington aos wikileaks. Quem não lembra que há apenas um ano, em resposta a ações do governo da China contra o Google, a secretária de Estado americana Hillary Clinton fez apaixonado discurso em defesa da liberdade de expressão na internet? A senhora Clinton não parou por aí. Foi além: "Mesmo em países autoritários, governados por ditadores, redes de informação têm ajudado pessoas a descobrir novos fatos e feito governos mais transparentes". Seria patético, não fosse apenas ridículo, o uso contumaz de dois pesos e duas medidas quando autoridade política trata de atacar governo estrangeiro que é acometido por sua própria enfermidade.

Documentos secretos

Julian Assange se expressa com clareza quando o assunto é a sua entidade WikiLeaks. Sabendo que tem gente que acredita ser ele um pacifista nato, totalmente avesso às guerras, ele trata logo de desfazer o "piedoso engano":

"As pessoas afirmaram que sou antiguerra: que fique registrado, eu não sou. Algumas vezes, nações precisam ir à guerra e simplesmente há guerras. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir à sua população sobre estas guerras e então pedir a estes mesmos cidadãos que coloquem suas vidas e o dinheiro de seus impostos a serviço dessas mentiras. Se uma guerra é justificável, então diga a verdade e a população dirá se deve apoiá-la ou não."

Há um quê de quixotesco no pensamento e na ação de Assange quando vemos quão distante ele se encontra da realpolitik. Não será a política o campo para a dissimulação, para vestir de significado novo velhas ações, para utilizar todos os meios ao alcance com o intuito de conquistar esta ou aquela vitória política? Não foi o Departamento de Estado dos EUA que buscou negociar com o primeiro-ministro da Eslovênia um encontro com o presidente Barack Obama desde que a Eslovênia aceitasse, em troca, receber um preso de Guantánamo?

Por extensão, seria equivocado inferir que o mundo da política internacional é o vale-tudo cotidiano entre os que tudo podem e os que pouco podem? E, por acaso, já não intuíamos isso? Claro! O que o WikiLeaks faz é retirar das relações diplomáticas mantidas pelos EUA com outros países o benefício da dúvida. E, em caso de dúvida, se existe uma arena em que a ultrapassagem é quase sempre certa é a da política internacional.

O que existia de fato para justificar a guerra no Iraque? Dúvidas. Apenas dúvidas sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque governado por Saddam Hussein. Devo registrar que não é de hoje que o WikiLeaks divulga documentos secretos. Isso é feito há anos. Mas só ganhou destaque internacional em 2010, com três vazamentos: (1) publicou um vídeo confidencial, feito por um helicóptero americano, que parece mostrar um ataque contra dois funcionários da agência de notícias Reuters e outros civis; (2) tornou públicos 77 mil arquivos de inteligência dos EUA sobre a guerra do Afeganistão; e, (3) divulgou mais 400 mil arquivos expondo ataques, detenções e interrogatórios no Iraque.

"O melhor dos desinfetantes"

Se o jornalismo tradicional – aquele que é impresso em jornais e revistas, que é ouvido nas rádios e assistido nos telejornais – constrói sua versão da realidade tendo como ponto de partida apenas uma ou duas peças do quebra-cabeça, e sobre estas cobre o restante da imagem com a opinião de seus colunistas e comentaristas, quase sempre de política ou de economia, o WikiLeaks arroga para si o mérito de realizar jornalismo científico, aquele que opera com outros suportes de mídia para trazer as notícias para as pessoas, "mas também para provar que essas notícias são verdadeiras". E como faz isso? Com a palavra Julian Assange:

"O jornalismo científico permite que você leia as notícias, e então clique num link para ver o documento original no qual a notícia foi baseada. Desta maneira você mesmo pode julgar: esta notícia é verdadeira? Os jornalistas a reportaram de maneira precisa?"

Infelizmente, o governo norte-americano, diante do escrutínio público de menos de 5% do material que ainda deve ser revelado, ao invés de fazer uma inadiável releitura de sua política internacional, de seus pressupostos e de suas atividades bastante heterodoxas, estará, neste momento, planejando novas estratégias, esquemas e modus procedendis para cobrir de sigilo (e suspeição) o que sempre fez: tudo é permissível para alcançar seus fins políticos, econômicos e financeiros – e isto inclui o direito de não precisar prestar contas a ninguém. O WikiLeaks ajudou a rasgar as duas pontas da capa que lhe encobria as vergonhas e reduziu a pó sua autoafirmação de que seu governo constituía a única e inatacável fonte da autoridade moral do planeta. Não mais.

A sociedade, os governos e a imprensa serão melhores com Julian Assange?

Acredito que sim. E por várias razões, dentre as quais destaco que seu WikiLeaks entrega um espelho a cada diplomata para que possa aferir o grau de sinceridade e também de hipocrisia de suas ações. O WikiLeaks abre imensa clareira no cipoal de boas intenções que costumam vicejar nas relações entre governos e apenas camuflam os objetivos reais da diplomacia de uma nação sobre outra, e fica mais evidente quando joga pesados fachos de luz sobre a nação que se apresenta como a mais rica do planeta, a mais equipada militarmente, a mais influente politicamente. E a imprensa passa a ter a oportunidade raríssima de tirar a prova dos noves sobre seu alinhamento automático a qualquer governo, bem como sobre sua postura ácida e crítica às ações de qualquer governo.

Há quase um século, o juiz americano Louis Brandeis disse que "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes". Se vivo fosse, talvez dissesse o mesmo com outro enunciado: "O trabalho do WikiLeaks é o melhor dos desinfetantes."

domingo, 28 de novembro de 2010

Guerra do Rio, por Latuff


A charge do Latuff é de um simbolismo ímpar. Como será o lado do TRÁFICO que o Brasil não vê na TV? Será que o veremos um dia?

sábado, 27 de novembro de 2010

Luiz Eduardo Soares: A crise no Rio e o pastiche midiático

Em questões de Segurança Pública gosto muito de saber o que Luiz Eduardo Soars tem a dizer. Gostei do que foi dito por ele sobre o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Veja na fonte clicando no link abaixo.

Luiz Eduardo Soares: A crise no Rio e o pastiche midiático: "Sempre mantive com jornalistas uma relação de respeito e cooperação. Em alguns casos, o contato profissional evoluiu para amizade. Quando a..."

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

EUA preparam lei draconiana para censurar a internet no mundo inteiro

Lí a matéria abaixo no Blog Barão de Itararé. Veja na fonte.
A mídia gorda ocidental chama isso de censura, se for na China, Cuba e etc. O governo americano e a CIA podem?

EUA preparam lei draconiana para censurar a internet no mundo inteiro

Um projeto de lei em tramitação no Congresso americano pode pôr a internet sob total controle dos interesses dos Estados Unidos. Se aprovada, a lei — batizada como Combating Online Infringement and Counterfeits Act — daria poder à Casa Branca de mandar bloquear qualquer site ou domínio que hospede conteúdo violando direitos autorais.

As ameaças à privacidade na rede mundial não param por aí. Segundo o jornal The New York Times, diretores do FBI, a polícia federal americana, já se reuniram com executivos da Google e do Facebook, entre outras empresas, para discutir uma proposta que torne mais fácil grampear internautas.

Os agentes querem reforçar uma lei de 1994 chamada Communications Assistance for Law Enforcement Act, para enquadrar mais as empresas do mundo on-line. Segundo essa lei, as operadoras de telecomunicações e os provedores de internet e banda larga devem estar sempre dispostas a cumprir ordens judiciais que exijam escutas telefônicas, e o FBI quer estendê-las também a gigantes como Google e Facebook, já que as pessoas cada vez mais usam suas ferramentas para se comunicar on-line.

Para o advogado especializado em direitos autorais na era digital Renato Opice Blum, essa movimentação ilustra muito bem a difícil tarefa dos governos de legislar em cima da rapidez da tecnologia. “O legislador precisa buscar o equilíbrio. Há sites que contêm coisas ilegais, mas também apresentam conteúdo legal”, diz Blum. “O YouTube, por exemplo. Pode apresentar conteúdo que viole copyright, mas também tem muitos vídeos legítimos. Por isso, é preciso que a lei dose seu veneno, ou sua vacina.”

De acordo com o advogado brasileiro, a lei brasileira prevê o fechamento e responsabilização civil e criminal de sites pela chamada "infração por contribuição". Mas, explica Blum, “é preciso separar o que é legal e ideal na mesma plataforma. É preciso ter um meio-termo, que no Brasil é a ação inibitória, a qual permite retirar de um site o conteúdo que viole direitos, mas não fechar o site em si.”

Nos Estados Unidos, entidades defensoras da liberdade de expressão já iniciaram os protestos contra o projeto de lei, apresentado pelo senador democrata Patrick Leahy, do estado de Vermont. A Electronic Frontier Foundation (EFF), por exemplo, chegou a compilar uma lista de sites que terão de sair da rede se o projeto for aprovado. É o caso de páginas como o Rapidshare ou o Mediafire, que permitem uploads dos próprios usuários, ou blogs de MP3 e sites de remixes musicais.

Para a EFF, hoje, apesar da repressão, ainda há um equilíbrio entre "as punições devido ao copyright violado e à liberdade dos sites de inovar". Com a nova lei (sem falar na iniciativa do FBI), os grupos de defesa das liberdades civis on-line acreditam que será instaurada de vez uma censura prévia na rede.

Na opinião de Brian Contos, diretor de Estratégia de Segurança Global e Gestão de Risco da McAfee, o projeto americano de fato gera preocupações em relação à censura. “-Há sempre uma preocupação com o que é censurado agora e o que será censurado depois. Pense nos filmes. Censura-se uma cópia pirata hoje, daqui a pouco um blog com posts negativos sobre filmes amanhã e no dia depois de amanhã pode ser um site de um estúdio concorrente produzindo um filme parecido”, diz Brian.

Ele acredita que qualquer lei sobre esse assunto só dará certo se houver discussões bem mais detalhadas envolvendo todos os setores. “Me parece que há algo podre aí, e é preciso debater se realmente isso deveria ser feito e, em caso positivo, como deveria ser feito.”

O professor de Direito David Post, da Universidade de Temple, também atacou duramente a medida. "Se virar lei, o projeto alterará fundamentalmente a política americana sobre a expressão na internet e criará um perigoso precedente com sérias consequências em potencial para a liberdade de expressão e a liberdade da internet global”, diz. Segundo ele, o projeto de Leahy prevê a ação do governo contra os domínios — "mesmo que tal nome de domínio não esteja localizado nos Estados Unidos".

(Com agências)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Niedja Amorim, mãe social

Niedja é minha irmã. Já tive algumas oportunidades de conviver alguns dias com ela e seus "filhos". Impressiona a harmonia do grupo e a forma como ela consegue trabalhar os conflitos próprios da idade desses jovens com quem ela convive desde a infância. A música e o Bolshoi é o habitat natural onde desabrocham esses talentos ressgatados da base da pirâmide social. Parabéns, mana, você já entrou para a história.

Transcrevo o texto publicado na FOLHA.com.

Dez adolescentes moram com mãe social para estudar balé

IURI DE CASTRO TÔRRES

DO ENVIADO A JOINVILLE (SC)

Niedja Amorim de Andrade tem três filhos biológicos e dez "adotados".
Ela é a mãe social de uma dezena de adolescentes de João Pessoa que
estudam no Bolshoi.

A jornada maternal da advogada e assistente social começou em 2003,
quando a ela foi incumbida a tarefa de cuidar das dez crianças que foram
aprovadas no balé, que são patrocinadas pela prefeitura de João Pessoa.

Desde o começo, ela é responsável por zelar por eles. "Desempenho o papel de mãe nos aspectos físicos e emocionais", diz.

E como é morar numa casa com dez adolescentes? "É uma confusão", admite.

"Mas também é muita alegria poder compartilhar com eles momentos
importantes, como os meninos fazendo a barba pela primeira vez."


Os jovens de João Pessoa com sua mãe social, Niedja


Os jovens, no entanto, parecem gostar. Anielle Rolim, 17, diz que ganhou
nove irmãos. Para Iure Dias, 17, a intimidade é tão grande que nem rola
paquera. "Você vê as meninas acordando descabeladas", brinca.

"É uma oportunidade única para eles", avalia Niedja. "Muitos vieram de

famílias de risco social e o balé é uma porta para o futuro."

"Algumas coisas só conto para minha mãe social", assume Anielle. "Vai

ser muito difícil dar tchau para eles quando isso terminar", diz,
emocionada, Niedja.


domingo, 17 de outubro de 2010

Após fala de frade em missa, visita de tucano acaba em tumulto no Ceará

Terminou em tumulto a visita do candidato do PSDB, José Serra, a uma missa ontem na festa de São Francisco, o maior evento religioso de Canindé.

A notícia é de Fábio Guibu e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 17-10-2010.

No final da missa, houve corre-corre envolvendo militantes com bandeiras do PT e de Serra, que chegou a ser empurrado, mas não se feriu.

O frade que celebrou missa - o nome dele não foi informado - reclamou da chegada de Serra quando a cerimônia já estava em andamento e declarou que a igreja não autoriza a divulgação de panfletos associando a petista Dilma Rousseff à defesa do aborto.

"Se vieram com outra intenção [que não assistir à missa], peço que saiam assim como entraram", disse. No final, exibiu um panfleto que, segundo ele, atacava Dilma. "Acusam a candidata do PT em nome da igreja. Não é verdade", disse.

Serra não quis comentar as declarações.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Arnaldo Jabor - Truão imperfeito

Nas poucas vezes em que escutei comentários de Arnaldo Jabor na CBN não pude evitar a impressão de estar diante de um pitbull raivoso. Não é à toa que a própria emissora, ao apresentar o comentarista, se exime de qualquer responsabilidade com o conteúdo que será vomitado. Sim, é a sensação de vômito que desperta. Tanto que nem me disponho mais a escutá-lo. Faz mal.
A leitura do texto a seguir colocou as coisas no devido lugar. TRUÃO é a definição exata do Arnaldo Jabor.
Se quizer beber na fonte clique em
Carta Aberta a Arnando Jabor

CARTA ABERTA A ARNALDO JABOR - de Mauro Carrara

Quase perfeitíssimo truão,

Primeiramente, atente ao substantivo,
e não desconfie de insulto. Os bobos da corte são, historicamente, mais
que promotores de fuzarca ou desvalidos a serviço do entretenimento. Os
realmente talentosos urdiam na teia das anedotas a crítica a seus
senhores monarcas, traduzindo pela ironia a bronca popular.

Era o caso do ácido e desengonçado Triboulet, vosso patrono, uma espécie de grilo falante capaz de estimular as consciências de Luís XII e Francisco I. Tantos outros venceram no ofício, como o impagável Cristobal de Pernia, uma espécie de conselheiro extra-oficial de Felipe IV.

Neste Brasil da pós-modernidade globalizante, el rei Dom Fernando Henrique
Cardoso reviveu a bufonaria. No entanto, empregou-a de modo diverso,
quase sempre como dissimulação hilariante para desviar atenções de sua
ética de conveniência mercantil, tão bem definida por Dom José A. Gianotti, seu filósofo e encanador.

O ex-monarca utilizou ainda sua trupe de falastrões para promover a alienante festa pública sugerida por Maquiavel. Portanto, nunca é exagero te parabenizar pelo empenho
profissional. Há anos, na ribalta televisiva, te devotas a divertir e iludir os "psites do sofá", mesmo depois que o tiranete a quem servias foi apeado do trono. Sempre diligente, conclamas e incitas, rebolando patranhas tal qual histriônico cabo de esquadra do restauracionismo.

Recentemente, contudo, causou-me espanto tua fúria salivante para edulcorar a
participação do embusteiro Geraldo Alckmin no embate contra o grisalho herói de todos os sertões.

Como é próprio de teu ofício, fizeste rir ao embaralhar significados, ao abusar das hipérboles, ao exceder-se nos adjetivos impróprios, ao viajar na maionese das idéias desconexas.

No entanto, truão Jabor, prosperou aqui a dúvida. Que quiseste dizer com o clichê "choque de capitalismo"? Seria referência ao rombo de R$ 1,2 bilhão legado pelo embusteiro alquimista ao ressabiado governador Lembo? Ou seria apenas ironia herdada de teus predecessores, na profecia zombeteira de um novo "que comam brioches"?

Destacam-se também, como enigmas, tuas dupletas acres de escassa teoria. São os casos de
"socialismo degradado", "populismo estatista" e "getulismo tardio".
Eita, nóis! Que essas vigarices binárias nos viessem, ao menos, com sal de fruta. Né? Ora, de qual "socialismo" tratas? Será que resolveste, no supletivo dos sexagenários, estudar a industria cultural e as idéias de Adorno? Hum... Pouco provável.

No que tange ao termo "populismo", arrisco uma resposta. Tu o compraste na escribaria de
ordenança dos novos donatários. É coisa do bazar de tolices de Civita e Frias Filho. Acertei? Diga aí...

Mas o que queres dizer com "getulismo"? Pelo que percebi, escapa-te o fenômeno à compreensão
histórica. Tratas daquele do Departamento de Imprensa e Propaganda? Ou te referes àquele das necessárias justiças trabalhistas?

Outros exageros me encafifaram em tua anedota de encomenda. Tratas lisergicamente de um São Paulo "rico", como se construído dos empenhos da malta quatrocentona. Em teus seminários de apedeuta, desapareceu o povo. Evaporaram-se João Ramalho, Bartira, Tibiriçá, Anchieta, tantos mamelucos arabizados, tantos avós europeus aqui remixados, tantos irmãos
nordestinos que ergueram nossos arranha-céus. Teu São Paulo mítico, tristemente, não admite a antropofagia.

E tem mais... Em tua pregação, o embusteiro Alckmin surge como legítimo herdeiro da alva
elite construtora do progresso. Nesse delírio pós-positivista e lombrosiano, não há rastro da gestão criminosa dos privateiros tucanos, dos sonegadores dasluzeiros, dos pedageiros corruptos e dos sócios do marcolismo. Não te rendeste ao excesso? Ai, ai, ai...

Agitando guizos, executas tua prestidigitação. Empregas, em simultâneo, o sapato pontudo para alojar sob o tapete o sacrifício juvenil na Febem, as nove centenas de contratos irregulares e o estupendo assalto ao tesouro da gente bandeirante. Não exageraste? És bufão ou advogado, truão Jabor?

Entre tuas deformações, tão valiosas ao ofício, suponho até mesmo a cegueira
de um olho. Ignoras o júbilo de milhões de vassalos não mais famintos,
agora metidos a escrever o próprio nome. Vê, quanto atrevimento!
Tampouco registras a voz de ameríndios e afro-descendentes, agora
perigosamente mais próximos de ti, a tomar lugar nos bancos da
universidades. Não enxergas a energia elétrica nos grotões nem o canto
de esperança dos humildes da terra, fortalecidos em cooperativas de
produção.

Depois, qual demiurgo de botequim, dizes que o
nasolongo Alckmin é "incisivo", enquanto o outro te parece "evasivo".
Ladino que és, julgas os combatentes pelo aspecto cênico e não pela
natureza das idéias. No caso do embusteiro alquimista, excedes ao
elogiar o espantalho bélico, aplicadíssimo ao método stanislavskiano.
Ora, magnífico truão, todos vimos que o herói de todos os sertões é
adepto de outra técnica. Pisa o palco de Brecht, revelando-se como
realmente é, antes que se mistifique no papel de fundeiro de microfone.

Cantaste,
portanto, a vitória do "limpinho", do "sem barba", do malcriado que
imita Tyson. Como líder de torcida, vibraste na platéia, tuas pernas
flácidas saltitando de contentamento, as mãos agitando invisíveis fitas
coloridas. Ah, mas perdeste a razão...

Depois, destilaste teu
parvo sarcasmo sobre o "povo", sobre a "mãe analfabeta" do operário e
sobre os "pobres", em suma, sobre esses todos do "lado de cá". Na piada
rancorosa, revelaste um desprezo moldado para a auto-proteção.

Sabes o quanto é doloroso viver deste lado da linha, no território dos anônimos, dos que sofrem e trabalham de verdade.

Se
há dialética nesta missiva, agrego teus motivos. Sabes o valor de uma
adoção real, ainda que precises caminhar de quatro, atado à coleirinha
de el rei. Sabes o quanto é estratégica essa assepsia, esse descontato
com o ímpio das ruas, dos campos e das construções.

Assim, me
permito uma visita a teu passado. Tua obra "séria" resultou, caro truão,
em enorme fracasso. E, disso, bem sabes. Por um tempo, tuas ventosas de
sanguessuga agarraram algumas tetas públicas. Desse modo, pudeste
alimentar teus espetáculos de terceira categoria, ainda que fizessem rir
quando a intenção era pretensiosamente induzir à reflexão.

Incerto
dia, pobre de ti, todo o oportunismo de parasita foi castigado, de modo
que te encontraste novamente vadio, mergulhado na mais profunda
frustração. Naquele momento, julgo, buscaste inspiração em Triboulet...

Na
Vênus Platinada do decrépito Marinho, iniciaste tua pândega
panfletária, calcada na manipulação marota de cacos de idéias. Nada por
inteiro. Coerente para quem, por natureza, carece de integridade.

Esse
flashback permite, portanto, compreender melhor o roteiro cínico. Tanto
faz se teu senhor largou o reino às escuras, se destacou piratas para
pilhar o patrimônio público, se foi incompetente até mesmo para
empreender no capitalismo que tanto celebras. Às tuas costas, no tempo,
estende-se a terra arrasada pela peste do egoísmo, habitada de fariseus
neoliberais e de peruas ridículas e mesquinhas. Por meio da ruidosa
retórica de falso indignado, desvias o olhar público dessa paisagem da
tragédia.

Para seguir o ato farsesco, fazes descer o pano da
falácia sinistra do golpismo lacerdista, da distorção, da maledicência e
da espetacularização do rito inquisitório. Simulas ver aqui, em alto
grau, o que ignoras ali. Na telinha da "Grobo", distribui sofismas,
injetas no sangue de Otello a desconfiança, patrocinas a intriga
nacional.

Poder-se-ia encontrar em ti o personagem Sacripante.
Uma observação acurada, entretanto, revela mais um Silvério dos Reis das
artes cênicas. Certa vez, me disse Henfil: "o pior humorista é o que
vende sua comédia aos canalhas que fazem o povo chorar". Simples,
didático, serve à elaboração de um código de ética de tua categoria.

Pois,
tua notícia deturpada do embate, devotado truão, mostrou-se cômico
engodo. Foi lá, teu embusteiro "truco-lento" dar com as fuças na parede.
Saiu do campo laureado e enganado, pior que Pirro. Este, menos imbecil,
admitiu que a vitória contra os romanos fora uma tragédia, o prólogo de
sua ruína.

Portanto, o exemplo da derrota também te serve.
Decisivamente, ainda que te gabes, jamais superaste Paulo Francis, o
bobo da corte mais destro nessas artes de sabujo-rabujo. E se cultivas
alguma pretensão de hegemonia, te sugiro mover o pescocinho atrofiado.
Pilantrinhas peraltas, como Mainardi e Azevedo, emparelham já contigo,
disputam hidrofobicamente a suprema magistratura da bufonaria.

E,
percebe truão, que a dupla tonto-fascista não te fica a dever: são
também inescrupulosos, traiçoeiros e carregam a poderosa energia do
ressentimento, sem contar que igualmente migraram do fracasso
profissional para a aventura mercenária midiática.

Por fim,
adorável truão, ajusta o relógio da tua soberba. Não é hora de celebrar a
ignomínia convertida em comédia. Nem é momento de levantar a horda de
rufiões da "ética" para cantar a vitória restauracionista. Para além dos
simulacros do teu moralismo cínico, lambuzado de paroxismos impróprios,
exercita-se o sabre do julgamento público, implacável, aquele cuja
lâmina é afiada pelo tempo. Subiram os letreiros... Perdeste o charme.
Perdeste a graça.

Nota de Boca de Mídia sobre o autor:

Mauro Carrara é jornalista, nascido em 1939, no Brás, em São Paulo. É o
segundo filho de Giuseppe Carrara, professor de Filosofia em Bologna, e
de Grazia Benedetti, uma operária e militante comunista de Nápoli. O
casal chegou ao Brasil em 1934, fugindo da perseguição fascista. Mauro
foi para a Itália em 1959, por sugestão do amigo dramaturgo G.
Guarnieri. Em Firenze, estudou arte, ciências sociais e comunicação. De
volta ao Brasil, passou dois anos na Amazônia. Ao atuar na defesa dos
povos indígenas, foi preso pelo regime militar. Libertado, voltou à
Itália. Como free-lancer, produziu reportagens para jornais como L’Unita
e Il Manifesto. Com o primo Antonino, esteve no Vietnã, no início da
década de 70. Em 1973, no Chile, juntou-se à resistência ao golpe contra
Allende. No Brasil, como clandestino, aproximou-se do cartunista
Henfil, cujos trabalhos traduziu para uma revista alternativa italiana.
Na década de 80, prestou serviços para a ONU em países como China,
Iraque e Marrocos. Nos anos 90, assessorou ONGs brasileiras,
especialmente na área de Direitos Humanos. Ainda atua na área de
comunicação e relações internacionais.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O desastre no Golfo do México: uma chaga no mundo

Está rolando a copa do mundo de futebol. Ao mesmo tempo a catásrofe impensável promovida pela empresa inglesa British Petroleum no Golfo do México segue seu curso. Não se lê muita coisa sobre o assunto em nossa mídia gorda.
A matéria de
Naomi Klein publicada no The Nation impressiona profundamente.
Transcrevo abaixo do sítio Carta Maior.


Todos os que se reuniram no salão do colégio foram várias vezes instruídos para comportar-se com civilidade ao falar com o pessoal da British Petroleum (BP) e do governo federal. Bons rapazes, que encontraram uma folga em suas agendas carregadas para vir a um colégio, numa 4ª-feira à noite, em Plaquemines Parish, Louisiana, uma das inúmeras comunidades pesqueiras nas quais o veneno marrom infiltra-se pelo mangue, parte do que já pode ser descrito como o maior desastre ambiental de todos os tempos, na história dos EUA.
“Falem com eles, como querem que eles falem com vocês”, repetiu mais uma vez o organizador da reunião, antes de abrir a sessão de consultas do auditório.

E de fato, no começo, a multidão, a maioria pescadores e famílias de pescadores, comportaram-se exemplarmente. Ouviram pacientemente a fala de Larry Thomas, relações públicas da BP, cheio de trejeitos, dizer-lhes que estava empenhado em fazer “nosso melhor” para dar andamento aos pedidos de reembolso por lucros cessantes – e imediatamente passou a palavra a um terceirizado, com cara de bem menos amigos. Todos ouviram o representante da Agência de Proteção ao Meio Ambiente, que informou que, diferente do que todos ouviram, sobre o produto ter sido proibido na Grã-Bretanha, o dispersante químico que está sendo lançado sobre o petróleo é perfeitamente seguro. (…)

Mas a paciência começou a acabar quando, pela terceira vez, Ed Stanton, capitão da Guarda Costeira, subiu até o microfone para repetir que “a Guarda Costeira obrigará a BP a limpar tudo.”

“Escreva e assine!”, alguém gritou. Mas o ar condicionado parou de funcionar e o estoque de Budweiser estava acabando. Um pescador de camarões, Matt O’Brien, andou até o microfone. “Não precisamos continuar a ouvir isso”, disse ele, mãos na cintura. Explicou aos convidados que de nada adiantavam as garantias que tivessem a oferecer, “porque ninguém aqui confia em vocês.” A frase provocou ovação tão repentina e decidida, que foi como se os “Petroleiros” (infeliz nome do time de futebol do colégio) tivessem marcado um touchdown.

Mas foi manifestação só catártica, mais nada. Há semanas aquelas pessoas estão sob ataque de uma onda de diz-que-diz e de promessas as mais alucinadas, vindas de Washington, Houston e Londres. Cada vez que ligam os aparelhos de TV, lá está o presidente da BP, Tony Hayward, prometendo, sob palavra de honra, que “fará a coisa certa”. Ou então é o presidente Obama, manifestando absoluta certeza de que seu governo “deixará a Costa do Golfo em melhor forma do que antes”, e repetindo que “as coisas ficarão mais fortes do que antes dessa crise.”

Tudo muito bonito. Mas para pessoas que vivem em íntimo contato com a delicada química do delta, tudo soa completamente absurdo. Quando o petróleo cobre a base da vegetação do delta, como já cobriu a poucos quilômetros dali, não há máquina ou mistura química milagrosa que o arranque, sem arrancar toda a vegetação. Pode-se recolher o petróleo com peneira da superfície da água e pode-se varrê-lo com a areia da superfície das praias, mas o delta coberto de petróleo não tem salvação: lá fica, morrendo morte lenta. Tudo morre. As larvas e ovas de incontáveis espécies para as quais o delta é local de desova e incubadora – camarões, caranguejos, ostras e peixes – todas estão sendo envenenadas.

Já está acontecendo. Naquele dia, pela manhã, viajei pelas áreas próximas do delta, num bote raso. Os peixes estão saltando à tona d’água, em anéis de espuma escura, entre as tiras de algodão grosso e papel que a BP está usando para retirar o petróleo da superfície. Era como se o material absorvente se enrolasse em torno dos peixes, como uma corda de forca. A morte sobe pelos veios do junco: é como se os pássaros pousassem sobre um bastão de dinamite cujo pavio está aceso, queimando rápido.

E há também o capim, “Roseau cane”, como se chama aquele capim de lâmina alta, afiada. Se o óleo entrar muito profundamente no delta, não apenas mata o capim da superfície, mas também as raízes. São aquelas raízes que mantém costurada a vegetação do delta, impedindo que a terra verde despenque no rio Mississipi e no Golfo do México. Por isso, não são só os pesqueiros de vilas como Plaquemines Parish que estão ameaçados, mas quase toda a barreira física, que perde resistência no caso de tempestades ferozes, como o furacão Katrina. Tudo, ali, estará perdido.

Quanto tempo demorará para que o ecossistema devastado a tal ponto seja “restaurado e reconstituído”, como o secretário do Interior de Obama prometeu? Não se sabe sequer se será algum dia restaurado, não em tempo previsível, uma, duas, várias gerações. Os pesqueiros do Alasca ainda não se recuperaram completamente do vazamento, em 1989, do petroleiro Exxon Valdez; algumas espécies ainda não reapareceram.

Cientistas do governo estimam que quantidade equivalente a um petroleiro Valdez de petróleo vaza, a cada quatro dias, nas águas do Golfo do México. O prognóstico é ainda pior, se se considera o vazamento de 1991, na Guerra do Golfo, quando se estima que 11 milhões de barris de petróleo foram lançados no Golfo Persa – até agora, o maior vazamento jamais ocorrido. A comparação não é perfeita, porque se limpou área tão pequena, mas estudo feito 12 anos depois do desastre do Golfo Persa mostrou que cerca de 90% da vegetação litorânea e de mangue ainda exibia sinais de envenenamento.

O que se sabe é que, longe de algum dia poder ser reconstituída, a costa do Golfo, isso sim, será reduzida. Suas ricas águas e céus carregados de aves serão, no futuro, menos vivas do que foram e ainda são. O espaço físico que muitas comunidades ocupam no mapa também encolherá, por causa da erosão. E a legendária cultura daquele litoral encolherá com o território. As famílias de pescadores que vivem ali, não vivem só de pescar. São elos de uma intrincada rede que inclui tradições familiares, cozinha, música, arte, idiomas minoritários ameaçados – e tudo isso, como as raízes do capim do delta, mantém coesa a terra naquela área. Sem a pesca, aquelas culturas perdem contato com o sistema radicular, que desce até o fundo do chão sobre o qual construíram a vida. (A BP, aliás, sabe bem dos limites da recuperação. O “ Plano Regional de Reação ao Vazamento de Petróleo no Golfo do México” que a empresa elaborou inclui instruções claras para que os funcionários não prometam “plena recuperação e volta à normalidade em itens que tenham a ver com questões de propriedade, ecologia etc.” Motivo pelo qual, é claro, os funcionários usam termos vagos como “fazer a coisa certa”.)

Se o Katrina arrancou a cortina que escondia o racismo, o desastre da BP está expondo algo muito mais ocultado: o quanto temos, mesmo as grandes empresas e os mais destacados especialistas, pouco controle sobre as muito intrincadamente conectadas forças naturais ante as quais nos comportamos tão levianamente. A BP não sabe o suficiente, para cavar uma chaga na Terra, como cavou. Obama não tem poder para ordenar que os pelicanos não se extingam (por mais traseiros que se ponha a chutar).

Não importa quanto dinheiro se gaste – nem os $20 bilhões que a BP oferece, nem se fossem $100 bilhões. Não há dinheiro suficiente para reconstituir uma cultura que tenha perdido as raízes. E enquanto os políticos e representantes de corporações insistem em não ver essa verdade mais evidente, as pessoas, cujos ar, água e vida foram contaminados perdem rapidamente as últimas ilusões.

“Tudo está morrendo”, diz uma mulher, quando a reunião na escola aproximava-se do final. “E vocês vêm dizer aqui, agora, que nosso golfo é resistente e se recuperará? É porque vocês não têm nem ideia do que acontecerá ao nosso golfo. Sentam-se aí, com ar sério e falam como se soubessem. Mas vocês não sabem.”

A crise do litoral do Golfo é crise de várias coisas – da corrupção, da desregulação, da privatização, da dependência doentia de combustíveis fósseis. Mas, por trás de tudo isso, é crise clara da arrogância de nossa cultura, que supõe ter perfeita compreensão e comando sobre a natureza de modo a poder tudo manipular radicalmente e re-manipular e fazer re-engenharias sem risco, dos sistemas naturais que nos mantêm vivos.

Como o desastre da BP mostrou, a natureza jamais é tão previsível quanto supõem e fazem crer os mais sofisticados modelos matemáticos e geológicos. Em recente depoimento ao Congresso, Hayward disse que “Os melhores cérebros e a mais avançada expertise estão sendo convocados” para enfrentar a crise, e que “com exceção talvez do programa espacial dos anos 1960s, difícil imaginar equipe maior e mas tecnicamente qualificada, reunida num local só, em tempo de paz.” Mesmo assim, ante o que o geólogo Jill Schneiderman descreveu como “um poço de Pandora”, estão todos como aquele especialista, ante aquela multidão de cidadãos: sentados, sérios e falando como se soubessem; mas não sabem.

A missão declarada da British Petroleum
No arco da história humana, a noção de que a natureza é máquina que aí está para ser objeto de reengenharia ao bel prazer do engenheiro é conceito relativamente recente. Em livro seminal de 1980, The Death of Nature, Carolyn Merchant, historiadora das ciências do meio ambiente, lembra os leitores de que, até os anos 1600s, a terra era viva, quase sempre sob a forma de uma mãe. Os europeus – como todos os povos nativos em todo o planeta – acreditavam que o planeta fosse ser vivo, cheio de potências de vida e de terríveis tempestades. Por isso havia tabus que impediam ações que deformassem e violassem “a mãe”, entre os quais a mineração.

A metáfora mudou, quando se desvelaram alguns (mas nem de longe todos) dos mistérios da natureza durante a Revolução Científica dos anos 1600s. Com a natureza passando a ser descrita como máquina, sem mistérios ou divindades, suas partes constituintes passaram a poder ser partidas, extraídas e remontadas em plena impunidade. A natureza às vezes ainda é pintada como mulher, mas mulher facilmente dominável e subordinável. Em 1623, Sir Francis Bacon deu forma final ao novo ethos, ao escrever, em De Dignitate et Augmentis Scientiarum, que a natureza existe para ser “contida, modelada e renovada pela mão e pela arte do homem.”

São palavras que bem poderiam aparecer na declaração da missão corporativa da British Petroleum. Plenamente instalada no que a empresa chamou de “fronteira da energia”, dedicou-se a produzir micróbios sintéticos que produzem metano e anunciou “uma nova era de investigações”: a geo-engenharia. Anunciou também, no relatório de prospecção do Golfo do México, que cavaria “o mais profundo poço jamais perfurado pela indústria de gás e petróleo” – tão profundo, no fundo do oceano quanto, no céu, voam os grandes jatos.

A prontidão para o caso de que algo não desse certo nesses planos ocupou espaço mínimo da imaginação corporativa. Como logo se descobriu, depois da explosão na plataforma Horizonte de Águas Profundas, a empresa não tinha qualquer plano para enfrentar aquele tipo de emergência. Ao explicar por que não tinham nenhuma cúpula de contenção em área próxima, de reserva, o porta-voz da BP, Steve Rinehart, disse que “acho que ninguém jamais previu o caso que enfrentamos aqui.”

Aparentemente, todos ‘sabiam’ que a válvula de contenção de emergência jamais falharia. Assim sendo, por que se preparar?

Esse recusar-se a prever o fracasso vem, muito evidentemente, de cima para baixo. Há um ano, Hayward disse a um grupo de alunos da Stanford University que tem sobre a mesa uma placa em que se lê: “Se você soubesse que não falharia, o que tentaria?” Esse não é slogan inspiracional benigno. De fato, é perfeita tradução de como a BP e empresas concorrentes agem no mundo real. Em recente audiência no Capitólio o congressista Ed Markey de Massachusetts interrogou representantes das principais corporações de gás e petróleo sobre como alocam seus recursos. Ao longo de três anos, gastaram “$39 bilhões para explorar novas fontes de gás e petróleo. No mesmo período, o investimento médio em pesquisa e desenvolvimento de prevenção de acidentes, melhoria da segurança e ações de resposta emergencial em vazamentos mal chegou a míseros $20 milhões anuais.”

Essas prioridades explicam muito de por que o “Plano de Exploração Inicial” que a BP apresentou ao governo para o mal fadado poço Horizonte de Águas Profundas é peça que mais parece tragédia grega sobre a hubris. A expressão “baixo risco” aparece cinco vezes. Ainda que haja vazamento, a BP prevê (sob condições de confidencialidade) que, graças a “equipamento e tecnologia já testados” só haverá efeitos adversos mínimos. Pintando a natureza como parceiro júnior, previsível e manso (ou, talvez, como empresa terceirizada), o plano levianamente explica que, em caso de vazamento, “as correntes e a degradação micronial removerão o petróleo da coluna de água ou diluirão os constituintes até os níveis anteriores.” Efeitos sobre a vida marinha, por sua vez, “serão sub letais”, graças “à capacidade de peixes adultos e crustáceos para evitar áreas de vazamentos e para metabolizar hidrocarbonetos.” (Na narrativa da BP, em vez de ser ameaça mortal, um vazamento é como um banquete de coisas-que-você-pode-comer para a vida marinha.)

O melhor de tudo é que, caso ocorra vazamento de grandes proporções, há “pequeno risco de contato ou impacto sobre a linha costeira” porque a empresa tem projeto para resposta rápida (!), e considerada “a [grande] distância [do poço] à costa” – cerca de cem quilômetros. Essa é a parte mais espantosa. Num golfo em que são freqüentes as tempestades violentas, ventos muito fortes, para nem falar dos furacões, a BP respeita tão pouco a capacidade de condução das marés, que não previu a hipótese de o petróleo vazado viajar menos cem quilômetros. (Em meados de junho, um caco da válvula que explodiu no poço Horizonte de Águas Profundas apareceu numa praia da Florida, a quase 300 quilômetros do local da explosão.)

Nada disso teria passado sem críticas, se a BP não apresentasse suas previsões a uma classe política que deseja crer que a natureza já está dominada. Alguns, como a Republicana Lisa Murkowski, deseja ainda mais que os outros. Senadora pelo Alaska, falava como se a perfuração de poços em mar profundo já atingisse os píncaros da artificialidade controlada. “É melhor que a Disneyland, em matéria de pegar as tecnologias e ir em busca de um recurso que está aí há milhares de anos e fazê-lo de modo ambientalmente confiável” – disse ela, há sete meses, à Comissão de Energia do Senado.

Perfurar sem pensar é, é claro, política do Partido Republicano desde maio de 2008. Com os preços do gás disparando a alturas jamais vistas, o líder conservador Newt Gingrich criou o slogan “Drill Here, Drill Now, Pay Less” [Perfure aqui, perfure já e pague menos], com ênfase no “já”. A campanha caríssima, furiosamente difundida, foi clamor contra qualquer cautela, qualquer pesquisa, qualquer ação ponderada. Na narrativa de Gingrich, perfurar em casa, onde o petróleo e o gás ‘tem de estar’ – escondido nas Montanhas Rochosas, no Parque Nacional de Vida Selvagem no Ártico ou em águas oceânicas profundas – seria meio garantido para fazer cair os preços nas bombas, criar empregos e chutar traseiros árabes de uma vez por todas. Ante esse triplo sucesso, a atenção ao meio ambiente seria coisa para maricones. Como disse o senador Mitch McConnell: “No Alabama e no Mississippi e na Louisiana e no Texas, todos acham lindas as torres de perfuração.” Quando surgiu o infame slogan “Drill, Baby, Drill” [Perfure, baby, perfure] na Convenção Nacional do Partido Republicano, a base do Partido vivia em tal estado de frenesi por combustíveis fósseis ‘made in USA’, que todos aceitariam enterrar-se no subsolo da convenção, se alguém aparecesse com perfuradora suficientemente grande.

Obama cedeu, como faz invariavelmente. Com azar cósmico, apenas três semanas antes de o poço Horizonte explodir o presidente anunciou que liberaria para pesquisa e exploração de petróleo no mar áreas do país até então protegidas. Não havia perigo, explicou, como pensava antes. “Atualmente praticamente já não há vazamentos. As tecnologias avançaram muito.” Nem isso bastou para Sarah Palin, que vasculhou os planos do governo Obama, para exigir mais estudos, antes de perfurar algumas áreas. “Santo deus, pessoal, essas áreas já estão secas de tanto serem estudadas!” – disse ela na Conferência das Lideranças Sulistas do Partido Republicano em New Orleans, apenas onze dias antes da explosão. “Perfurem, baby, perfurem! Chega de estude, baby, estude!” Foi tonitroantemente aplaudida.

Em seu depoimento ao Congresso, Hayward disse que “Nós e toda a indústria aprenderemos desse terrível evento.” E bem se deveria imaginar que uma catástrofe dessa magnitude instilasse alguma humildade nos executivos da BP e no pessoal do “Perfure já”. Mas ainda não se veem nem sinais disso. A resposta ao desastre – das corporações e do governo – veio carregada do mesmo tipo de arrogância e risonhas ‘previsões’ que, em primeiro lugar, geraram a tragédia.

O oceano é grande; ele agüenta, foi o que se ouviu de Hayward nos primeiros dias, enquanto o porta-voz insistia em que micróbios insaciáveis devorariam todo o petróleo que aparecesse na água, porque “a natureza tem seus meios para contribuir”. Mas a natureza não estava para piadas. A explosão fez voar cabeças e chapéus de altos executivos, além de cúpulas de contenção e frases-lixo. Os ventos e correntes oceânicos reduziram a farrapos as soluções peso-leve que a BP encontrou para absorver o petróleo. “Nós dissemos a eles”, conta Byron Encalade, presidente da Associação Louisiana de Pescadores de Ostras. “O petróleo vai passar, ou por cima ou por baixo dessas barreiras”. Foi o que aconteceu. O biólogo marinho Rick Steiner, que acompanha de perto a limpeza, estima que “70, 80% das barreiras servem para absolutamente nada.”

E há também a questão dos controvertidos dispersantes químicos: mais de 1,3 milhões de galões já desperdiçados, todos com a marca-atitude “O que poderá dar errado?” da BP. Como disseram furiosos moradores de Plaquemines Parish na reunião, houve poucos testes, e praticamente nenhuma pesquisa sobre os efeitos dessa quantidade sem precedentes de petróleo e dispersante, sobre a vida marinha. E não há como extrair a mistura tóxica de petróleo e dispersantes que se deposita no fundo do mar. Ah, sim, há os micróbios de reprodução rápida que, sim, devoram o petróleo submarino – mas o processo também consome oxigênio da água e é, portanto, nova ameaça à vida animal.

A BP atreveu-se, até, a supor que impediria que imagens ‘perigosas’ de praias cobertas de petróleo e de pássaros agonizantes escapassem da zona do desastre. Quando eu estava no mar com uma equipe de televisão, por exemplo, fomos abordados por outro barco, cujo capitão perguntou “Todos aí são empregados da BP?” Quando respondi que não, a resposta – em mar alto – foi “Então, não podem ficar aí.” Claro que essas táticas linha-dura, como as demais, falharam. Fato é que há petróleo demais, aparecendo em lugares demais. “Ninguém pode ensinar o vento a andar para um lado ou outro, nem se manda nas águas de Deus”, disse-me Debra Ramirez. É lição que aprendeu de viver em Mossville, Louisiana, cercada por 14 fábricas que expelem poluentes petroquímicos, vendo as doenças passarem de casa a casa, de vizinho a vizinho .

A limitação humana tem sido presença constante nessa catástrofe. Passados já dois meses, ninguém sabe quanto petróleo está vazando ou quando parará. A empresa diz que os poços de desvio estarão completados no final de agosto – frase que Obama repetiu em fala de 15/6, do Salão Oval. Para muitos cientistas, é blefe. É procedimento arriscado e pode falhar. Há risco real de que o petróleo continue a vazar por muitos anos.

O fluxo de negadores da realidade, por sua vez, tampouco dá sinais de amainar. Políticos da Louisiana fazem furiosa oposição à suspensão temporária de perfurações em águas profundas, acusando Obama de estar matando a única grande indústria que restou, depois da crise da indústria da pesca e do turismo. Palin prega, pelo Facebook, que “nenhum trabalho humano jamais será sem riscos”. No Texas, o Republicano John Culberson descreveu o desastre como “uma anomalia estatística”. Mas a reação mais claramente sociopatológica veio do veterano jornalista-comentarista de Washington Llewellyn King: em vez de temer os riscos da grande engenharia, deveríamos festejar, por sermos capazes de construir máquinas tão fantásticas, que arrancaram a tampa do fundo do mundo.”

Deter a hemorragia

Felizmente, outros estão aprendendo outras lições do desastre. (…)

John Wathen, militante conservacionista da Aliança Guardiães da Água [ing. Waterkeeper Alliance], foi dos poucos observadores independentes que viajou para o local do vazamento nos primeiros dias.

Depois de filmar as imensas manchas vermelhas que a Guarda Costeira polidamente chama de “luzes do arco-íris”, disse o que muitos sentiam: “É como se o golfo estivesse sangrando.” A imagem vai e volta. Monique Harden, advogada que trabalha com Direito Ambiental em New Orleans, não fala em “vazamento”, mas em “hemorragia de petróleo”. Outros falam da necessidade de “deter a hemorragia”.

Pessoalmente, me impressionou, voando em avião da Guarda Costeira sobre a parte do oceano onde a plataforma afundou, que o petróleo na superfície faz as ondas parecerem pintadas, como se exibissem figuras desenhadas em cavernas; vi uma ave emplumada, lutando para respirar, olhos arregalados para o céu, uma ave pré-histórica. Mensagens das profundezas.

Vivemos a passagem mais espantosa da saga da Costa do Golfo: como se acontecesse para nos fazer lembrar que a Terra nunca foi máquina. 400 anos depois de declarada morta, e cercada de tanta morte, a Terra está voltando à vida.

Acompanhar o progresso do petróleo pelo ecossistema é uma espécie de aula-catástrofe de ecologia profunda. Todos os dias há novas lições de o que parece ser problema terrível numa parte do mundo revela-se, noutra parte, como surpresa e descoberta. Nem sempre. Um dia ouvimos que o petróleo pode chegar a Cuba – depois, à Europa. Dia seguinte, ouvimos que pescadores da Ilha Prince Edward, do outro lado do mundo, no Canadá, estão preocupados porque os peixes que pescam nascem a milhares de quilômetros de lá, exatamente naquelas águas hoje manchadas de petróleo. E descobre-se que, para muitas aves, os alagados da Costa do Golfo são como pista de pouso e decolagem de alto tráfego – há locais demarcados para todos: por ali passam 110 espécies de aves canoras migratórias e 75% de todas as aves migratórias de todos os EUA.

Uma coisa é algum impenetrável teórico da teoria do caos ensinar que uma ave bate asas no Brasil e provoca um tornado no Texas. Outra coisa é ver o próprio caos acontecendo ante seus olhos. Nas palavras de Carolyn Merchant, a lição é a seguinte: “O problema que a BP trágica e atrasadamente descobriu é que a natureza é foca ativa que não pode ser confinada.” São raros os acidentes previsíveis em sistemas ecológicos, mas “acidentes não previsíveis, caóticos, são freqüentes.” Caso alguém ainda não tenha entendido: um raio atingiu recentemente um dos barcos da BP, como um ponto de exclamação, obrigando a empresa a suspender temporariamente os trabalhos de contenção. E, isso, sem falar do que pode acontecer, se a sopa tóxica da BP for agitada por um furacão.

Há, é preciso não esquecer, algo de perverso nessa via especial de aprendizado. Há quem diga que os EUA descobrem onde há outros países no mundo, bombardeando o que não conhecem. Agora parece que todos estamos aprendendo onde estão as veias do sistema circulatório da natureza, envenenando-as.

No final dos anos 90s um grupo isolado de indígenas colombianos ganhou as manchetes do mundo, por causa de um conflito Avatariano. De seu lar remoto nas florestas de nuvens eternas no alto da cordilheira dos Andes, os U’wa comunicaram ao mundo que, caso a empresa Occidental Petroleum insistisse na tentativa de perfurar para extrair petróleo de suas terras, a tribo cometeria suicídio coletivo ritual, saltando de um penhasco. Os anciãos da tribo explicaram que o petróleo é ruiria, “o sangue da Mãe Terra”. Os U’wa crêem que toda a vida, inclusive a deles, flui dessa ruiria. Arrancar da terra o petróleo é destruir tudo. (A Occidental Petroleum acabou por abandonar a região. Disseram que não havia petróleo suficiente. Que a prospecção inicia l estava errada.)

Praticamente todas as culturas indígenas têm mitos em que narram a vida de deuses e espíritos do mundo natural – que vivem em rochas, montanhas, glaciares, florestas – exatamente como os europeus, antes da Revolução Científica. Katja Neves, antropóloga da Concordia University, entende que a prática serve a objetivos práticos. Declarar a Terra “sagrada” é um dos meios que há de expressar humildade ante forças que não se compreende completamente. Ante algo sagrado, recomenda-se proceder com cautela. Mesmo, com reverência e medo.

Se aprendermos essa lição, por tarde que seja, pode haver implicações profundas. O apoio governamental à perfuração oceânica diminuiu 22% em relação ao pico, na época do frenesi do “Perfure já!”. Mas a questão não está encerrada: é questão de tempo, e o governo Obama anunciará que, graças a fantásticas novas tecnologias, e sob regulação rígida, a perfuração oceânica é perfeitamente segura, mesmo no Ártico, onde qualquer procedimento de limpeza sob o gelo seria infinitamente mais complexa do que se está vendo no Golfo. Mas talvez, então, não nos deixaremos convencer tão facilmente, não seremos tão rápidos ao jogar com a vida de uns poucos últimos paraísos protegidos. (…)

Talvez, da próxima vez, escolhamos não admitir experimentos com a física e química da Terra, talvez escolhamos reduzir nosso consumo, escolhamos mudar para fontes renováveis de energia, as quais têm a virtude de, quando desabam, não causar catástrofes. Como ensina o comediante Bill Maher: “Sabem o que acontece quando um moinho de vento cai no mar? Uma marolinha.”

O resultado mais positivo que se pode esperar desse desastre será não só a aceleração das pesquisas de fontes de energia renovável, como a energia eólia, mas, sobretudo, que adotemos, plenamente, o princípio de precaução na ciência. Ao contrário do lema de Hayward, do credo de esperar nunca falhar, o princípio da precaução na ciência ensina que “quando, numa atividade, há risco de dano ao meio ambiente ou à saúde humana”, é preciso proceder com cuidado, como se o fracasso fosse sempre possível e altamente provável.

Talvez devamos comprar outra placa para a mesa de Hayward, no quartel general da British Petroleum, que ele lerá enquanto assina cheques de indenizações: “Você age como se soubesse, mas você não sabe.”

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Mentiras sobre o Irã lembram as mentiras sobre o Iraque

Teremos todos que ir ao Irã para perceber as mentiras que certa mídia ocidental procura incutir em nossos corações e mentes. É a impressão que nos passa a escritora Sonia Bonzi. Gostei do texto que lí em NovaEra

Por Sonia Bonzi

Depois de ter morado no Irã, minha maneira de ver o mundo mudou bastante. Não acredito em mais nada do que diz a grande mídia.

Quando soube que ia morar em Teerã senti um certo medo, mas aceitei o desafio. Comecei uma busca voraz por informações sobre o país, a cidade, a história, o povo. Depois de tudo que li, decidi que viveria em casa, reclusa, lendo, escrevendo, fazendo crochet, inventando moda...

Parti de Londres pronta para o sacrifício. Teria que conviver com os xiitas radicais, terroristas cruéis, apedrejadores de mulheres, exterminadores de homossexuais, homens-bomba, mulheres oprimidas, cobertas com véus...

Eu estava submetida às leis locais e me seria vedado mostrar cabelos, pernas e braços. Ficar em casa era o que mais me atraia. Vestir um chador para sair me parecia um pouco demais. A caminho de Teerã eu depositava o sucesso da minha estadia nos jardins da casa onde fui morar. Ter aquele espaço me bastaria.

Logo ao sair do aeroporto comecei a ter uma imagem diferente de tudo aquilo que eu tinha lido. Tudo tão bonito, belas estradas, muita luz, viadutos com mosaicos, jardins bem cuidados, gente vendendo flores nos sinais, um engarrafamento sem buzinas, pedestres poderosos cruzando entre os carros, rapaziada de cabelo espetado, mocinhos com camisetas apertadinhas, moças lindas, super produzidas e também muitas mulheres de chador. Parques cheios de gente. Muita criança. Muito pic nic.

Dizem que a primeira impressão é a que vale. Gostei da chegada. Não tive medo. Não vi tanques, cadafalsos, escoltas armadas... Gostei das caras, das montanhas, das casas, das árvores, dos muros, do alfabeto que me tornava analfabeta.
Logo no segundo dia eu já tinha entendido que minha leitura sobre o cotidiano não tinha nada de realidade. Eu não precisava usar chador. Podia sair vestida com uma calça comprida, um camisão de mangas compridas e um lenço na cabeça. Senti-me nos anos 70, quando eu não dispensava um lencinho.

Deixei o jardim de casa e fui conhecer Teerã.

A imprensa e os meios de comunicação do ocidente me deixavam confusa. O que eu lia e ouvia não correspondi ao que eu vivia e via.

Encontro um povo é acolhedor, educado, culto, simpático, que gosta de fazer amigos, que abre as portas de casa para os estrangeiros, gosta de música, de dança, de declamar poesia... Não encontrei os problemas de abastecimento que me informaram haveria. Comprava-se de tudo, inclusive uísque e vodka. Bastava um telefonema.

Os temíveis homens-bomba nunca passaram por lá. Ninguém se explodia. Foi horrível constatar que enforcamentos aconteciam de vez em quando. Apedrejamento de mulher adúltera já não acontecia há 14 anos.

Fiquei amiga de muitos gays, fiz e fui a festas espetaculares, tomei vinho feito em casa, viajei sem escoltas pelo país, visitei amigos em suas casas de campo, de praia, de montanha...

Apaixonei-me pela culinária refinadíssima, morro de saudades das nozes, pistaches, castanhas, avelãs, frutas secas. Não me esqueço dos pães, do iogurte, do suco de romã puro ou com vodka...

Conheci a Pérsia profunda: lagos salgados, desertos salgados, as antigas capitais, segui a "rota da seda", dormi em caravanserais... Sempre assessorada por amigos locais.

Não conheci um iraniano, de nenhuma classe social, que fosse favorável ao regime teocrático instalado no país. Só uma coisa aproxima o povo do governo: o direito à tecnologia nuclear.

A pressão do ocidente fortalece e radicaliza os aiatolás. O povo do Irã não aceita esta interferência mundial. Quem são os ocidentais para dizer a eles o que fazer? Eles não vem o ocidente como um modelo a ser seguido. Eles não acreditam nos governos que já apoiaram Sadam Hussein numa guerra contra eles. Eles não tem razão para acreditar nas grandes potências. Isto incomoda. Melhor demonizá-los. Eles são acusados de não cumprirem acordos. Quem os acusa também não cumpre.
O domínio da tecnologia nuclear é considerado pelo povo do Irã como um direito deles, que sempre tiveram grandes cientistas, que sempre valorizaram o conhecimento, a medicina de ponta, que querem vender energia nuclear..

O povo iraniano não começa uma guerra há mais de 200 anos. Eles não são belicosos. São diferentes de seus vizinhos. A instabilidade no Oriente Médio não é causada pelo Irã. Apesar da força que a imprensa, os governos, as corporações fazem para denegrir a imagem do Irã, eu confesso que o Irã que eu conheci não é o que é descrito pela mídia ocidental.

Não há favelas em Teerã, não há miseráveis pelas ruas. Minorias tem seus representantes no Congresso, judeus tem seus negócios, suas sinagogas, zoroastrianos tem acesa a chama em seus templos. A família é uma instituição valorizada. Refugiados palestinos e iraquianos são mantidos pelo governo e pelo povo iraniano, que lhes oferece abrigo, alimento e escolas...
Não acredito que ameaças e o uso da força possam melhorar a situação na região. Os iranianos não são os iraquianos. Ser mártir para defender a religião ou a pátria é motivo de júbilo até para as mães.

A negociação, o respeito, a falta de arrogância, as informações corretas são as armas para defender a estabilidade no mundo. Pena que muitos interesses financeiros estejam acima dos sonhos de bem-estar e paz.

A escritora Sonia Bonzi é uma das mais antigas colaboradoras da NovaE, escrevendo do Irã e de vários países do mundo.



sexta-feira, 7 de maio de 2010

Lula: líder global

Sabedores que somos de que certas notícias e certos assuntos são proibidos na mídia gorda nós, modestos blogueiros, mas antenados com o mundo, temos quase a obrigação de fazer o devido barulho em contraponto ao grande silêncio de certas elites.

Daí lí e estou transcrevendo o texto abaixo, que pode ser lido diretamente na fonte em Carta Maior

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Seguindo outros grandes meios de comunicação globais, a revista Time escolheu – na semana passada - o presidente Lula como o líder mais influente do mundo. A notícia repercutiu em todo o mundo, sendo matéria de primeira página, no jornalão El País.

Elite e preconceito
Na verdade a matéria o apontava como o homem mais influente do mundo, posto que nem só políticos fossem alinhados na larga lista composta pelo Time. Esta não é a primeira vez que Lula merece amplo destaque na imprensa mundial. Os jornais Le Monde, de Paris, e o El País, o mais importante meio de comunicação em língua espanhola (e muito atento aos temas latino-americanos) já haviam, na virada de 2009, destacado Lula como o “homem do ano”. O inédito desta feita, com a revista Time, foi fazer uma lista, incluindo aí homens de negócios, cientistas e artistas mundialmente conhecidos. Entre os quais está o brasileiro Luis Inácio da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945, o presidente do Brasil aparece como o mais influente de todas as personalidades globais. Por si só, dado o ponto de partida da trajetória de Lula e as deficiências de formação notórias é um fato que merece toda a atenção. No Brasil a trajetória de Lula tornou-se um símbolo contra toda a forma de exclusão e um cabal desmentido aos preconceitos culturalistas que pouco se esforçam para disfarçar o preconceito social e de classe.

É extremamente interessante, inclusive para uma sociologia das elites nacionais, que o brasileiro de maior destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com grande déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a lista do Time. Daí a resposta das elites: o silêncio sepulcral!

Lula Líder Mundial
Desde 2007 a imprensa mundial, depois de colocá-lo ao lado de líderes cubanos e nicaraguenhos num pretenso “eixinho do mal”, teve que aceitar a importância da presença de Lula nas relações internacionais e reconhecer a existência de uma personalidade original, complexa e desprovida de complexos neocoloniais. Em 2008 a Newsweek, seguida pela Forbes, admitiam Lula como um personagem de alcance mundial. O conservador Financial Times declarava, em 2009, que Lula, “com charme e habilidade política” era um dos homens que haviam moldado a primeira década do século XXI. Suas ações, em prol da paz, das negociações e dos programas de combate à pobreza eram responsáveis pela melhor atenção dada, globalmente, aos pobres e desprovidos do mundo.

Mesmo no momento da invasão do Iraque, em busca das propaladas “armas de destruição em massa”, Lula havia proposto a continuidade das negociações e declarado que a guerra contra a fome era mais importante que sustentar o complexo industrial-militar norte-americano.

Em 2010, em meio a uma polêmica bastante desinformada no Brasil – quando alguns meios de comunicação nacionais ridicularizaram as propostas de negociação para a contínua crise no Oriente Médio – o jornal israelense Haaretz – um importante meio de comunicação marcado por sua independência – denominou Lula de “profeta da paz”, destacando sua insistência em buscar soluções negociadas para a paz. Enquanto isso, boa parte da mídia brasileira, fazendo eco à extrema-direita israelense, procurava diminuir o papel do Brasil na nova ordem mundial.

Lula, talvez mesmo sem saber, utilizando-se de sua habilidade política e de seu incrível sentido de negociações, repetia, nos mais graves dossiês internacionais, a máxima de Raymond Aron: a paz se negocia com inimigos. As exigências, descabidas e mal camufladas de recusa ás negociações, sempre baseadas em imposições, foram denunciadas pelo presidente brasileiro. Idéias pré-concebidas estabelecendo a necessidade de mudar regimes para se ter a paz ou usar as baionetas para garantir a democracia foram consideradas, como sempre, desculpas para novas guerras. Lula mostrou-se, em várias das mais espinhosas crises internacionais, um negociador permanente. Foi assim na crise do golpe de Estado na Venezuela em 2002 (quando ainda era candidato) e nas demais crises sul-americanas, como na Bolívia, com o Equador e como mediador em crises entre outros países.

Lula negociador
O mais surpreendente é que o reconhecimento internacional do presidente brasileiro não traz qualquer orgulho para a elite brasileira. Ao contrário. Lula foi ridicularizado por sua política no Oriente Médio. Enquanto isso o presidente de Israel, Shimon Perez ou o Grande-Rabino daquele país solicitavam o uso do livre trânsito do presidente para intervir junto ao irascível presidente do Irã. Dizia-se aqui que Lula ofendera Israel, enquanto o Haaretz o chamava de “profeta da paz” e a Knesset (o parlamento de Israel) o aplaudia em pé. No mesmo momento o Brasil assinava importantes acordos comerciais com Israel.

Ridicularizou-se ao extremo a atuação brasileira em Honduras, sem perceber a terrível porta que se abria com um golpe militar no continente. Lula teve a firmeza e a coragem, contra a opinião pública pessimamente informada, de dizer e que “... a época de se arrancar presidentes de pijama” do palácio do governo e expulsá-los do país pertencia, definitivamente, a noite dos tempos.

Honduras teve que arcar com o peso, e os prejuízos, de sustentar uma elite empedernida, que escrevera na constituição, após anos de domínio ditatorial, que as leis, o mundo e a vida não podem ser mudados. Nem mesmo através da expressa vontade do povo! E a elite brasileira preferiu ficar ao lado dos golpistas hondurenhos e aceitar um precedente tenebroso para todo o continente.

Brasil, país no mundo!
Também se ridicularizou a abertura das relações do Brasil com o conjunto do planeta. Em oito anos abriu-se mais de sessenta novas representações no exterior, tornando o Brasil um país global. Os nostálgicos do “circuito Helena Rubinstein” – relações privilegiadas com Nova York, Londres e Paris – choraram a “proletarização” de nossas relações. Com a crise econômica global – que desmentiu os credos fundamentalistas neoliberais – a expansão do Brasil pelo mundo, os novos acordos comerciais (ao lado de um mercado interno robusto) impediram o Brasil de cair de joelhos. Outros países, atrelados ao eixo norte-atlântico e aqueles que aceitaram uma “pequena Alca”, como o México, debatem-se no fundo de suas infelicidades. Lula foi ridicularizado quando falou em “marolhinha”. Em seguida o ex-poderoso e o ex-centro anti-povos chamado FMI, declarou as medidas do governo Lula como as mais acertadas no conjunto do arsenal anti-crise.

Mais uma vez silêncio das elites brasileiras!

Lula foi considerado fomentador da preguiça e da miséria ao ampliar, recriar, e expandir ações de redistribuição de renda no país. A miséria encolheu e mais de 91 milhões de brasileiros ascenderam para vivenciar novos patamares de dignidade social... A elite disse que era apoiar o vício da preguiça, ecoando, desta feita sabendo, as ofensas coloniais sobre “nativos” preguiçosos. Era a retro-alimentação do mito da “pereza ibérica”. Uma ajuda de meio salário, temporária, merece por parte da elite um bombardeio constante. A corrupção em larga escala, dez vezes mais cara e improdutiva ao país que o Bolsa Família, e da qual a elite nacional não é estranha, nunca foi alvo de tantos ataques.

A ONU acabou escolhendo o Programa Bolsa Família como símbolo mundial do resgate dos desfavorecidos. O ultra-conservador jornal britânico The Economist o considerou um modelo de ação para todos os países tocados pela pobreza e o Le Monde como ação modelar de inclusão social.

Mais uma vez a elite nacional manteve-se em silêncio!

Em suma, quando a influente revista, sem anúncios do governo brasileiro, Time escolhe Lula como o líder mais influente do mundo, a mídia brasileira “esquece” de noticiar. Nas páginas internas, tão encolhidas como um vira-lata em dia de chuva noticia-se que Lula “... está entre os 25 lideres mais influentes do mundo”. Errado! A lista colocava Lula como “o mais” influente do mundo.

Agora se espera o silêncio da elite brasileira!

Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

sábado, 3 de abril de 2010

A mídia gorda assume seu partido

Há pouco tempo Barack Obama deixou claro para o mundo que determinadas empresas jornalísticas não fazem jornalismo e assumem, nem sempre veladamente, a posição de portavoz de partidos políticos (ele se referia à poderosa FOX NEWS). Qualquer leitor minimamente atento e informado já se deu conta desta mesma situação no Brasil. Ou seja a campanha eleitoral da oposição neoliberal (leia-se PSDB/DEM/ e quetais) já começou desde o início do governo Lula.
Dentro desta ótica, gostei do que li e transcrevi abaixo.
Se quiser beba na fonte:
Jorge Furtado - Blog da Casa de Cinema

Quem estava prestando atenção já percebeu faz tempo: a antiga imprensa
brasileira virou um partido político, incorporando as sessões paulistas
do PSDB (Serra) e do PMDB (Quércia), e o DEM (ex-PFL, ex-Arena).

A boa novidade é que finalmente eles admitiram ser o que são, através
das palavras sinceras de Maria Judith Brito, presidente da Associação
Nacional dos Jornais e executiva do jornal Folha de S. Paulo, em
declaração ao jornal O Globo:
“Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a
posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente
fragilizada.”


A presidente da Associação Nacional dos Jornais constata, como ela mesma
assinala, o óbvio: seus associados “estão fazendo de fato a posição
oposicionista (sic) deste país”. Por que agem assim? Porque “a oposição
está profundamente fragilizada”.

A presidente da associação/partido não esclarece porque a oposição
“deste país” estaria “profundamente fragilizada”, apesar de ter, como
ela mesma reconhece, o irrestrito apoio dos seus associados (os
jornais).

A presidente da associação/partido não questiona a moralidade de seus
filiados assumirem a “posição oposicionista deste país” enquanto, aos
seus leitores, alegam praticar jornalismo. Também não questiona o fato
de serem a oposição ao governo “deste país” mas não aos governos do seu
estado (São Paulo).

Propriedades privadas, gozando de muitas isenções de impostos para que
possam melhor prestar um serviço público fundamental, o de informar a
sociedade com a liberdade e o equilíbrio que o bom jornalismo exige, os
jornais proclamam-se um partido, isto é, uma “organização social que se
fundamenta numa concepção política ou em interesses políticos e sociais
comuns e que se propõe alcançar o poder”.

O partido da imprensa se propõe a alcançar o poder com o seu candidato,
José Serra. Trata-se, na verdade, de uma retomada: Serra, FHC e seu
partido, a imprensa, estiveram no poder por oito anos. Deixaram o
governo com desemprego, juros, dívida pública, inflação e carga
tributária em alta, crescimento econômico pífio e índices muito baixos
de aprovação popular. No governo do partido da imprensa, a criminosa
desigualdade social brasileira permaneceu inalterada e os índices de
criminalidade (homicídios) tiveram forte crescimento.

O partido da imprensa assumiu a “posição oposicionista” a um governo que
hoje conta com enorme aprovação popular. A comparação de desempenho
entre os governos do Partido dos Trabalhadores (Lula, Dilma) e do
partido da imprensa (FHC, Serra), é extraordinariamente favorável ao
primeiro: não há um único índice social ou econômico em que o governo
Lula (Dilma) não seja muito superior ao governo FHC (Serra), a lista
desta comparação chega a ser enfadonha.

Serra é, portanto, o candidato do partido da imprensa, que reúne os
interesses da direita brasileira e faz oposição ao governo Lula. Dilma é
a candidata da situação, da esquerda, representando vários partidos,
defendendo a continuidade do governo Lula.

Agora que tudo ficou bem claro, você pode continuar (ou não) lendo seu
jornal, sabendo que ele trabalha explicitamente a favor de uma
candidatura e de um partido que, como todo partido, almeja o poder.

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Annita Dunn, diretora de Comunicações da Casa Branca, à rede de
televisão CNN e aos repórteres do The New York Times:

"A rede Fox News opera, praticamente, ou como o setor de pesquisas ou como o
setor de comunicações do Partido Republicano" (...) "não precisamos
fingir que [a Fox] seria empresa comercial de comunicações do mesmo tipo
que a CNN. A rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa
Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização
trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico.
Quando o presidente [Barack Obama] fala à Fox, já sabe que não falará à
imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará como num
debate com o partido da oposição."

quarta-feira, 31 de março de 2010

Taxi Driver - A América


Acabo de assistir TAXI DRIVER.
É uma faceta da realidade americana que não nos é mostrada pela mídia gorda. Filme para ser visto e revisto. Scorsese mostra o "background" do sistema capitalista "puro e aplicado".
Muito bom

segunda-feira, 15 de março de 2010

A doença americana

Como médicos, convivemos com episódios diários que nos deixam vislumbrar o significado da transformação da doença em mercadoria. A prática médica nos EUA, que considero a pior do planeta, está repleta de exemplos. Apreciei o texto abaixo que li em Observatório da Imprensa

Os EUA estão doentes

Em sentido metafórico, a sociedade norte-americana está doente por muitas razões. Há mais de trinta de anos passo alguns meses por ano nos EUA e tenho observado uma acumulação progressiva de "doenças", mas não é delas que quero escrever hoje. Hoje escrevo sobre doença no sentido literal e faço-o a propósito da reforma do sistema de saúde em discussão final no Congresso. As lições desta reforma para o nosso país são evidentes. Os EUA são o único país do mundo desenvolvido em que a saúde foi transformada em mercadoria e o seu provimento entregue ao mercado privado das seguradoras. Os resultados são assustadores. Gastam por ano duas vezes mais em despesas de saúde que qualquer outro país desenvolvido e, apesar disso, 49 milhões de cidadãos não têm qualquer seguro de saúde e 45 mil morrem por ano por falta dele. Mais, a cada passo surgem notícias aterradoras de pessoas com doenças graves a quem as seguradoras cancelam os seguros, a quem recusam pagar tratamentos que lhes poderiam salvar a vida ou a quem recusam vender o seguro por serem conhecidas as suas — condições pré-existentes“, ou seja, a probabilidade de virem necessitar de cuidados de saúde dispendiosos no futuro.

A perversidade do sistema reside em que os lucros das seguradoras são tanto maiores quanto mais gente da classe média baixa ou trabalhadores de pequenas e médias empresas são excluídos, ou seja, grupos sociais que não aguentam constantes aumentos dos prémios de seguro que nada têm a ver com a inflação. No meio de uma grave crise econômica e alta taxa de desemprego, a seguradora Anthem Blue Cross - que no ano passado declarou um aumento de 56% nos seus lucros - anunciou há semanas uma alta de 39% nos preços na Califórnia, o que provocaria a perda do seguro para 800.000 pessoas. A medida foi considerada criminosa e escandalosa por alguns membros do Congresso.

Por todas estas razões, há um consenso nos EUA de que é preciso reformar o sistema de saúde, e essa foi uma das promessas centrais da campanha de Barack Obama. A sua proposta assentava em duas medidas principais:criar um sistema público, financiado pelo Estado, que, ainda que residual, pudesse dar uma opção aos que não conseguem pagar os seguros; regular o sector de modo que os aumentos dos planos não pudessem ser decididos unilateralmente pelas seguradoras. Há um ano que a proposta de lei tramita no Congresso e não é seguro que a lei seja aprovada até à Páscoa, como pede o Presidente. Mas a lei que será aprovada não contém nenhuma das propostas iniciais de Obama. Pela simples razão de que o lobby das seguradoras gastou 300 milhões de euros para pagar aos congressistas encarregados de elaborar a lei (para as suas campanhas, para as suas causas e, afinal, para os seus bolsos). Há seis lobistas da área de saúde registrados por cada membro do Congresso. Lobby é a forma legal do que no resto do mundo se chama corrupção. A proposta, a ser aprovada, está de tal modo desfigurada que muitos setores progressistas (ou seja, setores um pouco menos conservadores) pensam que seria melhor não promulgar a lei. Entre outras coisas, a leib "entrega" às seguradoras cerca de 30 milhões de novos clientes sem qualquer controle sobre o montante dos planos. Os EUA estão doentes porque a democracia norte-americana está doente.

Que lições? Primeiro, é um crime social transformar a saúde em mercadoria. Segundo, uma vez dominantes no mercado, as seguradoras mostram uma irresponsabilidade social assustadora. São responsáveis perante os acionistas, não perante os cidadãos. Terceiro, têm armas poderosas para dominar os governos e a opinião pública. Em Portugal, convém-lhes demonizar o SNS só até ao ponto de retirar dele a classe média, mais sensível à falta de qualidade, mas nunca ao ponto de o eliminar pois, doutro modo, deixariam de ter o "caixote do lixo" para onde atirar os doentes que não querem.Os mais ingênuos ficam perplexos perante os prejuízos dos hospitais públicos e os lucros dos privados. Não se deram conta de que os prejuízos dos hospitais públicos, por mais eficientes que sejam, serão sempre a causa dos lucros dos hospitais privados.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Mídia gorda tenta desmontar Dilma Rousseff e desconstruir o Brasil

É impressionante o esforço da mídia gorda para brecar o crescimento da candidatura Dilma; uma direita que perdeu o discurso e o bonde da história no Brasil se esforça para criar fantasmas capazes de trazê-la de volta.
O texto abaixo é um bom exemplo. Beba na fonte: Os jornais da direita brasileira - o denominado Partido da Imprensa Golpista (PIG) - estão começando uma campanha contra a ministra Dilma Rousseff, virtual candidata do presidente Lula à presidência da Republica em 2010. Quem dá a largada é o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, pertencente ao grupo RBS, um dos grandes beneficiários sulinos da ditadura civil-militar que assolou o País de 1964 a 1985.
A abordagem da campanha contra a única candidata da esquerda com vivas chances de vitória parte de uma estratégia oblíqua e por isso sutil e astuciosa. Trata-se de identificar a candidata Dilma como protagonista de cenários de conflito, de situações pregressas de confronto, de perturbações da ordem, de sublevação social, de motim contra o establishment, etc. A idéia é aterrar a classe média e deixar os investidores com as barbas de molho.
A série de reportagens de ZH, denominada "Os infiltrados", publicadas de domingo até ontem (3/2), tem como objetivo isso: reunir elementos objetivos e sobretudo subjetivos que apontem Dilma Rousseff como alguém com um perfil muito próximo de ser considerado como o de uma "terrorista" - na releitura ampla dada ao vocábulo por parte de Bush Jr. e o ultrapragmatismo Neoconservador com viés bélico - fonte na qual dez entre dez jornais brasileiros beberam até a embriaguez.
Em publicidade, essa velha técnica é denominada merchandising editorial (ou tie-in, no jargão norte-americano de publicidade & propaganda). Consiste em diluir o objeto da reportagem, no caso, a desconstrução da imagem da candidata lulista, em uma narrativa com muitos protagonistas, formando um painel abrangente e elucidativo de fatos obscuros ou mal contados pela história recente. O tie-in na publicidade comercial da televisão, por exemplo, é a introdução sutil de uma certa marca de carro na cena onde o mocinho persegue o bandido, ou de um refrigerante na cena doméstica da novela seriada. A força do apelo comercial está precisamente na sutileza e não na ênfase grosseira dos comerciais da publicidade comum.
A técnica da reportagem do tipo tie-in - desfocar para crivar com mais eficácia - está sendo uma das estratégicas do PIG, seus agentes e operadores. Só que ao invés de promover o seu objeto de incidência, como faz a publicidade comercial, no caso do jornalismo ideologizado do PIG, ao contrário, procura rebaixar a sua reputação e prestígio social.
Temos informações seguríssimas que a matéria de Zero Hora é apenas a primeira de outras tantas que estão sendo preparadas pela imprensa direitista brasileira. A revista Veja estaria preparando uma matéria sobre o famoso roubo do cofre do ex-governador Adhemar de Barros, de São Paulo, ocorrido em julho de 1969. A rigor, é a mesma matéria requentada da edição 1.785, de Veja, de 15 de janeiro de 2003. Só que naquela ocasião, o tom do texto era grosseiro, inquisitorial e policialesco, cenas de filme B. Com a nova estratégia tie-in, a matéria deverá ser mais extensa, na forma de um painel (pseudo) histórico, com mais personagens e um tratamento refinado e sutil ao texto.
Será mais para o cinema de Ingmar Bergman do que para o de Zé do Caixão.

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Alguém ainda terá dúvida sobre o caráter orgânico-partidário da grande imprensa brasileira? Um bloco unido, coeso, linha ideológica única, discurso afinado, militância articulada, ações coordenadas, intelectual orgânico de setores da classe média (urbana e rural), classes proprietárias, lúmpen-burguesia, do agronegócio exportador, setores bancário-financeiros, de representantes e associados dos interesses corporativos internacionais, militares com interesses econômicos e negociais, etc.
A prova evidente do caráter partidário da mídia brasuca é a flacidez dos partidos cartoriais tradicionais - PSDB, Democratas, PMDB, PPS, PTB, e outros menos votados.
Quanto mais a mídia faz-se porta-voz potente da direita, mais obsoleta e irrelevante torna a existência das aglomerações parlamentares-eleitorais, que acabam servindo só para registro legal de candidaturas junto à Justiça Eleitoral e valhacouto de lúmpens ascensionais.
Como alguém já disse, acho que foi o Stedile, os parlamentares e políticos profissionais deveriam - em vez de se identificar pelas siglas partidárias - usar jalecos ou macacões (como na Fórmula Um) com as logomarcas dos seus patrocinadores - aos quais dedicam as suas carreiras públicas como zelosos funcionários corporativos subalternos.


sábado, 9 de janeiro de 2010

Cineasta Silvio Tendler defende punição aos torturadores

Em carta aberta remetida ao Ministro da Defesa Nelson Jobim, o Cineasta Silvio Tendler nos ajuda a entender o que está oculto na tentativa da mídia gorda de criar uma crise institucional com as Forças Armadas com o intuito de enfraquecer o governo Lula.
À propósito, assinei AQUI o MANIFESTO CONTRA A ANISTIA AOS TORTURADORES num gesto de respeito às Forças Armadas do Brasil.
Parabéns Sílvio, pois voce sofreu na pele e tem autoridade moral para opinar.
Beber na fonte ou ler a transcriçao a seguir.

Ao Ministro da Defesa Exmo. Dr. Nelson Jobim

Invado sua caixa de mensagem pedindo atenção para um tema que trata do futuro, não do passado. O Sr. me conhece pessoalmente e lembra-se de que quando fui Secretário de Cultura de Brasília, no ano de 1996, o Sr. era Ministro da Justiça e instituiu e deu no Festival de Cinema Brasília um prêmio para o filme que melhor abordasse a questão dos Direitos Humanos. Era uma preocupação comum a nossa.

Por que me dirijo agora ao senhor? Um punhado de cidadãos -̶ hoje somos mais de dez mil -̶ assinamos um manifesto afirmando que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos, contrários aos mais elementares sentimentos da nacionalidade. Agimos em nome da intransigente defesa dos direitos humanos. O Sr., Ministro da Defesa, homem comprometido com a ordem democrática, eminente advogado constitucionalista, um dos redatores e subscritores da Constituição de 1988, hoje em ação concertada com os comandantes das forças armadas, condena a iniciativa de punir torturadores pelos crimes que cometeram.

Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender. É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos o que reforça a sensação de impunidade. Ao contrário do que afirmam os defensores da impunidade dos torturadores. O que está em juízo não é o julgamento das forças armadas, como afirmam os que as querem arrastar para o lodo moral que mergulharam. Agora pretendem proteger sua impunidade, camuflados corporativamente em nome da honra da instituição.

Um pouco de história não faz mal a ninguém. Não está em questão que para consumar o golpe de 64, os chefes militares de então tiveram que expurgar das forças armadas milhares de homens entre oficiais, sub-oficiais e praças cujo único crime foi defender o regime constitucional do país. Afastaram da vida política brasileira expressivas lideranças, cassando direitos políticos e mandatos parlamentares ou sindicais. Empurraram milhares de cidadãos, na imensa maioria jovens, para a ação clandestina que desembocou na luta armada.

De qualquer maneira os golpistas de 64 protegidos pela lei de anistia não serão anistiados pela história. Fecharam e cercaram o Congresso Nacional. Inventaram a excrescência chamada de Senador Biônico para não perder, pelo voto, o controle do Senado em plena ditadura militar. Os chefes militares podem ficar tranqüilos que seus antecessores não irão para a cadeia pelos crimes que cometeram contra um país, contra uma geração inteira, a minha, que desaprendeu a falar e pensar em liberdade. Nada disso está em juízo. Vinte e cinco anos depois de iniciada a transição democrática, o que está em juízo não é o processo de anistia política.

Tranqüilize seus colegas militares, ministro. O regime militar não está sendo julgado pela quebra do sistema público de saúde ou pela quebra do sistema educacional. Estamos pedindo a punição contra criminosos comuns por crimes de lesa humanidade. Queremos o julgamento e condenação da prática de crimes hediondos. Só isso. Assusta a quem? Em nome do quê o Brasil será eternamente refém de bandidos? O que justifica acobertar crimes condenados por todos os códigos, normas e tribunais internacionais em matéria de direitos humanos? O Sr. deve estar se perguntando o porquê do meu empenho nesta causa. Vou lhe contar.

Despontei pra a vida adulta baixo a ditadura militar. Em 1964, tinha 14 anos e cresci sob o signo do medo. Sou de uma família de judeus liberais, meu pai advogado e minha mãe médica. Invoco as raízes judaicas porque meus pais eram muito marcados pelo holocausto, pelos crimes nazistas cometidos contra a humanidade. Tínhamos muito medo das soluções autoritárias. Eu queria viver num país livre e tinha sentimentos de profunda repugnância a ditaduras. Meus amigos também eram assim. Participei de passeatas, diretórios estudantis e cineclubes. Queria derrubar a ditadura fazendo filmes. Acreditava que era possível. Em 1969, um companheiro de Cineclubismo seqüestrou um avião para Cuba. Não tive nada a ver com isso. Desconhecia as intenções e a organização do seqüestro. Meu crime foi ser amigo – sim, meu crime foi o de ser amigo de um seqüestrador. Quase fui preso e morreria na tortura sem falar, não por ato de bravura, mas por absoluto desconhecimento de causa. Não pertencia a nenhuma organização revolucionária. Não sabia nada sobre o seqüestro.

Escapei dessa situação pela coragem pessoal de minha mãe que driblou os imbecis fardados que foram me prender e consegui fugir de casa nas barbas da turma do Ministério da Aeronáutica que, naquele momento, ao invés de dedicar-se a cumprir sua missão constitucional de proteger nossas fronteiras, prendiam, torturavam e matavam estudantes. Tive também a ajuda do Coronel Aviador Afrânio Aguiar que empenhou-se até a medula para que não fosse preso e massacrado na Aeronáutica. A ele dedico meu filme mais recente "Utopia e Barbárie". Sem ele, dificilmente estaria contando essa história hoje aqui. Outras pessoas também me ajudaram a sair vivo dessa história mas como não tenho autorização para citá-los e estão vivos, guardo nomes e lembranças no coração.

Em 1970 fui viver no Chile por livre e espontânea vontade. Saí do Brasil legalmente com passaporte, ainda que tenha ido ao DOPS explicar por que saía do Brasil. Eles sabiam as razões pelas quais saía (como é cantado na música, "Não queria morrer de susto, bala ou vício"). Em Janeiro de 1971,do Chile, mandei uma carta para minha mãe, trazida por uma portadora, senhora de boa cepa, que fora visitar o filho no exílio em um gesto humanitário se ofereceu, ingenuamente, para trazer correspondência para os familiares dos exilados. O gesto lhe custou prisão e "maus tratos" nas dependências da aeronáutica. Na carta pedia a minha mãe que me enviasse livros e minha máquina de escrever. A carta foi entregue em Copacabana por militares do Doi-Codi que arrombaram minha casa, arrombaram móveis a procura de metralhadora (Assim entenderam "máquina de escrever"). Minha mãe foi levada para o quartel da PE na Barão de Mesquita, onde foi humilhada e um dos "patriotas"que a conduziu assumiu de forma permanente a guarda do relógio que entrou com ela na PE e não voltou para casa. Amigos ocultos numa rede de gente decente ajudaram a tirar minha mãe daquela filial verde oliva do inferno.

Sim ministro, havia muita gente decente nas forças armadas ou que gravitavam em torno dela e que faziam o que podiam para ajudar pessoas. A maioria, prefere, até hoje, não revelar seus gestos por medo dos que praticando atos dignos dos piores momentos da máfia intimidam e atemorizam pessoas de bem. Pior do que o relógio foi o destino do ex-deputado Rubens Paiva que foi preso no mesmo dia e nunca mais encontrado. Os senhores fazem muita questão mesmo de proteger os canalhas que seqüestraram e assassinaram o ex-deputado pelo crime de ter recebido correspondência pessoal de exilados no Chile? A quem interessa essa “Omertá"? Ministro, para esses crimes não há justificativa e menos O que leva a chefes militares e o Ministro da Defesa a se pronunciarem contra a apuração de crimes? Tortura, estupro, morte, muitas vezes seguido de roubo, são atos políticos passíveis de anistia?

Desculpe a franqueza, mas não consigo entender. Em nome do futuro democrático do Brasil , espero que a banda podre, montada no Dragão da Maldade, não saia vitoriosa.

Os chefes militares pronunciam-se a favor do pagamento de reparações às vitimas do arbítrio como um ato indenizatório. Pagamento este feito com recursos públicos desviado de finalidades mais nobres para ressarcir prejuízos causados por canalhas que deveriam ter seus bens confiscados e pagarem com recursos próprios os crimes que cometeram. Muitas empresas que se locupletaram durante a ditadura e inclusive financiaram o aparato repressivo poderiam participar dessas indenizações. No meu caso, ministro, posso lhe dizer que não há dinheiro que feche essa conta. Não pedi anistia nem indenização porque acho que não sou merecedor (nunca fui exilado, nunca me apresentei assim). E vivo bem com meu trabalho de cineasta há quarenta anos e professor universitário há 31. Se fosse pago com recursos dos bandidos, aceitaria de bom grado. Recursos públicos não. Cada centavo que aceitasse, me sentiria roubando de uma criança ou de um homem ou uma mulher humildes que precisam mais desse dinheiro numa escola pública, num posto médico, do que eu. Não recrimino quem, por necessidade ou sentimento de justiça, o faça.

A reparação que peço é a punição exemplar dos torturadores da minha mãe. O senhor há de concordar que não estou pedindo muito nem nada despropositado. E quando digo que penso no futuro e não no passado é porque a punição exemplar de criminosos desestimulará semelhantes práticas no futuro e terá uma função pedagógica para os que caiam em tentação de uso indevido dos poderes do Estado, que entendam que não vivemos no país da impunidade.Justiça, peço apenas justiça.

Bom 2010 para o sr.

Atenciosamente,
Silvio Tendler

P.S. Falamos de tanta coisa mas esquecemos de comentar dois crimes cometidos depois de 1979 que já não estariam cobertos pela lei de anistia: O assassinato de D. Lyda Monteiro da Silva, secretaria do Presidente da OAB, a mutilação do jornalista José Ribamar em 1980 e, em 1981, a bomba que explodiu no Riocentro que causou a morte de um sargento e graves ferimento no Capitão. Imagino que enquanto advogado, o quanto lhe repugna o assassinato da secretária do Presidente da OAB e a mutilação de um jornalista. Tantos anos decorridos, talvez ainda seja possível descobrir "os comunistas" responsáveis pela bomba do Riocentro, como concluiu o vexaminoso IPM instaurado na ocasião.

Por falar em comunistas, movimento que condenava a luta armada, o que dizer do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho e do desaparecimento do dirigente Davi Capistrano? Seus assassinos terão imagem, nome e sobrenome ou continuarão protegidos por este exército das sombras?

Silvio Tendler