PenseLivre On Line

Como dizia apropriadamente Samuel Wainer: A PENA É LIVRE, MAS O PAPEL TEM DONO.
Os blogs permitem que, por algum momento, possamos ter a pena livre e, ao mesmo tempo, ter a propriedade do papel.
Neste blog torno públicas algumas reflexões pessoais, textos e publicações pinçadas da web e que me fizeram pensar e repensar melhor a realidade.
Este blog é uma pretenção cidadã e...nada mais!

Procuro por:

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Petrobras e Petrosal - Um dia para a história

Discurso de Luis Inácio Lula da Silva no lançamento do pré-sal. Sem comentários!

Hoje é um dia histórico.

O governo está enviando ao Congresso Nacional sua proposta do marco regulatório para a exploração de petróleo e gás no chamado pré-sal.

Estou seguro de que, nos próximos meses, os deputados e senadores, recolhendo também as contribuições de governadores e prefeitos, aperfeiçoarão as propostas do governo, trabalhando com responsabilidade, espírito público, compromisso com o país e, sobretudo, muita visão de futuro.

Estou seguro também de que o povo brasileiro entrará de corpo e alma nesse debate tão importante para o destino do Brasil e para o futuro dos nossos filhos.

Porque esse não é um assunto apenas para os iniciados e especialistas. Nem é tampouco um tema que deva ficar restrito somente ao parlamento. Ao contrário, ele interessa a todos e depende de todos.

Por isso mesmo, quero convocar cada brasileiro e cada brasileira a participar desse grande debate. Trabalhadores, donas de casa, lavradores, empresários, intelectuais, cientistas, estudantes, servidores públicos, todos podem e devem contribuir para que tomemos as melhores decisões.

Minhas amigas e meus amigos,

O chamado pré-sal contém jazidas gigantescas de petróleo e gás, situadas entre cinco e sete mil metros abaixo do nível do mar, sob uma camada de sal que, em certas áreas, alcança mais de 2 mil metros de espessura.

Não se pode ainda dizer, com certeza, quantos bilhões de barris o pré-sal acrescentará às reservas brasileiras. Mas já se pode dizer, com toda segurança, que ele colocará o Brasil entre os países com maiores reservas de petróleo do mundo.

Trata-se de uma das maiores descobertas de petróleo de todos os tempos. E em condições extremamente importantes: as reservas encontram-se num país de grandes dimensões, de grande população e de abundantes recursos naturais. Um país que conta com um regime político estável e instituições democráticas em pleno funcionamento. Um país pacífico que faz questão de viver em paz com seus vizinhos. Um país que possui uma economia sofisticada, com um parque industrial diversificado, uma agropecuária de ponta e um setor de serviços moderno. Um país que, tendo dado passos importantes na superação das desigualdades sociais, encontrou seu caminho e está maduro para dar um salto no desenvolvimento.

Como já disse em outra oportunidade, o pré-sal é uma dádiva de Deus. Sua riqueza, bem explorada e bem administrada, pode impulsionar grandes transformações no Brasil, consolidando a mudança de patamar de nossa economia e a melhoria das condições de vida de nosso povo.

Mas o pré-sal também apresenta perigos e desafios. Se não tomarmos as decisões acertadas, aquilo que é um bilhete premiado pode transformar-se em fonte de enormes problemas. países pobres que descobriram muito petróleo, mas não resolveram bem essa questão, continuaram pobres.

Outros caíram na tentação do dinheiro fácil e rápido. Passaram a exportar a toque de caixa todo o óleo que podiam e foram inundados por moedas estrangeiras. Resultado: quebraram suas indústrias e desorganizaram suas economias. E, assim, o que era uma dádiva transformou-se numa verdadeira maldição.

Para evitar esse risco, desde o primeiro instante, determinei à comissão de ministros que preparou o marco regulatório do pré-sal que trabalhasse em cima de três diretrizes básicas.

Primeira: o petróleo e o gás pertencem ao povo e ao Estado, ou seja, a todo o povo brasileiro. E o modelo de exploração a ser adotado, num quadro de baixo risco exploratório e de grandes quantidades de petróleo, tem de assegurar que a maior parte da renda gerada permaneça nas mãos do povo brasileiro.

A segunda diretriz é de que o Brasil não quer e não vai se transformar num mero exportador de óleo cru. Ao contrário, vamos agregar valor ao petróleo aqui dentro, exportando derivados, como gasolina, óleo diesel e produtos petroquímicos, que valem muito mais. Vamos gerar empregos brasileiros e construir uma poderosa indústria fornecedora dos equipamentos e dos serviços necessários à exploração do pré-sal.

A terceira diretriz: não vamos nos deslumbrar e sair por aí, como novos ricos, torrando dinheiro em bobagens. O pré-sal é um passaporte para o futuro. Sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações, a cultura, o meio ambiente, o combate à pobreza e uma aposta no conhecimento científico e tecnológico, por meio da inovação. Vamos investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso e promissor: nossos filhos, nossos netos, nosso futuro.

Ao examinar os projetos de lei que estamos enviando hoje ao Congresso, depois de tanto trabalho e estudo, vejo com satisfação que eles estão em perfeita sintonia com essas diretrizes.

Minhas amigas e meus amigos,

Uma mudança importante no marco regulatório será a adoção do modelo de partilha de produção no pré-sal e em outras áreas de potencial e características semelhantes. É uma mudança absolutamente necessária e justificada.

Estamos vivendo hoje um cenário totalmente diferente daquele que existia em 1997, quando foi aprovada a Lei 9.478, que acabou com o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo e instituiu o modelo de concessão.

Naquela época, o mundo vivia um contexto em que os adoradores do mercado estavam em alta e tudo que se referisse à presença do Estado na economia estava em baixa. Vocês devem se lembrar como esse estado de espírito afetou o setor do petróleo no Brasil. Altas personalidades naqueles anos chegaram a dizer que a Petrobras era um dinossauro – mais precisamente, o último dinossauro a ser desmantelado no país. E, se não fosse a forte reação da sociedade, teriam até trocado o nome da empresa. Em vez de Petrobras, com a marca do Brasil no nome, a companhia passaria a ser a Petrobrax – sabe-se lá o que esse xis queria dizer nos planos de alguns exterminadores do futuro.

Foram tempos de pensamento subalterno. O país tinha deixado de acreditar em si mesmo. Na economia, campeava o desalento. O Brasil não conseguia crescer, sofria com altas taxas de juros, de desemprego, e juros estratosféricos, apresentava dívida externa elevadíssima e praticamente não tinha reservas internacionais. Volta e meia quebrava, sendo obrigado a pedir ao FMI ajuda, que chegava sempre acompanhada de um monte de imposições.

Além disso, não produzíamos o petróleo necessário para nosso consumo. Ferida, desestimulada e desorientada, a Petrobras vivia um momento muito difícil. Tinha dificuldades de captação externa e não contava com recursos próprios para bancar os investimentos. Nessa época, é bom lembrar – e a Dilma já falou – o preço do barril do petróleo estava em torno de US$ 19.

Hoje, nós vivemos um quadro é inteiramente diferente. Em primeiro lugar, os países e os povos descobriram na recente crise financeira internacional que, sem regulação e fiscalização do Estado, o deus-mercado é capaz de afundar o mundo num abrir e fechar de olhos. O papel do Estado, como regulador e fiscalizador, voltou, portanto, a ser muito valorizado.

A economia do Brasil vive também um novo momento. De 2003 a 2008, crescemos em média, 4,1% ao ano. Nos últimos dois anos, nosso crescimento foi superior a 5%. Nesse período, o país gerou cerca de onze milhões de empregos com carteira assinada. O desemprego caiu de 11,7% para 8%, em 2008. Hoje, as taxas de juros atuais são as menores de muitas décadas em nosso país.

Não só pagamos a dívida externa pública, como acumulamos reservas superiores a US$ 215 bilhões. E mais: reduzimos de modo consistente a miséria e as desigualdades sociais. Mais de 30 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza e 2 milhões ingressaram... e 20 milhões ingressaram na nova classe média, fortalecendo o mercado interno e dando vigoroso impulso à nossa economia.

O fato é que hoje temos uma economia organizada, pujante e voltada para o crescimento. Uma economia que foi testada na mais grave crise internacional desde 1929 e saiu-se muito bem na prova. Não só não quebramos, como fomos um dos últimos países a entrar na crise e estamos sendo um dos primeiros a sair dela. Antes, éramos alvo de chacotas e de imposições. Hoje, nossa voz, a voz do Brasil, é ouvida lá fora com muita atenção e com muito respeito.

Meus queridos companheiros e companheiras,

Desde o primeiro instante, meu governo deu toda força à Petrobras. Passamos a cuidar com muito carinho do nosso querido dinossauro. Os recursos da empresa destinados à pesquisa e ao desenvolvimento deram um salto de US$ 201 milhões, em 2003, para R$ 960 milhões, em 2008.

A companhia voltou a investir, aumentou a produção, abriu concursos para contratação de funcionários, encomendou plataformas, modernizou e ampliou refinarias, além de construir uma grande infra-estrutura de gás natural e entrar também na era de biocombustíveis.
Deixamos claro que nossa política era fortalecer, e não debilitar, a Petrobras. E a companhia – estimulada, recuperada e bem comandada – reagiu de forma impressionante.

Resultado: a Petrobras vive hoje um momento singular. É o orgulho do país. É a maior empresa do Brasil. É a quarta maior companhia do mundo ocidental. Entre as grandes petroleiras mundiais, é a segunda em valor de mercado. É um exemplo em tecnologia de ponta. Descobriu as reservas do pré-sal, um feito extraordinário, que encheu de admiração o mundo e de muito orgulho os brasileiros. É uma empresa com crédito e autoridade internacionais. Tanto que, nos últimos meses, levantou cerca de US$ 31 bilhões em empréstimos. Seus investimentos previstos até 2013 somam US$ 174 bilhões.

E ainda para ajudar, para completar, o preço do barril de petróleo oscila hoje em torno de US$ 65, mais do triplo do que em 1997.

Em suma, os tempos e o ambiente no mundo são outros. A situação da economia brasileira é outra. O Brasil e o prestígio do Brasil são outros. A Petrobras é outra. E outra também é a situação do mercado do petróleo.

Minhas amigas e meus amigos,

Também não há termos de comparação entre as áreas que vinham sendo exploradas até agora e as áreas do pré-sal.

No pré-sal, os riscos exploratórios são baixíssimos. A taxa de sucesso dos poços operados pela Petrobras na área é de 87%, sendo que nos blocos situados na Bacia de Santos ela é de 100%. Foram 13 poços perfurados. E nos 13 comprovou-se a existência de grandes quantidades de óleo e gás, com excelentes perspectivas de viabilidade econômica.

Nessas circunstâncias, seria um grave erro manter na área do pré-sal, de baixíssimo risco e grande rentabilidade, o modelo de concessões, apropriado apenas para blocos de grande risco exploratório e baixa rentabilidade.

No modelo de concessões, a União, proprietária do subsolo, permite que as companhias privadas procurem petróleo, mediante o pagamento de uma taxa chamada bônus de assinatura. Se elas encontrarem óleo ou gás, podem extraí-lo e comercializá-lo como quiserem. São donas do petróleo arrancado das entranhas da terra, porque, a partir da boca do poço, a União perde os direitos de propriedade, recebendo apenas uma parcela pequena da renda do petróleo, na forma de royalties e participações especiais.

Já no modelo de partilha, que prevalece em todo o mundo em áreas de baixo risco exploratório e grande rentabilidade, a União continuará dona da maior parte do petróleo e do gás mesmo depois de sua extração. Nesse modelo, o Estado não transfere toda a propriedade do óleo para grupos privados, mas fecha contratos para a exploração e a produção em determinada área – diretamente com a Petrobras ou, mediante licitação, no caso de outras companhias.

No modelo de partilha, as empresas são remuneradas com uma parcela do óleo extraído, suficiente para cobrir seus custos e investimentos e ainda proporcionar uma rentabilidade adequada ao risco do projeto. Já o Estado fica com a maior parte dos lucros da exploração e produção de petróleo, parte esta bem superior ao que recebe hoje no regime de concessão. A regra do modelo de partilha é clara: nas licitações, vence a empresa que oferecer a maior parcela do lucro da operação para o Estado e para o povo brasileiro.

Amigas e amigos,

Como no modelo de partilha a maior parte do petróleo, mesmo depois de extraído, continuará a pertencer ao Estado, ela controlará o processo de produção. Assim, ela poderá definir claramente o ritmo de extração, calibrando-o de acordo com os interesses nacionais, sem se subordinar às exigências do mercado. Dessa maneira, ficará mais fácil para o Brasil contornar os riscos inerentes à produção excessiva, que poderia inundar o país de dinheiro estrangeiro, desorganizando nossa economia – aquilo que os especialistas chamam de doença holandesa.

Além disso, poderemos produzir petróleo nas condições que mais convêm ao país. E desse modo poderemos aproveitar a riqueza do petróleo, que Deus nos deu, para produzir mais riqueza ainda com o nosso trabalho.

Dessa forma, consolidaremos uma poderosa e sofisticada indústria petrolífera, promoveremos a expansão da nossa indústria naval e converteremos o Brasil num dos maiores pólos mundiais da indústria petroquímica do mundo.

Trabalhando com essa perspectiva, encomendaremos – e produziremos aqui dentro – milhares e milhares de equipamentos, gerando emprego, salário e renda para milhões de brasileiros.

Minhas amigas e meus amigos,

Para gerir os contratos de partilha e os contratos de comercialização de petróleo e gás, zelando pelos interesses do Estado e do povo brasileiro, estamos criando uma nova empresa estatal na área do petróleo, a Petrosal.

Ela não concorrerá com a Petrobras, já que não participará da prospecção ou da exploração de petróleo e gás. Sua missão é inteiramente diferente. A nova estatal será, isso sim, a representante dos interesses do Estado brasileiro, o olho atento do povo brasileiro, acompanhando e fiscalizando a execução dos contratos firmados na área do pré-sal.

Será uma empresa enxuta, com corpo técnico altamente qualificado, formado por profissionais com experiência comprovada. Em vários países que adotaram o modelo de partilha, empresas com esse caráter revelaram-se imprescindíveis para defender os interesses públicos e nacionais nas negociações e na gestão de contratos e processos complexos e sofisticados como os que caracterizam a indústria petrolífera.
Minhas amigas e meus amigos,

Se vocês estão cansados, imaginem eu. Outra novidade importante é a criação do Fundo Social. Ele será responsável pela administração da renda do petróleo e pela sua aplicação em investimentos seguros e de boa rentabilidade, tanto no Brasil como no exterior.

De um lado, o novo fundo será uma mega-poupança, um passaporte para o futuro, que preservará e incrementará a renda do petróleo por muitas e muitas décadas. Os rendimentos do fundo serão canalizados, prioritariamente, para a educação, a cultura, o meio ambiente, a erradicação da pobreza e a inovação tecnológica. Vamos aproveitá-los para pagar a imensa dívida que o país tem com a educação e para permitir que a aplicação do conhecimento científico seja, na verdade, a nossa maior garantia do nosso futuro.

De outro lado, o novo fundo funcionará, também, como um dique contra a entrada desordenada de dinheiro externo, evitando seus efeitos nocivos e garantindo que nossa economia siga saudável, forte e baseada no trabalho e no talento dos milhões e milhões de brasileiros.

Assim, a renda gerada pela produção do pré-sal será administrada de forma planejada e inteligente. E seu ingresso na economia nacional será dosado de modo a fortalecê-la e a impulsioná-la, jamais a desorganizá-la.
Minhas amigas e meus amigos,

Não poderia deixar de prestar aqui uma sincera homenagem à Petrobras, a sua diretoria e a todo o seu corpo de funcionários.

A descoberta do pré-sal, que coloca o Brasil num novo patamar no cenário mundial, não foi fruto do acaso ou de um golpe de sorte. Ao contrário, ela só foi possível graças ao talento, à competência e à determinação da Petrobras. E também, é claro, graças ao revigoramento da empresa nos últimos anos, à recuperação da sua autoestima e aos investimentos crescentes em pesquisa e prospecção.

Poucas empresas no mundo têm hoje a experiência da Petrobras na exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas. E nenhuma empresa petrolífera conhece e é capaz de obter resultados tão expressivos em nossa plataforma submarina como ela. Trata-se de um ativo, de um patrimônio de enorme valor, que deve ser bem e de forma extraordinária aproveitado.

Por isso mesmo, a Petrobras terá um status especial no marco regulatório do pré-sal. Será a única empresa operadora nessa província. Outras empresas poderão ter participação, inclusive majoritária, nos consórcios que explorarão os blocos contratados. Mas a operação – vale dizer, a exploração, o desenvolvimento, a produção e a desativação das instalações – estará sempre a cargo da nossa querida e orgulhos Petrobras.

Além disso, as reservas do pré-sal, que pertencem ao Estado e ao povo brasileiro, oferecem uma excelente oportunidade para que a União fortaleça a Petrobras para enfrentar os novos desafios. Nesse sentido, estamos enviando projeto de lei ao Congresso Nacional autorizando a União a promover aumento de capital da companhia. O valor total do aumento de capital será aquilo que a ministra Dilma já falou, de até cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo, obviamente, relativos às jazidas contíguas às áreas que a empresa já detém no pré-sal.

Nos termos da lei, os acionistas minoritários que desejarem participar dessa chamada de capital poderão adquirir ações da companhia, o que contribuirá para reforçar economicamente nossa maior empresa nesse momento decisivo.

Se os acionistas minoritários não exercerem integralmente seus direitos de opção, a capitalização promovida pela União implicará aumento da participação do povo brasileiro no capital total da Petrobras.

Minhas amigas e meus amigos,

Nesse momento em que o Brasil discute o melhor caminho para se tornar um grande produtor mundial de petróleo, quero render minhas homenagens a todos os brasileiros que lutaram para que este sonho se transformasse em realidade.

Em primeiro lugar, homenageio os que acreditaram quando era mais fácil descrer. E não deram ouvidos às aves de mau agouro que, durante décadas, apregoaram aos quatro ventos que o Brasil não tinha petróleo. Foram, por isso, chamados de fanáticos e maníacos. Ainda bem que houve fanáticos que nos ensinaram a duvidar dos preconceitos e a ter fé em nossas próprias forças.

Rendo minha homenagem também aos que se insurgiram contra a ladainha que proclamava que, mesmo que o Brasil tivesse petróleo, não teria competência para explorá-lo. E que deveria deixar essa tarefa para o capital estrangeiro. Muitos foram tachados de lunáticos, prisioneiros de uma idéia fixa, como o grande e saudoso Monteiro Lobato, porque teimaram em lutar para que o Brasil explorasse suas riquezas. Benditos lunáticos que ensinaram o país a enxergar longe, em tempos de escuridão, e iluminaram os caminhos dos que vieram depois.

Rendo minha homenagem ainda aos que saíram às ruas em todo o país na campanha do “O Petróleo é nosso”, levando o presidente Getúlio Vargas a instituir o monopólio estatal do petróleo e a criar a Petrobras. Foi uma batalha travada em condições duríssimas. Basta ler os jornais da época, alguns em circulação até hoje, que ridicularizavam a campanha nacionalista. E eu digo: bendito nacionalismo, que permitiu que as riquezas da nação permanecessem em nossas mãos.

Rendo homenagem muito especial, por fim, a todos os que defenderam a Petrobras quando ela foi atacada ao longo de sua história – e ainda hoje – e aos funcionários e petroleiros que se mantiveram de pé quando a empresa passou a ser tratada como uma herança maldita do período jurássico. Benditos amigos e companheiros do dinossauro, que sobreviveu à extinção, deu a volta por cima, mostrou o seu valor. E descobriu o pré-sal – patrimônio da União, riqueza do Brasil e passaporte para o nosso futuro.

Olho para trás e vejo que há algo em comum em todos esses momentos, algo que unifica e dá sentido a essa caminhada, algo que nos trouxe até aqui e ao dia de hoje: é, sinceramente, a capacidade do povo brasileiro de acreditar em si mesmo e no nosso país. Foi em meio à descrença de tantos que querem falar em seu nome... O povo – principalmente ao povo – devemos esse momento atual.

É como se houvesse uma mão invisível – não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo – tecendo nosso destino e construindo nosso futuro. Não creio que seja uma coincidência o fato de a Petrobras ter descoberto as grandes reservas do pré-sal justamente num momento da vida política nacional em que o povo também descobriu em si mesmo grandes reservas de energia e de esperança. Num momento em que o país, deixando para trás o complexo de inferioridade que lhe inculcaram durante séculos, aprendeu como é bom andar de cabeça erguida e olhar com confiança para o futuro.

Muito obrigado, companheiros."


quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Produtividade no setor público supera a do setor privado

Estou tão acostumado a ler e ouvir que o setor público não funciona, é cabide de empregos, é um elefante branco e é ineficiente, que estudos como este divulgado pelo IPEA me deixa com pulgas atrás das orelhas: a quem interessa difamar sistematicamente a administração pública? Uma resposta imediata me vem à mente: aos militantes da privataria.

Afinal de contas quem salvou, e continua salvando, as administrações privadas que levaram o sistema financeiro neoliberal capitalista à falência foi e está sendo exatamente a administração pública.

Neste viés é muito esclarecedora a divulgação do estudo do IPEA. Bebi na fonte: aqui

____________________________________

A administração pública é mais produtiva do que o setor privado. Essa foi uma das conclusões a que chegou o estudo Produtividade na Administração Pública Brasileira: Trajetória Recente, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Ipea avaliou a evolução da diferença de produtividade entre esses dois setores entre 1995 e 2006.

A notícia é da Carta Maior, 26-08-2009.

“Em todos os anos pesquisados, a produtividade da administração pública foi maior do que a registrada no setor privado. E essa diferença foi sempre superior a 35%”, afirmou o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, ao divulgar o estudo. “No último ano do estudo [2006], por exemplo, a administração pública teve uma produtividade 46,6% maior [do que a do setor privado]. O ano em que essa diferença foi menor foi 1997, quando a pública registrou produtividade 35,4% superior à da privada”.

O estudo diz que entre 1995 e 2006 a produtividade na administração pública cresceu 14,7%, enquanto no setor privado esse crescimento foi de 13,5%. “Há muita ideologia e poucos dados nas argumentações de que o Estado é improdutivo, e os números mostram isso: a produtividade na administração pública cresceu 1,1% a mais do que o crescimento produtivo contabilizado no setor privado, durante todo o período analisado”.

Segundo o Ipea, a administração pública é responsável por 11,6% do total de ocupados no Brasil. No entanto, representa 15,5% do valor agregado da produção nacional. “A produção na administração pública aumentou 43,3% entre 1995 e 2006, crescimento que ficou mais evidente a partir de 2004. No mesmo período, os empregos públicos aumentaram apenas 25%. Isso mostra que a produtividade aumentou mais do que a ocupação”, argumentou o presidente do Ipea. "Esse estudo representa a configuração de uma quebra de paradigma, porque acabou desconstruindo o mito de que o setor público é ineficiente”, defendeu Pochmann.

Entre os motivos que justificariam o aumento da eficiência produtiva da administração pública, Pochmann destacou as recentes inovações, principalmente ligadas às áreas tecnológicas que envolvem Informática; os processos mais eficientes de licitação; e a certificação digital, bem como a renovação do serviço público, por meio de concursos.

O presidente do Ipea lembrou ainda que as administrações estaduais que adotaram medidas de choque de gestão, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não constam entre aquelas com melhor desempenho na produtividade. "Ou tiveram ganho muito baixo, ou ficaram abaixo da média de 1995 a 2006", afirmou, ressalvando que essa comparação não era objetivo do estudo, mas foi uma das conclusões observadas.



segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A estranha ética de Arthur Virgílio


A estranha ética de Arthur Virgílio

O líder do PSDB no Senado reconhece ter recebido vantagens indevidas, como foi denunciado por ISTOÉ, e diz que vai devolver o dinheiro público
___________________________________________

Realmente a casa do senado federal tem se transformado num circo da pior espécie.
Pude ler a matéria acima em ISTO É Independente


LINA & DILMA

Bem que eu andava desconfiando dessa história. Do nada,
e em plena turbulência senatorial, surge a Dona Lina. Viva a internet e seus atentos repórteres sem diplomas. Muito interessante e elucidadivo os comentários que Luciano Martins publica no Observatório da Imprensa.


Uma história mal contada

Há muito mais informações ocultas do que explícitas na controvérsia que se desenrola em função da acusação da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, que afirmou à Folha de S.Paulo ter recebido recomendação da ministra Dilma Rousseff para "agilizar" a fiscalização das empresas da família Sarney. A ministra afirma que simplesmente nunca houve a reunião na qual supostamente teria feito tal recomendação.

Lina Vieira foi ouvida no Senado e não conseguiu se lembrar de dados importantes para dar verossimilhança a sua acusação. Por outro lado, não há registros oficiais de um encontro entre Lina Vieira e Dilma Rousseff no qual poderia ter havido a conversa citada praticamente todos os dias pelos jornais nas últimas semanas.

A imprensa tem investido muito de sua reputação nesse caso, claramente induzindo o leitor a acreditar na versão da ex-secretária da Receita. Mas cresce na internet uma avalancha de informações e especulações que podem dar outra direção a essa história.

Tudo começa no depoimento de Lina Vieira aos senadores. Sentado ao seu lado, um suposto assessor era visto dando dicas ao pé do ouvido da ex-secretária. Jornalistas curiosos e leitores de blogs o identificaram como o publicitário Alexandre Firmino de Melo Filho, marido da depoente.

Mais: revela-se que Alexandre Firmino é assessor do senador Garibaldi Alves, do partido Democratas, foi ministro interino no governo de Fernando Henrique Cardoso e é um dos acusados num processo que envolve a governadora do Maranhão, Roseana Sarney.

Falta reportagem

A Folha de S.Paulo publicou no sábado (22/8) uma pequena nota, no meio do noticiário sobre a controvérsia entre a ex-secretária da Receita e a ministra da Casa Civil, informando resumidamente sobre a circunstância que torna o marido de Lina Vieira, e ela própria, partes interessadas nas encrencas da família Sarney com a Justiça.

Se existe um processo contra Roseana Sarney e Alexandre Firmino é um dos denunciados, observam alguns blogueiros, quem teria supostamente interesse em melar a fiscalização seria a própria ex-secretária da Receita, e não a ministra. Portanto, a história pode vir a ter um desfecho oposto ao entendimento que os jornais vêm dando ao caso.

Se realmente tem interesse em esclarecer a controvérsia, a imprensa deve aos seus leitores uma reportagem completa sobre as relações do marido de Lina Vieira com o clã Sarney.

Por Luciano Martins Costa em 24/8/2009

Comentário para o programa radiofônico do OI, 24/8/2009



domingo, 5 de julho de 2009

PT, PMDB e a chave do cofre

A aliança do PT com o PMDB ameaça os planos Tucanos de retomar a chave do cofre republicano. O segmento paulista do PSDB ( FHC + SERRA + ALKIMIN + DASLU e etc) tem náuseas e vômitos com o fato de verem a chave do cofre com um nordestino semianalfabeto (será???). Querem essa chave de volta a qualquer preço.
A aliança dessa burguesia tucana com a mídia gorda não tem sido muito eficaz, mesmo com os escândalos consecutivos direcionados calculadamente para atingirem o Presidente Lula. Parece que não tem muita importância a corrupção como tal, é imperativo que se encontrem aquelas que possam desestabilizar o governo Lula. Caso contrário, não interessa.
Entretanto, quanto mais criam escândalos mais a popularidade do Presidente aumenta. Por uma razão muito simples: falta substância nas denúncias. E o sofrido povo brasileiro, tão semi-analfeto quanto o seu Presidente, fala uma linguagem diferente. Por outro lado, não se tem conseguido aquele escândalo com o qual os próprios acusadores não estejam envolvidos, haja vista mensalão, empreiteiras e quetais.
Vejamos o recente exemplo dos "atos secretos" do Senado.
Parece que são 650 "atos secretos" beneficiando senadores e seus afins.
Desses "atos secretos" alguns beneficiam o bigodudo José Sarney que, por coincidência, é o Presidente do Senado.
Digamos que dos 650 "atos secretos", dez concedam benefícios ao bigodudo e aos seus apaziguados. Restam 640 "atos secretos".
A quem beneficiam os demais "atos secretos"? Quais senadores fizeram uso desses atos? Parece que o DEM tem 14 senadores; o PSDB tem 13 senadores; o PMDB, a maior bancada, conta com 19 excelências no Senado. Quem desses consegue sair ileso da maracutaia?
Na minha santa ignorância não posso deixar de fazer algumas perguntas:
1. Porque só vira notícia os benefícios auferidos pelo bigodudo e seus afilhados?
2. Quem são e que benefícios auferiram as demais excelências?
3. Porque compete ao Presidente da República (que, por coincidência é o Presidente Lula) determinar a deposição do Presidente do Senado (que, por sinal é o bigodudo do PMDB) ?
4. Se o Presidente da República (que, por coincidência é o Presidente Lula) tem que determinar a renúncia do bigoduto, terá que determinar também a renuncia de, pelo menos, 4/5 do senado federal. Isto compete ao Presidente (que, por coincidência é o Presidente Lula)?
5. Não tenho escutado os discursos inflamados, e sinto falta deles, do neto do Senador Antonio Carlos Magalhães. Onde estão o Demóstenes Torres, Efraim Moraes, Magno Malta, Marcelo Crivela, Heráclito Fortes, etc, etc...?
Respondidas ou não as dúvidas acima, passa-me a impressão de que, na realidade, determinada mídia está pouco se incomodando com a corrupção.
Parece que, basta ler ou entreler o conteúdo das manchetes, o que importa são apenas aquelas corrupções que possam atingir, direta ou indiretamente, o presidente da república (que, por coincidência é o Presidente Lula).
Passa-me a impressão, também, de que essa campanha de determinada mídia tem muito pouco a ver com questões éticas ou morais e tudo a ver com o fato de que o PMDB confere apoio e sustentação política ao Presidente (que, por coincidência é o Presidente Lula).
Esse apoio do PMDB é uma ameaça aos planos da tucanada de tomar a chave do cofre republicano de volta. Daí torna-se imperioso provocar um racha do PT com o PMDB e, com isso, limpar a enlamaçada estrada de volta da tucanada ao ninho do planalto.
Só que Lula (por coincidência Presidente) tem se mostrado muito mais esperto do que os discípulos de FHC e não caiu na esparrela de exigir a cabeça do bigodudo.
Muito esperto, o Lula. Para decepção de suas excelências do PSDB e do DEM.
Parece que o golde não está dando certo.
Vamos ver qual será o próximo. Afinall não devemos subestimar a perseverança e a criatividade - duvidosa - da mídia gorda e seus vassalos.

imagem: http://cangarubim.blogspot.com/2009/07/heraclito-acusado-de-usar-e-omitir-atos.html

sábado, 4 de julho de 2009

Governo usará Caixa Econômica para aumentar concorrência no mercado de cartões


Até que enfim alguma coisa parece estar sendo articulada para diminuir a ditadura do Cartão de Crédito.
Vi a notícia no sitio do DIAP e deixo registrada neste meu caderno. Certamente não merecerá destaque na mídia gorda.
Afinal não consigo ver outra função para a Caixa Econômica e o Banco do Brasil que não seja a função social: é no exercício dessa função que reside o seu lucro.
É óbvio que a "professora" de economia Miriam Leitão não concordará com a idéia e fará uma coluna no Globo explicando bem direitinho que o Banco do Brasil e Caixa Econômica irão amargar prejuízos e isso desagradará os acionistas. Haja saco.....

Parabéns Lula.


Sáb, 04 de Julho de 2009 14:39 - (Fonte: Correio Braziliense).


O Governo vai intervir pesadamente no mercado de cartões de crédito, considerado hoje o principal nó do mercado financeiro, por ser pouquíssimo regulado, o que facilita a cobrança de taxas de juros abusivas que chegam a 300% ao ano.
Além das medidas que estão sendo preparadas pelo Banco Central para enquadrar o setor, a serem anunciadas no fim de setembro, a Caixa Econômica Federal deverá criar uma empresa independente para administrar cartões, voltados, principalmente, à baixa renda, impondo maior concorrência no mercado.
"Vamos cuidar de todos os processos, desde a emissão do cartão até a instalação de máquinas no comércio e o processamento das operações", disse um executivo da Caixa.
"Não há mais como esse mercado ser dominado por apenas duas empresas (Visanet e Redecard), que impõem custos altíssimos aos comerciantes e aos consumidores. Isso não é compatível com o processo de concorrência que o BC está impondo ao sistema financeiro", acrescentou.
O modelo a ser executado pela Caixa ainda não está fechado. O banco pode operar de forma independente ou mesmo em parceria com outra empresa de menor porte que já tenha experiência no mercado de cartões de crédito, uma delas, a Hipercard.
"Tudo está sendo avaliado. O importante é que vamos entrar no mercado de cartões e usar a força da Caixa para pressionar a queda dos juros e dos preços dos serviços cobrados do comércio", afirmou o executivo do banco estatal.


Banco do Brasil


O Governo também pretende usar o Banco do Brasil para ampliar a concorrência no mercado de cartões. O BB é um dos principais acionistas da Visanet, que opera a marca Visa.
Por meio do BB, será possível mapear os custos operacionais da Visanet e verificar porque a empresa cobra tão caro dos comerciantes, sobretudo dos de pequeno e médio portes, para operar suas máquinas.
Há indicações de que, nos estabelecimentos beneficiados pelo Simples, os lojistas pagam mais pelo uso da rede de cartões do que em impostos ao Governo.
"É um tremendo absurdo", reconhece um técnico do Ministério da Fazenda, envolvido nas discussões governamentais sobre o setor.
Na avaliação do Banco Central, qualquer medida com o intuito de ampliar a concorrência no mercado de cartões e de reduzir os custos ao comércio e aos consumidores é bem-vinda.
Segundo técnicos da instituição, esse setor já se aproveitou demais da falta de uma regulamentação adequada para cometer abusos.
"Não há mais como fechar os olhos para as incorreções no mercado de cartões. Recebemos, por meio de uma audiência pública, 57 sugestões de mudanças e aperfeiçoamentos do setor. E vamos adotar tudo o que favoreça a ampla concorrência", assinalou um dos técnicos do BC.
Ele, inclusive, já dá como certa a liberação para que haja diferenciação entre o pagamento à vista e com cartão, hoje proibido.

Concentração


Diagnóstico da indústria de cartões no Brasil, feito pelo Banco Central com a ajuda da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, mostra que Visa e Mastercard respondem por mais de 90% das transações com cartões de crédito e de débito.
É um duopólio.
Para chegar a esse percentual, o Banco Central considerou apenas os cartões que podem ser usados no comércio em geral.
Na estatística não estão incluídos os cartões pré-pagos e os de loja, que só podem ser utilizados em estabelecimentos específicos
.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Folha de São Paulo & Dilma Rousseff

Sou contumaz leitor do jornal Folha de São Paulo em fins de semana. Ainda é um dos poucos jornais - o único talvez - em que ainda deposito alguma credibilidade.

Li com especial interesse a matéria publicada no domingo 05/04 cuja manchete dava a entender que a Ministra Dilma teria participado de um elaborado plano para sequestrar Delfim Neto. Como não constava em minha memória histórica que Delfim Neto tenha sido algum dia sequestrado e como, mesmo não tendo no momento nenhuma militância político partidária, estou me transformando num admirador da Ministra Dilma, li muito atentamente toda a matéria. No final me dei conta de que o conteúdo não tinha a relevância que pude imaginar. Até aí tudo bem.


Foto: (www.agenciabrasil.gov.br)

O pior é que desdobramentos mais recentes da matéria dão conta de que tudo foi uma grande mentira da Folha de São Paulo. Ainda pior é saber que a matéria foi montada em cima de documento grosseiramente falsificado. Que decepção!

Estará a Folha de São Paulo trilhando o mesmo caminho da Revista Veja? Custa-me acreditar. Mas agora fica difícil acreditar no Jornal.

Tudo indica que a Ministra resolveu jogar duro. E não poderia ser diferente.

Faço questão de deixar registrado no meu modesto blog a carta expedida pela Ministra Dilma para o Ombudsman da Folha de S. Paulo.

___________________________________________________________

Senhor Jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva

Ombudsman da Folha de S. Paulo,

1. Em 30/03/2009, a jornalista Fernanda Odilla entrevistou-me, por telefone, a pedido do chefe de redação da Folha de S.Paulo, em Brasília, Melchíades Filho, acerca das minhas atividades na resistência à ditadura militar.

2. Naquela ocasião ela me informou que para a realização da matéria jornalística, que foi publicada dia 05/04/09, tinha estado no Superior Tribunal Militar – STM. No entanto, eu soube posteriormente que, com o argumento de pesquisar sobre o Sr. Antonio Espinosa, do qual detinha autorização expressa para tal, aproveitara a oportunidade e pesquisara informações sobre os meus processos, retirando cópias de documentos que diziam respeito exclusivamente a mim, sem a minha devida autorização.

3. A repórter esteve também no Arquivo Público de São Paulo, onde requereu pesquisa nos documentos e processos que me mencionavam, relativos ao período em que militei na resistência à ditadura militar. Neste caso, é política do Arquivo de São Paulo disponibilizar livremente todos os dados arquivados e, em caso de fotocópia, autenticar a cópia no verso com os dizeres "confere com o original", com a data e a assinatura do funcionário responsável pela liberação do documento.

4. Os documentos pesquisados pela jornalista foram aqueles relativos ao Prontuário nº 76.346 e as OSs 0975 e 0029, sendo também solicitadas extrações de cópias.

5. Apesar da minha negativa durante a entrevista telefônica de 30/03 sobre minha participação ou meu conhecimento do suposto seqüestro de Delfim Neto, a matéria publicada tinha como título de capa "Grupo de Dilma planejou seqüestro do Delfim". O título, que não levou em consideração a minha veemente negativa, tem características de "factóide", uma vez que o fato, que teria se dado há 40 anos, simplesmente não ocorreu. Tal procedimento não parece ser o padrão da Folha de S.Paulo.

6. O mais grave é que o jornal Folha de S.Paulo estampou na página A10, acompanhando o texto da reportagem, uma ficha policial falsa sobre mim. Essa falsificação circula pelo menos desde 30 de novembro do ano passado na internet, postada no site www.ternuma.com.br ("terrorismo nunca mais"), atribuindo-me diversas ações que não cometi e pelas quais nunca respondi, nem nos constantes interrogatórios, nem nas sessões de tortura a que fui submetida quando fui presa pela ditadura. Registre-se também que nunca fui denunciada ou processada pelos atos mencionados na ficha falsa.

7. Após a publicação, questionei por inúmeras vezes a Folha de S.Paulo sobre a origem de tal ficha, especificamente o Sr. Melchiades Filho, diretor da sucursal de Brasília. Ele me informou que a jornalista Fernanda Odilla havia obtido a cópia da ficha em processo arquivado no DEOPS – Arquivo Público de São Paulo. Ficou de enviar-me a prova.

8. Como isso não aconteceu, solicitei formalmente os documentos sob a guarda do Arquivo Público de São Paulo que dizem respeito a minha pessoa e, em especial, cópia da referida ficha. Na pesquisa, não foi encontrada qualquer ficha com o rol de ações como a publicada na edição de 05/04/2009. Cabe destacar que os assaltos e ações armadas que constam da ficha veiculada pela Folha de S.Paulo foram de responsabilidade de organizações revolucionárias nas quais não militei. Além disso, elas ocorreram em São Paulo em datas em que eu morava em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro. Ressalte-se que todas essas ações foram objeto de processos judiciais nos quais não fui indiciada e, portanto, não sofri qualquer condenação. Repito, sequer fui interrogada, sob tortura ou não, sobre aqueles fatos.

9. Mais estranho ainda é que a legenda da ficha publicada pela Folha dizia: "Ficha de Dilma após ser presa com crimes atribuídos a ela, mas que ela não cometeu". Ora, se a Folha sabia que os chamados crimes atribuídos a mim não foram por mim cometidos, por que publicar a ficha? Se optasse pela publicação, como ocorreu, por que não informar ao leitor de onde vinha a certeza da falsidade? Se esta certeza decorria de investigações específicas realizadas pela Folha, por que não informar ao leitor os fatos?

10. O Arquivo Público de São Paulo também disponibilizou cópia do termo de compromisso assinado pela jornalista quando de sua pesquisa, ficando evidente que a repórter não teve acesso a nenhum processo que tivesse qualquer ficha igual à publicada no jornal.

11. Mais ainda: a referida não existe em nenhum dos arquivos pesquisados pela jornalista, seja o STM, seja o Arquivo Público de São Paulo. O fato é que até o momento a Folha de S.Paulo não conseguiu demonstrar efetivamente a origem do documento.

12. Considero ainda que a matéria publicada na sexta-feira,17 de março, em que a Folha relata as minhas declarações ao jornalista Eduardo Costa, da rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, não esclarece o cerne da questão sobre a responsabilidade do jornal no lamentável e até agora estranho episódio: de onde veio a ficha que afirmo ser falsa?

13. Após 21 dias de espera, não acredito ser necessária uma grande investigação para responder à seguintes questões: em que órgão público a Folha de S.Paulo obteve a ficha falsa? A quem interessa essa manipulação? Parece-me óbvio que a certeza sobre a origem de documentos publicados como oficiais é um pré-requisito para qualquer publicação responsável.

14. Transcrevo abaixo o texto literal do termo de responsabilidade assinado pela jornalista em 22/01/09:

"Declaro, para todos os fins de Direito, assumir plena e exclusiva responsabilidade, no âmbito civil e criminal, por quaisquer danos morais ou materiais que possa causar a terceiros a divulgação de informações contidas em documentos por mim examinados e a que eu tenha dado causa. Ficam, portanto, o Governo do Estado de São Paulo e o Arquivo do Estado de São Paulo exonerados de qualquer responsabilidade relativa a esta minha solicitação.

Declaro, ainda, estar ciente da legislação em vigor atinente ao uso de documentos públicos, em especial com relação aos artigos 138 e 145 (calúnia, injúria e difamação) do Código Penal Brasileiro.

Assumo, finalmente, o compromisso de citar a fonte dos documentos (Arquivo do Estado de São Paulo) nos casos de divulgação por qualquer meio (imprensa escrita, radiofônica ou televisiva, internet, livros, teses, etc)." (Cópia em anexo)

15. Por último, cabe deixar claro que a ficha falsa foi divulgada em vários sites de extrema direita, como: a) Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), blog de apoio ao Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, ficha falsa postada em 30 de novembro de 2008; b) Coturno Noturno – Blog do Coronel: ficha falsa postada em 27 de março de 2009 (a ficha está "atualizada" apresentando uma foto atual) (http://coturnonoturno.blogspot.com/2009/04/desta-parte-dilma-lembra-tudo.html). A partir daí, outros sites na internet também divulgaram a ficha: a) http://fórum.hardmob.com.Br/showthread.php; b) http:/www.viomundo.com.Br/blog/dilma-terrorista/

16. Estou anexando a este memorial cópia de alguns documentos que considero importantes para sua avaliação:

** Termo de responsabilidade assinado pela jornalista no Arquivo de SP;

** Cópia de fichas onde consta a foto (ou idêntica) à utilizada para montagem da ficha usada pela Folha de S.Paulo

** Cópia da solicitação da jornalista Fernanda Odilla ao STM de acesso a informações sobre Antonio Espinosa

** Autorização do Sr. Antonio Espinosa para acesso aos seus documentos

** Termo de Compromisso assinado pela jornalista Fernanda Odilla junto ao STM.



sábado, 9 de maio de 2009

Não culpem os porcos


A malária é um problema mundial. Essa doença transmitida por mosquito afeta cerca de 300 milhões de pessoas todos os anos, resultando em 1 milhão de mortes. Mais de 90% de todos os casos ocorrem em países africanos, onde é a principal causa de morte de crianças abaixo de cinco anos de idade. Atualmente, a doença é um desafio à saúde pública, com 2 bilhões de pessoas em risco, em mais de 100 países.

Porque será que a malária não desperta na mídia gorda o mesmo interesse que a gripe suína? Será por que está última significa uma ameaça a todas as classes sociais? Ou também por que a nova eventual pandemia significa lucros astronômicos, não divulgados, para determinados setores da economia? Ou ambas as hipóteses.

Lí em O lucro, outra epidemia que avança: Os únicos anti-virais que ainda têm ação contra o novo vírus estão patenteados na maior parte do mundo e são propriedade de duas grandes empresas farmacêuticas: zanamivir, com nome comercial Relenza, comercializado por GlaxoSmithKline, e oseltamivir, cuja marca comercial é Tamiflu, patenteado por Gilead Sciences, com licença exclusiva da Roche. Glaxo e Roche são a segunda e quarta maiores empresas farmacêuticas à escala mundial e, como com todos os seus fármacos, as epidemias são as suas melhores oportunidades de negócio.

Para ficarmos bem informados sobre o que vem rolando nos bastidores da epidemia, sugiro a leitura de:




Se quiserem permanecer desinformados vejam o que falou o porco, digo, tucano José Serra em:

domingo, 22 de fevereiro de 2009

"Exterminem todos os brutos": Gaza 2009



photo by John Soares



Data: 13/02/2009

Artigo publicado originalmente no site de Noam Chomsky, em 19 de janeiro de 2009, um dia antes da posse do presidente dos EUA, Barack Obama.

No sábado, 27 de dezembro, teve início o mais recente ataque de EUA-Israel contra palestinos indefesos. O ataque foi meticulosamente planejado, por mais de seis meses, de acordo com a imprensa israelense. O plano tinha dois componentes: militar e propaganda. Baseou-se nas lições da invasão israelense do Líbano em 2006, que foi considerada pobremente planejada e mal divulgada. Podemos, então, estar razoavelmente confiantes em que a maior parte do que vem sendo feito e dito foi intencional e programado.

Isso certamente inclui o momento do ataque: pouco antes do meio-dia, quando as crianças estavam retornando da escola e multidões circulavam nas ruas densamente povoadas da Cidade de Gaza. Levou apenas poucos minutos para matar mais de 225 pessoas e ferir 700, um auspicioso começo de massacre em massa de civis indefesos, presos numa minúscula jaula sem saída.

Na sua retrospectiva “Inventário das Conquistas da Guerra de Gaza”, o correspondente do New York Times, Ethan Bronner, citou um dos mais significativos desses ganhos. Israel calculou que seria vantajoso parecer que “estava ficando louco”, causando terror largamente desproporcional, uma doutrina cujos traços remontam aos anos 50. “Os palestinos em Gaza entenderam a mensagem no primeiro dia”, escreveu Bronner, “quando os aviões de guerra de Israel atacaram numerosos alvos simultaneamente no meio da manhã de um sábado. Uns 200 morreram instantaneamente, surpreendendo o Hamas e na verdade toda Gaza”. A tática do “estava ficando louco” aparentemente tinha sido bem sucedida, concluiu Bronner: há “certas indicações de que a população de Gaza sentiu tanta dor com essa guerra que buscará pôr um freio no Hamas”, o governo eleito. Essa é outra velha doutrina do terrorismo de estado. Eu não lembro, incidentalmente, da retrospectiva do Times “Inventário das Conquistas da Guerra da Chechênia”, ainda que nesta os ganhos tenham sido grandiosos.

O meticuloso plano também incluía o término do assalto, cuidadosamente marcado para logo antes da posse, a fim de minimizar a (remota) ameaça de que Obama pudesse dizer algumas palavras críticas a esses viciosos crimes apoiados pelos EUA.

Duas semanas depois do Sabbath que inaugurou o assalto, com Gaza já espatifada e com o número de mortos chegando a 1000, a agência das Nações Unidas UNRWA, da qual muitos habitantes de Gaza dependem para sobreviver, anunciou que o exército israelense proibiu o carregamento de ajuda para Gaza, alegando que as estradas estavam fechadas devido ao Sabbath. Para honrar o dia sagrado, aos palestinos no limite de sobrevivência deveriam ser negados comida e medicamentos, enquanto centenas podem ser massacrados pelos aviões de bombardeio norte-americanos e por helicópteros.

Crueldade e cinismo em notas de rodapé

A rigorosa observância do Sabbath nesse duplo sentido atraiu pouco noticiário. O que faz sentido. Nos anais da criminalidade norteamericana-israelense, tamanha crueldade e tamanho cinismo merecem pouco mais que uma nota de rodapé. São também familiares. Para citar um paralelo relevante, em Junho de 1982 a invasão israelense apoiada pelos EUA no Líbano começou com um bombardeio do campo de refugiados palestinos de Sabra e Shatila, que depois iriam se tornar famosos como lugares de massacres terríveis supervisionados pelas IDF (Forças de “Defesa” Israelenses, o exército de Israel). O bombardeio atingiu o hospital local – o hospital de Gaza – e matou mais de 200 pessoas, de acordo com o relato de uma testemunha ocular, um acadêmico norte-americano especialista em Oriente Médio. O massacre foi o ato inicial de uma invasão que chacinou entre 15 e 20 mil pessoas e destruiu a maior parte do sul do Líbano e Beirute, e se realizou com o crucial apoio militar e diplomático dos EUA. Isso inclui vetos nas resoluções do Conselho de Segurança visando a deter a agressão criminosa que estava sendo cometida, e mal escondida, para defender Israel da ameaça de um acordo político pacífico, contrário a muitas fabricações convenientes relativas ao sofrimento dos israelenses sob intensos foguetes, uma fantasia de apologistas.

Tudo isso é normal e bastante discutido abertamente pelos altos oficiais israelenses. Trinta anos atrás o alto comandante do exército israelense, Mordechai Gur observou que desde 1948 “temos lutado contra uma população que vive em vilas e cidades”. Como o mais proeminente analista militar, Zeev Schiff resumiu em suas observações, “o exército israelense sempre atacou populações civis, proposital e conscientemente...o exército”, disse ele, “nunca distinguiu alvos civis [de militares]...mas propositalmente atacou alvos civis”. As razões foram apresentadas pelo distinto homem de estado Abba Eban: “havia um projeto racional, em última análise alcançado, de que as populações afetadas iriam fazer pressão para que as hostilidades cessassem”. O efeito, como Eban entendeu bem, seria permitir a Israel implementar, sem distúrbios, seus programas de expansão ilegal e de repressão áspera.

Eban estava comentando uma análise do primeiro ministro Begin, do governo trabalhista, sobre os ataques desferidos contra civis, apresentando um quadro, disse Eban, “em que Israel brutalmente inflinge morte e aflição em populações civis, num estado de ânimo reminiscente de regimes que nem o senhor Begin nem eu ousaríamos mencionar os nomes”. Eban não contestava os fatos analisados por Begin, mas o criticava por tê-los exposto publicamente. Não concernia a Eban, nem a seus admiradores, que sua defesa do sólido terror de estado também seja reminiscente de regimes que ele não ousaria mencionar o nome.

A tentativa de "educar" o Hamas

As justificações de Eban do terror de estado são tomadas como convincentes por autoridades respeitadas. Enquanto o recente ataque israelo-estadunidense ainda fazia barulho, o colunista do Times, Thomas Friedman, explicava que a tática atual de Israel, como aquela adotada durante a invasão do Líbano em 2006, estava baseada num princípio louvável: “tentar educar” o Hamas, ao inflingir perdas pesadas aos seus militantes e sofrimentos terríveis à população de Gaza”. Isso se compreende em termos pragmáticos, como foi o caso no Líbano, em que “a única dissuasão de longo prazo foi expor os civis – as famílias e empregados dos militantes – a calamidades, para que eles não apóiem o Hizbollah no futuro”. E, por uma lógica similar, o esforço de Bin Laden para “educar” os americanos no 11 de Setembro foi altamente louvável, bem como os ataques nazistas a Lídice e Oradour, a destruição que Putin causou em Grozny, e outras notáveis tentativas de “educação”.

Israel tem envidado esforços para tornar clara sua dedicação a esses princípios reguladores. O correspondente do New York Times, Stephen Erlanger, reporta que os grupos israelenses de direitos humanos estão “perturbados com os ataques israelenses em prédios que acreditam devam ser classificados como civis, como o parlamento, as delegacias de polícia e o palácio presidencial” - e, podemos acrescentar, vilas, casas, campos de refugiados densamente povoados, sistemas de água e esgoto, hospitais, escolas e universidades, mesquitas, instalações de ajuda humanitária das Nações Unidas, ambulâncias e na verdade qualquer coisa que possa aliviar a dor de vítimas sem valor. Um oficial sênior da inteligência do IDF explicou que o exército “atacou ambos os aspectos do Hamas – sua ala de resistência ou militar e seu dawa, ou ala social”, esta última, um eufemismo para a sociedade civil. “Ele argumentou que o Hamas era um todo”, continua Erlanger, “e, numa guerra, seus instrumentos de controle político e social eram alvos tão legítimos com o são seus abrigos dos foguetes”.

Nem Erlanger nem seus editores acrescentaram qualquer comentário quanto à defesa aberta e à prática de terrorismo em massa alvejando civis, embora correspondentes e colunistas afirmem sua tolerância e mesmo a defesa de crimes de guerra, como já se notou. Mas, para manter a regra, Erlanger não deixa de enfatizar que os foguetes do Hamas são “uma óbvia violação do princípio de discriminação e se encaixa na clássica definição de terrorismo”.

Assim como outros especialistas em Oriente Médio familiarizados com a região, Fawwaz Gerges observa que “o que os oficiais israelenses e seus aliados americanos não avaliam é que o Hamas não é apenas uma milícia armada, mas um movimento social com uma grande base popular profundamente consolidada na sociedade”. Portanto, quando eles levam a cabo seus planos de destruir a “ala social” do Hamas, estão visando a destruir a sociedade palestina.

Talvez Gerges esteja sendo gentil demais. É muitíssimo improvável que os oficiais israelenses e norte-americanos – ou a mídia e outros colunistas – não tenham uma avaliação desses fatos. Antes, eles implicitamente adotam a perspectiva tradicional daqueles que monopolizam os meios de violência: com um soco norte-americano esmagamos toda oposição, e se o saldo civil de nossos ataques brutais é pesado, também é bom: pode ser que os sobreviventes venham a ser convenientemente educados.

"São vileiros com armas"

Os oficiais israelenses entendem claramente que estão destruindo a sociedade civil palestina. Ethan Bronner cita um coronel israelense que diz que ele e seus homens não estão muito “impressionados com os combatentes do Hamas”. “São vileiros com armas”, declarou um atirador num blindado de transporte da tropa. Eles parecem com essas vítimas da criminosa operação “mão de ferro” do IDF no sul ocupado do Líbano, em 1985, dirigida por Shimon Peres, um dos maiores líderes terroristas da era da “Guerra contra o Terror” de Reagan. Durante essas operações, os comandantes israelenses e os analistas de estratégia explicaram que as vítimas eram “vileiros terroristas” difíceis de erradicar, porque “esses terroristas operam com o apoio da maior parte da população local.” Um comandante israelense reclamou que “o terrorista... tem muitos olhos aqui, porque ele vive aqui”, enquanto o correspondente militar do Jerusalém Post descreveu os problemas que as forças israelenses enfrentaram, combatendo “mercenários terroristas”, “fanáticos suficientemente dedicados a suas causas a ponto de correrem o risco de serem mortos enquanto lutam contra as IDF”, que deve “manter a ordem e a segurança” no sul ocupado do Líbano, a despeito 'do preço' que os seus habitantes terão de pagar”. O problema tem sido familiar aos dos norte-americanos no Vietnã do Sul, aos dos russos no Afeganistão, aos dos alemães na Europa ocupada, e a outros agressores que vêem a si como implementando a doutrina Gur-Eban-Friedman.

Gerges acredita que o terror israelo-norte-americano vai fracassar. O Hamas, ele escreve, “não pode ser exterminado sem que 500 mil palestinos sejam massacrados. Se Israel for bem sucedido matando os líderes mais antigos do Hamas, uma nova geração, mais radical que essa, rapidamente os substituirá. Hamas é um fato da vida. Ele não vai desaparecer, e não vai levantar a bandeira branca, não importa quantas perdas sofra”.

Talvez, mas sempre há uma tendência a subestimar a eficácia da violência. É particularmente esquisito que uma crença como essa se sustente nos EUA. Por que eles estão aqui?

O Hamas é frequentemente descrito como “apoiado pelo Irã, que quer a destruição de Israel”. Será difícil encontrar algo como “democraticamente eleito Hamas, que há muito vem demandando um acordo pelos dois estados com base no consenso internacional” - bloqueado por trinta anos pelos EUA e Israel, que rejeitam o direito dos palestinos à autodeterminação. Tudo isso é verdade, mas não é útil para a agenda [Party Line], portanto, é dispensável.

Esses detalhes mencionados acima, ainda que menores, nos ensinam algo a respeito de nós mesmos e de nossos clientes. Entre outras coisas. Para mencionar uma delas, quando o último assalto israelo-norte-americano em Gaza começou, um pequeno barco, o Dignity, estava a caminho de Gaza, vindo do Chipre. Os médicos e ativistas dos direitos humanos que estavam a bordo pretendiam furar o bloqueio criminoso de Israel e levar suprimentos médicos à população aprisionada. A Marinha Israelense interceptou o barco em águas internacionais, bateu e quase o afundou, até o Dignity se dirigisse a duras penas para o Líbano. Israel publicou suas mentiras de rotina, refutada por jornalistas e passageiros a bordo, inclusive o correspondente da CNN, Karl Penhaul, e a representante norte-americana, ex-candidata a presidente pelo Partido Verde, Cynthia McKinney.

Esse é um crime sério – muito pior, por exemplo, do que sequestrar barcos na costa da Somália. Foi pouco noticiado. A aceitação tácita desses crimes reflete o entendimento de que Gaza é um território ocupado, e que Israel está autorizado a implementar seus programas de punição da população civil por desobedecer aos seus comandos – sob os pretextos aos quais sempre retornamos, quase universalmente aceitos, mas claramente frouxos.

Mais uma vez, a falta de atenção faz sentido. Por décadas Israel vem sequestrando barcos em águas internacionais entre o Chipre e o Líbano, matando ou sequestrando passageiros, algumas vezes levando-os para as prisões de Israel, inclusive para prisões secretas e câmaras de tortura, para tomá-los como reféns durante anos. Se essas práticas são rotina, por que tratar um novo crime com mais do que um bocejo? O Chipre e o Líbano reagem bastante, mas o que são esses países na ordem das coisas?

Ditadura egípcia, o mais vergonhoso dos regimes árabes

Quem se preocupa, por exemplo, se o editor do Libano Daily Star, geralmente pró-ocidente, escreve que “algo como um milhão e meio de pessoas em Gaza estão sendo submetidas à administração assassina de uma das mais avançadas tecnologicamente, mas moralmente regressivas, máquinas de guerra”? É frequentemente sugerido que os palestinos se tornaram para o mundo árabe o que os judeus eram para a Europa no período pré-Segunda Guerra, e há algo de verdadeiro nessa interpretação. Como algo tão repugnantemente adequado, que, assim como europeus e norte-americanos viraram as costas quandos os nazis perpetravam o holocausto, os árabes estão buscando um jeito de não fazer nada, enquanto os israelenses massacram as crianças palestinas”. Talvez o mais vergonhoso dos regimes árabes seja a brutal ditadura egípcia, a beneficiária de muita ajuda militar norte-americana, além de Israel.

De acordo com a imprensa libanesa, Israel ainda “sequestra rotineiramente civis libaneses do lado libanês da Linha Azul [a fronteira internacional], mais recententemente em Dezembro de 2008". E, é claro, “os aviões israelenses invadem o espaço aéreo libanês, numa violação diária da Resolução 1701 das Nações Unidas” (O acadêmico libanês Amal Saad-Ghorayeb, Daily Star, 13 de Janeiro). Isso também vem acontecendo há muito tempo. Quando condenou a invasão do Líbano em 2006, o proeminente analista estratégico israelense, Zeev Maoz, escreveu na imprensa israelense que:

“Israel violou o espaço aéreo libanês ao levar a cabo missões de reconhecimento quase diariamente, desde a retirada do sul do Líbano, seis anos atrás. É verdade que esses sobrevôos de reconhecimento não causaram quaisquer baixas, mas uma violação de fronteira é uma violação de fronteira. Aqui, também, Israel não tem a moral elevada”.

E em geral não há base para o “consenso estabelecido em Israel de que a guerra contra o Hizbollah no Líbano seja apenas uma guerra moral e justa”, um consenso “baseado numa memória seletiva de curto prazo, numa perspectiva introvertida e segundo critérios dúbios. Essa não é uma guerra justa, o uso da força é excessivo e indiscriminado, e seu fím último é a extorsão”.

Como Maoz também lembra aos seus leitores israelenses que sobrevôos com bombas de som para aterrorizar libaneses são os menores dos crimes de Israel no Líbano, aparte as cinco invasões desde 1978:

“Em 28 de julho de 1988 as Forças Especiais Israelenses sequestraram Sheikh Obeid, e em 21 de maio de 1994 Israel sequestrou Mustafa Dirani, responsável pela captura do piloto israelense Ron Arad [quando ele estava bombardeando o Líbano em 1986]. Israel mantém cativos esses e mais 20 libaneses capturados em circunstâncias não esclarecidas na prisão por longos períodos, sem julgamento. Eles foram usados como 'moeda de barganha' humana. Aparentemente, quando o Hizbollah sequestra israelenses para fins de 'troca' de prisioneiros se trata de algo moralmente repreensível, e militarmente passível de penalidade; mas não se é Israel que está fazendo exatamente a mesma coisa” e numa escala muito maior e ao longo de muitos anos.

As práticas corriqueiras de Israel são significativas mesmo se não levamos em conta o que elas revelam da criminalidade israelense e do apoio que o Ocidente lhe dá. Como indica Maoz, essas práticas revelam a completa hipocrisia da exigência standard de que Israel tinha o direito de invadir o Líbano mais uma vez, em 2006, quando soldados israelenses foram capturados na fronteira, na primeira violação de fronteira protagonizada pelo Hizbollah nos seis anos que se seguiram à retirada de Israel do sul do país que ocupou, violando as ordens do Conselho de Segurança da ONU e retrocedendo 22 anos, enquanto durante esses seis anos Israel violou a fronteira quase diariamente com impunidade e silêncio, do lado de cá.

Mais uma vez, a hipocrisia é rotina. Então Thomas Friedman, enquanto explica como essa sub-raça deve ser “educada” pela violência terrorista, escreve que a invasão israelense do Líbano em 2006, destruindo de novo a maior parte do sul do país e Beirute e matando mais 1000 civis é apenas um ato de autodefesa, respondendo ao crime do Hizbollah de “lançar-se numa guerra não provocada através da fronteira Israel-Líbano reconhecida pelas Nações Unidas, depois da retirada unilateral de Israel do Líbano”.

Deixando de lado a mentira, ataques terroristas muito mais destrutivos e mortíferos contra israelenses do que qualquer um que tenha sido desferido estariam plenamente justificados, em resposta às práticas israelenses no Líbano e em alto mar, que excedem vastamente o crime do Hizbollah de capturar dois soldados na fronteira. O veterano especialista em Oriente Médio do NYT certamente sabe desses crimes, ao menos se leu o próprio jornal em que escreve: por exemplo, o parágrafo 18 de uma história de trocas de prisioneiros em Novembro de 1983 que observa, casualmente, que 37 dos prisioneiros árabes “tinham sido capturados recententemente pela Marinha Israelense enquanto tentavam ir do Chipre a Trípoli”, no norte de Beirute.

"Isso somos nós e aquilo, eles"

É claro que todas essas conclusões sobre ações adequadas contra os ricos e poderosos estão baseadas num vício fundamental: isso somos nós e aquilo, eles. Esse é um princípio crucial, profundamente enraizado na cultura Ocidental, suficiente para solapar até a mais precisa analogia e o mais impecável raciocínio.

Enquanto escrevo, um outro barco se dirige de Chipre para Gaza, “levando suprimentos médicos de urgência em caixas seladas, verificadas pelas alfândegas no Aeroporto Internacional de Larnaca e no Porto de Larnaca”, dizem os organizadores. Os passageiros incluem membros do Parlamento Europeu e médicos. Israel tem sido notificado do seu intento humanitário. Com suficiente pressão popular, eles devem conseguir realizar sua missão em paz.

Os novos crimes que os EUA e Israel vêm cometendo em Gaza nas últimas semanas não se encaixam facilmente em nenhuma categoria standard – à exceção da categoria familiaridade. Eu acabei de dar vários exemplos, e vou retornar a outros. Literalmente, os crimes caem sob a categoria oficial das definições governamentais dos EUA de “terrorismo”, mas essa designação não captura sua enormidade. Eles não podem ser chamados de “agressão”, porque estão sendo conduzidos em território ocupado, como os EUA tacitamente concede. Na sua história geral dos assentamentos israelenses em territórios ocupados, os Senhores da Terra [Lords of the Land], Idit Zertal e Akiva Eldar dizem que, depois de Israel ter retirado suas forças de Gaza em agosto de 2005, o território arruinado não foi liberado “por nem sequer um dia do controle militar israelense ou do preço da ocupação que seus habitantes pagam todos os dias...Israel deixou para trás terra arrasada, serviços devastados e pessoas sem presente nem futuro. Os assentamentos foram destruídos num movimento não generoso de um ocupante não esclarecido, que de fato continua a controlar o território e mata e molesta seus habitantes por meio de seu formidável poder militar” - exercido com extrema selvageria, graças ao apoio fime e à participação dos EUA.

O ataque israelo-norte-americano em Gaza intensificou-se em janeiro de 2006, poucos meses depois da retirada formal dos assentamentos, quando os palestinos cometeram um verdadeiro crime hediondo: eles votaram “errado” numa eleição livre. Como outros, os palestinos aprenderam que não se desobedece impunemente aos comandos do Senhor, que continua a tagarelar seu “anseio por democracia”, sem suscitar ridículo nas classes educadas, outra conquista impressionante.

À medida que os termos “agressão” e “terrorismo” são inadequados, algum termo novo é necessário para a tortura sádica e covarde de um povo enjaulado, sem possibilidade de escapar, enquanto estão sendo reduzidos a pó pelo mais sofisticado dos produtos da tecnologia militar norte-americana – usado na violação de leis internacionais e mesmo das próprias leis norte-americanas, mas por auto-declarados estados fora-da-lei, o que é apenas mais uma tecnicalidade menor.

Também é tecnicalidade menor o fato de que em 31 de dezembro, enquanto os habitantes aterrorizados de Gaza procuravam desesperadamente abrigo do ataque brutal, Washington contratou um navio mercante alemão para transportar da Grécia para Israel um pesado carregamento de 3000 toneladas de munição “não identificada”. Essa expedição “segue o fretamento de um navio comercial que transporta dos EUA para Israel um carregamento muito maior de material bélico, antes do ataques aéreos de dezembro sobre a faixa de Gaza”, disse a Reuters.

Tudo isso mais 21 milhões de dólares em ajuda militar norte-americana fornecida pela administração Bush a Israel, a maioria sob a forma de subvenções. “A intervenção de Israel na Faixa de Gaza foi fortemente alimentada pelas armas fornecidas pelos EUA, pagas com dinheiro dos contribuintes”, informou a New American Foundation, que monitora o comércio de armamento. A última expedição foi interditada por uma decisão do governo grego de impedir a utilização de seus portos para “aprovisionamento do exército de Israel”.

A resposta da Grécia aos crimes israelenses apoiados pelos EUA é bastante diferente da performance covarde da maior parte dos dirigentes da Europa. Essa distinção mostra que Washington talvez tenha sido bastante realista ao tomar a Grécia como parte do Oriente Médio, não da Europa, até o golpe em 1974 da ditadura fascista sustentada pelos EUA. Pode ser que a Grécia seja civilizada demais para fazer parte da Europa.

Caso alguém tenha achado o momento da entrega das armas a Israel curioso, o Pentágono tem uma resposta: o carregamento chegaria muito tarde para que desse tempo de ser usado no ataque à Faixa de Gaza, e o material militar, o que quer que ele seja, devia estar pré-posicionado em Israel para o uso do exército norte-americano. Talvez seja exatamente isso. Um dos numerosos serviços que Israel oferece a seu patrão é o de lhe fornecer uma base militar na periferia de uma das maiores fontes energéticas do mundo. Pode portanto servir de base avançada para uma agressão dos EUA – ou, para utilizar termos técnicos, para “defender a região do Golfo” e “assegurar sua estabilidade”.

O enorme fluxo de armas para Israel serve a muitos propósitos. O analista político do Oriente Médio, Mouin Rabbani, observa que Israel pode testar novas armas contra alvos indefesos. Isso serve a Israel e aos EUA “duplamente, de fato, uma vez que as versões de menor performance dessas mesmas armas são vendidas com preços inflacionados aos estados árabes, que contribuem eficazmente para a indústria miliar dos EUA e para as subvenções militares norte-americanas, em Israel”. Essas são funções suplementares que Israel exerce num Oriente Médio dominado pelos Estados Unidos, e uma das razões pelas quais Israel é tão favorecido pelas autoridades estatais [dos EUA], juntamente a uma série de corporações norte-americanas de alta tecnologia e, é claro, a indústrias militares e de inteligência.

As armas e treinamentos dos EUA desempenharam papel em 20 das 27 maiores guerras em 2007

Deixando Israel de lado, os EUA são de longe o maior fornecedor de armas do mundo. O relatório recente da New American Foundation conclui que “as armas e treinamentos dos EUA desempenharam papel em 20 das 27 maiores guerras em 2007”, obtendo uma receita de 23 bilhões de dólares que aumentou para 32 bilhões, em 2008. É pouco impressionante que, dentre as inúmeras resoluções da ONU a que os EUA se opôs na sessão de dezembro de 2008 estava uma solicitando regulação do comércio de armas. Em 2006, só os EUA votou contra o tratado, mas em novembro de 2008 ganhou um novo parceiro: Zimbábue.

Também houve outros votos notáveis na sessão de dezembro da ONU. Uma resolução relativa ao “direito do povo palestino à autodeterminação” foi aprovada por 173 a 5 (EUA, Israel, dependências das Ilhas Pacíficas; os EUA e Israel com pretextos evasivos). O voto reafirma a postura de rejeição israelo-norte-americana, enveredando no isolamento internacional. Da mesma maneira, uma resolução defendendo a “liberdade universal de viajar e a importância vital do reagrupamento familiar” foi adotada com a oposição de Israel, EUA e as dependências das Ilhas Pacíficas, presumivelmente com os palestinos na cabeça.

Votando contra o direito ao desenvolvimento, os EUA perderam Israel mas ganharam a Ucrânia. Votando contra o “direito à alimentação”, os EUA esteve sozinho, um fato particularmente notável, diante da enorme crise alimentar, obscurecendo a crise financeira que ameaça as economias ocidentais.

Há boas razões por que o registro desses votos é consistentemente escondido e despachado para o recôndito da memória de toda mídia e dos intelectuais conformistas. Não seria inteligente revelar ao público o que os votos de seus representantes implicam. No caso presente seria claramente inútil deixar o público saber que a postura de rejeição de Israel e dos EUA, impedindo um acordo de paz há muito defendido pelo mundo, chega ao extremo de negar aos palestinos até mesmo o direito abstrato de autodeterminação.

Um dos heróicos voluntários em Gaza, o médico norueguês Mads Gilbert descreve a cena de horror como uma “guerra total dirigida contra a população civil de Gaza”. Ele avalia que metade das perdas é de mulheres e crianças. Dentre os homens, quase todos também são civis, em padrões civilizados. Gilbert informa que mal viu, dentre as centenas de corpos, uma perda militar. O IDF concorda. O Hamas “ou combate de longe ou não combate, simplesmente”, disse Ethan Bronner, enquanto informa, “inventariando os ganhos” do ataque israelo-norte-americano.

Então, o poder dos homens do Hamas permanece intacto, e a maior parte dos que sofreram é de civis: um resultado positivo, segundo uma doutrina muito bem difundida.

Essas estimativas foram confirmadas pelo sub-secretário geral da ONU para assuntos humanitários, John Holmes, que informou ser uma “estimativa confiável” a de que a maior parte dos civis mortos eram mulheres e crianças, numa crise humanitária que “está piorando a cada dia, enquanto a violência continua”. Mas poderíamos ficar confortáveis com as palavras da Ministra israelense para Assuntos Estrangeiros, Tzipi Livni, a pomba pacifista da atual campanha eleitoral, que assegurou ao mundo que não há “crise humanitária” em Gaza, graças à benevolência israelense.

Como outros que se preocupam com seres humanos e seus destinos, Gilbert e Holmes imploraram por um cessar-fogo. Mas não agora. “Nas Nações Unidas, os EUA impediu o Conselho de Segurança de fazer uma declaração formal no sábado à noite, pedindo um imediato cessar-fogo”, mencionou, de passagem, o NYT. A razão oficial era que “não há indicação de que o Hamas iria respeitar qualquer acordo”. Nos anais das justificações do deleite de massacrar, essa deve estar entre as mais cínicas. Isso tudo certamente sob Bush e Rice, que seriam em breve substituídos por Obama, o qual repete com compaixão que “se os mísseis caíssem sobre minhas duas filhas dormindo, eu faria tudo para pôr um fim nisso”. Ele fazia referência às crianças israelenses, não às centenas de crianças aos pedaços, na Faixa de Gaza, com armas dos EUA. Além disso, Obama manteve seu silêncio.

Poucos dias depois, sob intensa pressão internacional, os EUA sustentaram uma resolução do Conselho de Segurança apelando a um “cessar-fogo duradouro”. Essa resolução passou por 14 a 0; os EUA se absteve. Os falcões de Israel e dos EUA ficaram enraivecidos porque os EUA não opôs seu veto, como de hábito. A abstenção, contudo, foi suficiente para dar a Israel, senão uma luz verde, pelo menos uma amarela, na escalada de violência a qual se dedicou com afinco até a posse de Obama, conforme o previsto.

Quando o cessar-fogo (teoricamente) entrou em vigor em 18 de janeiro, o Centro Palestino para os Direitos Humanos publicou as cifras do último dia do ataque: 54 palestinos assassinados, incluindo 43 civis desarmados, 17 deles crianças, enquanto o IDF continuou a bombardear casas de civis e escolas da ONU. O número de mortos, eles estimaram, chegou a 1184, incluindo 844 civis, dentre os quais 281 crianças. O IDF continuou a usar bombas incendiárias ao longo da Faixa de Gaza, e a destruir casas e terras cultivadas, forçando civis a deixarem suas casas. Poucas horas depois, a Reuters informou que mais de 1300 tinham sido mortos. A equipe do Centro Al Mezan, que monitora cuidadosamente as baixas e a destruição, visitou áreas que estavam antes inacessíveis por causa do pesado e incessante bombardeio. Eles descobriram dúzias de corpos de civis em decomposição sob as pedras de casas destruídas ou removidas pelas escavadoras israelenses. Quarteirões urbanos inteiros desapareceram.

O número de mortos e feridos certamente está subestimado. E é pouco provável que venha a se instaurar qualquer inquérito sobre essas atrocidades. Crimes de inimigos oficiais estão sujeitos a investigações rigorosas, mas os nossos próprios são sistematicamente ignorados. A prática comum, de novo e compreensível, da parte dos senhores.

A Resolução do Conselho de Segurança pediu a interrupção da chuva de armas em Gaza. Os EUA e Israel (Rice-Livni) rapidamente chegaram a um acordo sobre as medidas para assegurar esse fim, concentrando-se nas armas iranianas. Não há necessidade de interromper o contrabando de armas dos EUA para Israel, porque não há contrabando: o imenso fluxo de armas é bastante público, mesmo quando não é reportado, como no caso da expedição de armas anunciada enquanto ocorria a matança em Gaza.

A Resolução também pedia que se “assegurasse a reabertura sustentável dos pontos de passagem, com base no Acordo sobre os Movimentos e Acesso (AMA) assinado em 2005, entre a Autoridade Palestina e Israel”. Esse acordo estipulava que os acessos para Gaza seriam abertos de maneira contínua e que Israel permitiria a passagem dos bens e das pessoas entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

O acordo Rice-Livni não disse coisa alguma quanto a esse aspecto da Resolução do Conselho de Segurança. EUA e Israel já tinham de fato abandonado o Acordo de 2005 como parte da punição aos palestinos por eles terem votado errado na eleição de janeiro de 2006. Na entrevista coletiva de Rice depois do Acordo Rice-Livni, ela enfatizou os esforços constantes para solapar os resultados de uma eleição livre no mundo árabe. “Há muito o que pode ser feito”, disse ela, “para tirar Gaza do reino de trevas do Hamas e a trazer para a luz que a boa governança da Autoridade Palestina pode conduzir” - ao menos enquanto esta permanecer como um cliente leal, tomado pela corrupção e dedicado a conduzir uma repressão severa, quer dizer, obediente.

EUA e Israel entregaram ao Irã uma doce vitória

Retornando de uma viagem ao mundo árabe, Fawwaz Gerges afirmou com força aquilo que outros já haviam reportado sobre o tema. O efeito da ofensiva israelo-norte-americana em Gaza tem sido o enfurecimento das populações e o surgimento de amargura e ressentimento dos agressores e de seus colaboradores. “É suficiente dizer que os países árabes assim chamados de moderados (isto é, aqueles que seguem as ordens de Washington) estão na defensiva, e que a resistência conduzida pelo Irã e pela Síria é a maior beneficiária. Mais uma vez, Israel e a administração Bush entregaram à liderança iraniana uma doce vitória”. Mais ainda, “o Hamas provavelmente emergirá como força política mais poderosa do que antes e vai provavelmente ultrapassar o Fatah, o aparelho de governo do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas”, o favorito de Rice.

Vale a pena ter em mete que o mundo árabe não está escrupulosamente protegido da única tevê que transmite ao vivo a cobertura do que está acontecendo em Gaza, a saber, a “calma e equilibrada análise do caos e da destruição”, feita pelos extraordinários repórteres da al-Jazeera, que oferece “uma alternativa inflexível aos canais terrestres”, como informou o Financial Times. Em 105 países que carecem das nossas eficientes modalidades de autocensura, as pessoas podem ver o que está acontecendo 24 por dia, e o impacto deve ser muito grande. Nos EUA, o NYT informa que “o quase total blackout a al-Jazeera se deve sem dúvida às críticas agudas que a emissora recebeu do governo dos EUA, nas primeiras etapas da guerra no Iraque, por sua cobertura da invasão norte-americana”. Cheney e Rumsfeld objetaram, então, obviamente, a mídia independente só poderia obedecer.

Há debates bastante sóbrios a respeito do que os ataques visavam a alcançar. Alguns objetivos são comumente discutidos. Entre eles, a retomada da chamada “capacidade de dissuasão” que Israel perdeu nos seus fracassos no Líbano, em 2006 – isto é, a capacidade de aterrorizar qualquer opositor potencial até sua submissão. Há, contudo, objetivos mais fundamentais que tendem a ser ignorados, ainda que eles também pareçam razoavelmente óbvios quando damos uma olhada na história recente.

Israel deixou Gaza em setembro de 2005. Os linha-dura racionais, como Ariel Sharon, o santo padroeiro do movimento dos assentados, entendeu que seria sem sentido subsidiar alguns milhares de assentamentos israelenses nas ruínas de Gaza, protegidos pelo IDF enquanto usam muita terra com recursos escassos. Faria mais sentido tornar Gaza uma das maiores prisões do mundo e transferir os assentamentos para a Cisjordânia, território muito mais valioso, onde Israel é bastante explícito quanto a suas intenções, nas palavras e ainda mais nos atos.

Um objetivo é anexar a terra árabe, o abastecimento de água, e seus agradáveis subúrbios de Jerusalém e Tel Aviv que ladeiam o muro de separação, irrelevantemente declarado ilegal pela Corte Internacional de Justiça. Isso inclui uma Jerusalém vastamente expandida, em violação às solicitações do Conselho de Segurança que datam de 40 anos, também irrelevante. Israel também está tomando para si o Vale do Jordão, algo como um terço da Cisjordânia. O que resta está, portanto, aprisionado e, mais ainda, partido em dois fragmentos por assentamentos judaicos que dividiram o território em 3 pedaços: um no leste da Grande Jerusalém, passando pela cidade de Ma'aleh Adumim, desenvolvida durante os anos Clinton para separar a Cisjordânia; e dois no norte, passando pelas cidades de Ariel e Kedumim. O que sobra para os palestinos está segregado por centenas de checkpoints, a imensa maioria deles, ilegais.

Os checkpoints não tem relação com a segurança de Israel, e se algum deles visa a salvaguardar assentamentos é completamente ilegal, como determina a Corte Internacional de Justiça. Na realidade, o seu maior objetivo é aterrorizar a população palestina e fortificar o que o pacifista isralense Jeff Halper chama de “matriz de controle”, constituída para tornar a vida insuportável para as “bestas-bípedes” que ficarão como “baratas tontas drogadas correndo dentro de uma garrafa” se pretenderem manter suas casas e sua terra. Tudo isso é bastante justo, porque eles são “como gafanhotos, em comparação conosco”, portanto, suas cabeças podem ser “amassadas contra pedras e muros”. Essa terminologia provém do alto comando político e militar israelense, neste caso, reverenciados como “príncipes”. E atitudes moldam políticas.

As pregações das autoridades rabínicas

Os delírios dos comandos militar e político são peixe pequeno se comparados às pregações das autoridades rabínicas. Elas não são figuras marginais. Ao contrário, exercem alta influência no exército e no movimento dos assentados, os quais Zertal e Eldar descrevem como os “senhores da terra”, com enorme impacto na política. Os soldados que estavam lutando no norte de Gaza foram agraciados com uma visita “inspiradora” de dois rabinos importantes, que lhes explicaram que não havia “inocentes” em Gaza, de modo que todos eram alvos legítimos, citando uma passagem dos Salmos, pedindo a Deus que pegue as crianças dos opressores de Israel e as jogue contra as pedras.

Os rabinos não estavam caminhando em terreno desconhecido. Um ano antes, o ex-líder da comunidade sefaradí escreveu ao Primeiro Ministro Olmert, informando-o que todos os civis em Gaza são coletivamente culpados pelos ataques de foguetes, de modo que não havia “absolutamente qualquer proibição moral contra a matança indiscriminada de civis durante uma potencial ofensiva militar massiva em Gaza, visando a interromper o lançamento dos foguetes”, conforme reportou o Jerusalem Post. Seu filho, o grande rabino de Safed, explicou mais elaboradamente:

“Se eles não pararem depois de matarmos 100, então temos de matar mil, e se depois de 1000 não pararem, então devemos matar 10 000. Se ainda assim eles não pararem, devemos matar 100 000, mesmo um milhão. O que quer que tenha de ser feito para fazer eles pararem”.

Pontos de vista similares são expressos por proeminentes figuras seculares americanas. Quando Israel invadiu o Líbano em 2006, o professor da Faculdade de Direito da Universidade Harvard, Alan Dershowitz, explicou no Huffington Post, um jornal liberal online, que todos os libaneses são alvos legítimos da violência de Israel. Os cidadãos libaneses estão “pagando o preço” por apoiarem o “terrorismo” - isto é, por apoiarem a resistência à invasão israelense. De acordo com esse raciocínio, os civis libaneses não são mais imunes do que os austríacos que apoiaram os nazis. A fatwa do rabino sefaradí se lhes aplica. Num vídeo no site do Jerusalem Post, Dershowitz chega a ridicularizar a excessiva comparação de mortos palestinos a israelenses: deveria ser aumentada de 1000 para um, disse ele, ou mesmo 1000 a zero, querendo dizer que os brutos deveriam ser completamente exterminados. É claro, ele está se referindo a “terroristas”, uma categoria vasta que inclui as vítimas do poder de Israel, à medida que “Israel nunca toma civis como alvos”, declarou ele, enfaticamente. Segue-se que palestinos, libaneses, tunisianos, na verdade qualquer um que apareça no caminho das armas brutais do Santo Estado é um terrorista, ou uma vítima acidental de seus crimes justos.

Não é fácil encontrar contrapartidas históricas dessas performances. Talvez seja de algum interesse que elas sejam consideradas inteiramente apropriadas na cultura moral e intelectual reinante – quando são produzidas do “nosso lado”, como são; das bocas dos inimigos oficiais palavras desse tipo gerariam justas indignações e exigências de imediata e massiva violência em revanche.

A afirmação de que “nosso lado” nunca toma civis como alvo é da doutrina familiar dos que monopolizam o significado da violência. E há alguma verdade nisso. Geralmente não tentamos matar civis em particular. Antes, levamos a cabo atos assassinos que sabemos vai massacrar muitos civis, mas sem qualquer intento específico de matar alguns em particular.

Segundo o direito, essas práticas rotineiras podem cair sob a categoria da indiferença depravada, mas essa não é uma designação adequada para os padrões da prática e da doutrinas imperiais. É mais parecido com andar na rua sabendo que podemos matar formigas, mas sem a intenção de fazê-lo, porque elas valem tão pouco que isso simplesmente não importa. O mesmo ocorre quando Israel comete ações que sabe matarão “gafanhotos” e “bestas-bípedes” a quem acontece de estar infestando a terra que será “liberada”. Não há um bom termo para designar essa forma de depravação moral que seja outra coisa que o também familiar assassinato deliberado.

"O direito eterno e histórico a esta terra inteira"

Na antiga Palestina, os seus proprietários de direito (divino, como informa “Os Senhores da Terra”) podem decidir conceder aos drogados algumas poucas baganas divididas em parcelas. Não segundo o direito, contudo: “Eu acreditava, e até hoje ainda acredito, no eterno e histórico direito de nosso povo a esta terra inteira”, informou o Primeiro Ministro Olmert numa sessão do Congresso em maio de 2006, arrancando aplausos. Ao mesmo tempo em que anunciava seu programa de “convergência” para tomar o que for valioso na Cisjordânia, deixando os palestinos apodrecerem em cantões. Ele não foi específico quanto às fronteiras da “terra inteira”, mas então, o empreendimento sionista nunca o foi, e por boas razões: a expansão é uma dinâmica interna muito importante. Se Olmert ainda é leal às suas origens no Likud, ele pode ter querido dizer ambos os lados do Rio Jordão, inclusive o atual estado da Jordânia, ou ao menos parte valiosa deste.

O “direito eterno e histórico a esta terra inteira” de nosso povo contrasta dramaticamente com a falta de qualquer direito à autodeterminação dos seus habitantes temporários, os palestinos. Como foi antes anotado, essa última falta foi reiterada por Israel e seu patrono em Washington, em dezembro de 2008, no seu usual isolamento acompanhado de silêncio retumbante.

Os planos traçados por Olmert em 2006 foram então abandonados, como não sendo suficientemente extremo. Mas o que substitui o programa convergência e as ações diárias para implementá-lo têm em geral a mesma concepção. Elas remontam aos primeiros dias da ocupação, quando o ministro da defesa, Moshe Dayan explicou poeticamente que “hoje a situação lembra a complexa relação entre um homem beduíno e uma menina por ele sequestrada contra sua vontade...Vocês, palestinos, enquanto nação, não nos querem hoje, mas nós vamos mudar sua atitude forçando nossa presença sobre vocês”. Vocês vão “viver como cachorros, e quem partir, partirá”, enquanto tomamos o que queremos.

Que esses programas são criminosos nunca foi o ponto. Imediatamente depois da guerra de 1967, o governo israelense foi informado por sua mais alta autoridade legal, Teodor Meron, que “assentamentos civis nos territórios administrados transgridem regras da Quarta Convenção de Genebra”, a fundação da lei humanitária internacional. O Ministro da Justiça de Israel concordou. A Corte Internacional de Justiça endossou, por unanimidade, a conclusão essencial em 2004, e a Alta Corte Israelense tecnicamente concordou, enquanto na prática discordou, no seu estilo habitual.

Na Cisjordânia, Israel pode prosseguir seus programas criminosos com o apoio dos EUA e sem distúrbios, graças ao seu controle militar efetivo e, até agora, à cooperação colaboracionista das forças de segurança palestinas, armadas e treinadas pelos EUA e por ditaduras aliadas. Também pode prosseguir assassinando e cometendo outros crimes, enquanto assenta brutalmente debaixo da proteção do IDF. Mas, enquanto a Cisjordânia vem sendo efetivamente subjugada pelo terror, ainda há resistência na outra metade da Palestina, a Faixa de Gaza. Ela também deve ser sufocada para que os programas israelo-norte-americanos de anexação e destruição da Palestina não sejam perturbados.

Então, veio a invasão de Gaza.

O momento da invasão foi supostamente influenciado pela eleição israelense. Ehud Barak, que estava perdendo nas pesquisas, passou a ganhar um assento no parlamento para cada 40 árabes assassinados nos primeiros dias do massacre, calculou o comentarista israelense Ran HaCohen.

Isso pode mudar, contudo. À medida que os crimes ultrapassem o que a campanha de propaganda cuidadosamente construída for capaz de suportar, mesmo os falcões confirmados começarão a se preocupar que a carnifica esteja “destruindo a alma e a imagem [de Israel]. Destruindo-a nas telas de tevê, nas salas de estar da comunidade internacional e, de maneira mais importante, na América de Obama” (Ari Shavit). Shavit estava particularmente preocupado com o “bombardeio israelense de uma 'instalação' da ONU...logo no dia em que o secretário geral das Nações Unidas estava visitando Jerusalém”, um ato “para além de lunático”, disse.

Alguns detalhes sejam acrescidos: a “instalação” era o posto da ONU, na cidade de Gaza, que continha depósitos da UNRWA [Agência das Nações Unidas para assistência e trabalho nos campos dos refugiados palestinos]. O bombardeio destruiu “centenas de toneladas de alimentos e de remédios de urgência que iriam ser distribuídos para os atingidos que estão nos hospitais, nos abrigos e nos centros de alimentação”, de acordo com o diretor da UNRWA, John Ging. Ao mesmo tempo, ataques destruíram dois andares do hospital al-Quds, deixando-o em chamas, e também um segundo entreposto dirigido pelo Crescente Vermelho Palestino. Na densamente povoada vizinhança de Tal-Hawa o hospital foi destruído pelos tanques israelenses “depois que centenas de habitantes aterrorizados de Gaza tinham buscado abrigo, quando as forças de terra de Israel entraram no bairro”, reportou AP.

Não sobrou nada a ser salvo nas ruínas do hospital em chamas. “Eles atacaram o prédio, o prédio do hospital. Pegou fogo. Tentamos evacuar os doentes e feridos e as pessoas que estavam lá dentro. Lança-chamas foram lançados e puseram fogo, cujas chamas queimaram, de novo e mais uma vez, pela terceira vez”, o paramédico Ahmad Al-Haz contou à AP. Suspeita-se que tenha sido usado fósforo branco nesses lançamentos, como também em outros, que causaram sérias queimaduras e ferimentos.

As suspeitas foram confirmadas pela Anistia Internacional depois que os intensos bombardeios cessaram, tornando assim possível que se fizesse uma investigação. Antes, Israel tinha inteligentemente barrado o acesso de todos os jornalistas, mesmo os israelenses, enquanto procedia com seus crimes em fúria total. O uso por Israel de fósforo branco contra civis em Gaza é “claro e inegável”, disse a Anistia Internacional. Seu uso repetido em áreas densamente povoadas “é um crime de guerra”, concluiu.

Eles encontraram as explosões de fósforo branco disseminadas nos prédios residenciais, todos incendiados, “pondo em perigo outros residentes e seus bens”, em particular as crianças, que se “atraem pelos detritos de armas frequentemente ignorando seus perigos”. Os alvos principais, disse a AI, estavam no interior da UNRWA, onde o “fósforo branco caiu ao lado de caminhões de combustível e provou um imenso incêndio que destruiu as toneladas de ajuda humanitária”, ainda que as autoridades israelenses “tivessem assegurado que não seria lançado um novo ataque sobre o complexo da UNRWA”.

No mesmo dia, “um ataque de fósforo branco foi lançado contra o hospital Al-Qods, na cidade de Gaza, também causando um incêndio que obrigou a equipe do hospital a evacuar os pacientes...o fósforo branco que chega à pele queima profundamente, chega aos músculos e mesmo aos ossos, e queima até que seja privado de oxigênio”. Que esses bombardeios tenham ocorrido intencionalmente ou por uma cínica indiferença, não importa. O fato é que esses crimes são inevitáveis quando uma arma dessa magnitude é utilizada em ataques sobre civis.

É contudo um erro se concentrar nas grosseiras violações de Israel do jus in bello, das leis designadas para controlar práticas que são muito selvagens. A própria invasão é de longe um crime muito mais sério. E se Israel tivesse infligido danos horrendos usando arco e flecha, ainda assim seria um ato criminoso de extrema perversidade.

Agressões sempre têm um pretexto: neste caso é que a paciência de Israel tinha chegado ao fim, diante dos ataques dos foguetes do Hamas, como disse Barak. O mantra sem fim que se repete é que Israel tem o direito de usar a força para se defender. A tese é parcialmente defensável. Jogar foguetes é criminoso, e é verdade que um estado tem o direito de se defender contra atos criminosos. Mas disso não se segue que tenha o direito de se defender pela força. Isso ultrapassa em muito qualquer princípio que nós aceitaríamos ou deveríamos aceitar.

A Alemanha nazista não tinha o direito de usar da força para se defender contra o terrorismo dos partisans. A Noite dos Cristais Quebrados não não é justificada pelo assassinato, por Herschel Grynszpan, de um oficial da Embaixada Alemã em Paris. Os ingleses não estavam justificados ao usar a força para se defender contra o (bastante real) terror dos colonos norte-americanos que queriam independência, ou ao aterrorizar os irlandeses católicos em resposta ao terror do IRA – e quando eles finalmente passaram à política sensata de se dedicarem a reclamações legítimas, o terror terminou. Isso não é uma questão de “proporcionalidade”, mas de escolha pela ação em primeiro lugar: há uma alternativa à violência?

Todo recurso à força exige uma pesada carga de prova, e devemos perguntar se isso pode ser o caso diante do esforço de Israel de sufocar qualquer resistência com suas ações criminosas diárias Gaza e na Cisjordânia, que continuam implacáveis depois de mais de 40 anos. Talvez eu possa citar uma de minhas entrevistas na imprensa de Israel sobre o anúncio de Olmert anunciando planos de convergência para a Cisjordânia: “Os EUA e Israel não toleram qualquer resistência a esses planos, preferindo fingir – falsamente, é claro – que “não há parceiro”, como o fizeram com programas que remontam há anos. Podemos lembrar que Gaza e a Cisjordânia são reconhecidos como sendo uma unidade, de modo que se a resistência aos planos israelo-norte-americanos de anexação-cantonização é legítima na Cisjordânia e também o é em Gaza”.

"Não há foguetes lançados da Cisjordânia"

O jornalista palestino-americano Ali Abunimah observou que “não há foguetes lançados em Israel da Cisjordânia, e ainda assim as execuções extrajudiciais, os assassinatos, o roubo de terras, os pogroms e os sequestros nunca deixaram de acontecer num dia sequer de trégua. Mahmoud Abbas, que é apoiado pelo ocidente, aceitou todas as exigências de Israel. Sob os olhos orgulhosos dos conselheiros militares norte-americanos, Abbas reuniu “forças de segurança” para lutar contra a resistência, com suporte de Israel. Nada disso poupou um palestino sequer, na Cisjordânia, da colonização implacável de Israel” - graças ao apoio norte-americano.

O respeitado parlamentar palestino Mustapha Barghouti acrescenta que, depois da extravagância de Bush em Annapolis, em novembro de 2007, com muita retórica edificante sobre a dedicação à paz e à justiça, os ataques israelenses sobre os palestinos aumentaram agressivamente, com um crescimento de quase 50% na Cisjordânia, entre os quais o crescimento agressivo de assentamentos e de checkpoints. Obviamente essas ações criminosas não são as responsáveis pelos foguetes lançados desde Gaza, ainda que o contrário possa bem ser o caso, sugere, razoavelmente, Barghouti.

As reações a crimes de uma potência ocupante podem ser condenadas como criminosas e politicamente insanas, mas aqueles que não oferecem qualquer alternativa não têm base moral para emitir qualquer opinião sobre essas coisas. A conclusão ganha força se aplicada aos que nos EUA escolhem estar diretamente implicados nos crimes em andamento por Israel – em suas palavras, com suas ações, ou com seu silêncio. Tanto mais porque há muitas alternativas claramente não-violentas – as quais, contudo, têm a desvantagem de barrarem os programas de expansão ilegal.

Israel tem muitos meios diretos de se defender: pôr um fim nessas ações criminosas nos territórios ocupados e aceitar o antigo consenso internacional relativo ao estabelecimento de dois estados que vem sendo bloqueado pelos EUA e por Israel por mais de 30 anos, desde que os EUA vetaram pela primeira vez uma resolução do Conselho de Segurança pedindo um acordo político nesses termos, em 1976. Eu não vou mais uma vez incorrer na tarefa inglória de rememorar, mas isto é importante para se entender que a rejeição dos EUA e de Israel hoje é ainda mais grosseira do que no passado. A Liga Árabe foi além do consenso, pedindo a plena normalização das relações com Israel. O Hamas repetidas vezes pediu um acordo de dois estados nos termos do consenso internacional. O Irã e o Hizbollah tornaram claro que iriam seguir qualquer acordo que os palestinos aceitassem. Isso deixa os EUA e Israel em esplêndido isolamento, não apenas em palavras.

A memória mais detalhada dessas coisas é informativa. O Conselho Nacional Palestino aceitou formalmente o consenso internacional em 1988. A resposta da coalizão governamental de Shamir-Peres, afirmou James Baker, do Departamento de Estado norte-americano, foi que não poderia haver um “estado palestino adicional” entre Israel e a Jordânia – o último já considerado um estado palestino por imposição israelo-norte-americana.

Os acordos de Oslo que se seguiram puseram de lado os potenciais direitos nacionais dos palestinos, e a ameaça de que eles pudessem vir a ser obtidos sob uma forma qualquer foi sistematicamente afastada durante o ano de negociação dos Acordos de Oslo, por causa da expansão constante e ilegal de colônias de povoamento de Israel. Colonização que se acelerará em 2000, o último ano no poder do Presidente Bill Clinton e do Primeiro Ministro Barak, durante as negociações em Camp David, que se desenrolaram sobre esse pano de fundo.

Depois de ter culpado Yasser Arafat pela ruptura das negociações de Camp David, Bill Clinton se retrata e reconhece que as proposições dos EUA e de Israel eram muito extremistas para os palestinos. Em dezembro de 2000, ele apresentou suas “medidas”, vagas porém mais abertas. Em seguida anunciou que as duas partes tinham aceitado as medidas, ainda que ambas tenham expressado reservas. As duas partes se reencontraram em Taba, Egito, em janeiro de 2001 e estavam muito próximas de um acordo, que iriam poder concluir em alguns dias, declararam na sua última coletiva de imprensa. Mas as negociações foram anuladas prematuramente por Ehud Barak. Esta semana em Taba é a única pausa em mais de 30 anos de rejeicionismo EUA-israelense. Não há razão alguma para que essa pausa no disco não pudesse ser retomada.

A versão preferida, recentemente reiterada por Ethan Bronner, é que “muitos no exterior lembram do Senhor Barak como Primeiro Ministro, que em 2000 foi mais longe do que qualquer líder israelense em ofertas de paz aos palestinos, só para ver o acordo fracassar e explodir num violento levante palestino que o derrubou do poder”. É verdade que “muitos no exterior” acreditam nesse contos de fadas enganador, graças ao que Bronner e muitos de seus colegas chamam de “jornalismo”.

É comumente alegado que uma solução de dois estados é agora insustentável porque se o IDF tentar remover os assentamentos levaria a uma guerra civil. Isso pode ser verdade, mas é necessário muito mais argumento. Sem recorrer à força para expulsar os assentamentos ilegais o IDF poderia simplesmente se retirar de quaisquer fronteiras estabelecidas por negociações. Os assentados além dessas fronteiras deveriam ter a escolha de deixar suas casas subsidiadas para retornar a Israel, ou permanecer sob a autoridade Palestina. O mesmo era verdadeiro para o cuidadosamente construído “trauma nacional” em Gaza em 2005, tão claramente fraudulento que foi ridicularizado por comentaristas israelenses.

Teria sido suficiente para Israel anunciar que o IDF iria se retirar e que os assentados que tinham sido subsidiados para aproveitar sua vida em Gaza iriam subir nos caminhões providenciados para eles e viajado ate suas novas residências subsidiadas na Cisjordânia. Mas isso não teria produzido fotos trágicas de crianças agonizando e interjeições apaixonadas de “nunca mais”.

Para resumir, contrariamente à afirmação constantemente reiterada, Israel não tem o direito de usar a força para se defender dos foguetes de Gaza, mesmo se eles fossem tomados como crimes terroristas. Além do mais, as razões são óbvias. O pretexto para lançar ataques não tem mérito.

O sequestro de Gilad Shalit e o sequestro de civis

Há uma outra razão, mais precisa. Israel tem alternativas de curto prazo ao uso da força em resposta aos foguetes de Gaza? Uma alternativa de curto prazo seria aceitar um cessar-fogo. Algumas vezes Israel fez isso, enquanto instantaneamente o violava. O caso mais recente e relevante é junho de 2008. O cessar-fogo pedindo a abertura de passagens para “permitir a transferência de todo tipo de mercadorias que estavam proibidas e banidas em Gaza”. Israel concordou formalmente, mas imediatamente anunciou que isso não abriria as fronteiras, conforme o acordo, até que o Hamas entregasse Gilad Shalit, um soldado israelense capturado pelo Hamas em junho de 2006.

O intransigente rufar de tambores de acusações pela captura de Shalit é, de novo, hipocrisia grosseira, mesmo deixando de lado a longa história de sequestros de Israel. Neste caso, a hipocrisia não poderia ser mais ofuscante. Um dia antes do Hamas sequestrar Shalit, os soldados israelenses entraram na cidade de Gaza e sequestraram dois civis, os irmãos Muanmmar, levando-os a Israel para se juntarem aos milhares de prisioneiros ali mantidos, quase 1000 supostamente sem acusação.

Sequestrar civis é de longe um crime mais sério do que capturar um soldado com uma arma de ataque, mas isso foi escassamente reportado, em contraste com o furor sobre Shalit. E tudo o que resta na memória, bloqueando a paz, é a captura de Shalit, outro reflexo da diferença entre humanos e bestas bípedes. Shalit deveria ser devolvido – numa troca justa de prisioneiros.

Foi depois da captura de Shalit que os implacáveis ataques a Gaza passaram de meramente viciosos a verdadeiramente sádicos. Mas é também bom lembrar que mesmo após essa captura Israel tinha lançado mais de 7700 ataques no norte de Gaza depois da sua retirada de setembro, sem gerar virtualmente qualquer comentário.

Depois de rejeitar o cessar-fogo de junho de 2008 que tinha aceito formalmente, Israel manteve Gaza sitiada. Podemos relembrar que sitiar é um ato de guerra. De fato, Israel sempre insistiu num princípio ainda mais forte: impedir acesso ao mundo externo, mesmo num cerco parcial, é um ato de guerra justificando a violência massiva em resposta. A interferência na passagem de Israel ao Estreito de Tirana era parte do pretexto para Israel invadir o Egito (junto com a França e a Inglaterra), em 1956, e por seu ataque na guerra de 1967. Esse cerco a Gaza é total, não parcial, exceto algumas vezes que os ocupantes, a seu bel prazer, relaxam-no um pouco. É imensamente mais nefasto para os habitantes de Gaza que fechar o Estreito de Tirana era para Israel. Os apoiadores das doutrinas e ações de Israel deveriam, então, não ter problema para justificar os ataques de foguetes da Faixa de Gaza no território israelense.

É claro, seguimos mais uma vez o princípio inválido: Isto somos nós, aquilo são eles.

Israel não apenas manteve o cerco depois de junho de 2008, mas o fez com extremo rigor. Chegou a proibir a UNRWA de reabastecer suas lojas, “então, quando o cessar-fogo foi desrespeitado, corremos atrás de comida para mais de 750 000 que dependem de nós”, informou o diretor da UNRWA, John Ging, à BBC.

Mesmo com Gaza sitiada, o lançamento de foguetes foi reduzido drasticamente. A quebra do cessar-fogo de 4 de novembro com a incursão israelense em Gaza, levou à morte de 6 palestinos, e a uma barragem de foguetes (sem feridos) em retaliação. O pretexto para a incursão era que Israel havia detectado um túnel em Gaza que pode ter sido usado para capturar outro soldado israelense. O pretexto é claramente absurdo, como um número de comentaristas anotaram. Se um túnel desses existisse, e conseguisse chegar à fronteira, Israel poderia facilmente tê-lo barrado lá. Mas, como de hábito, o ridículo pretexto israelense foi tomado como digno de crédito.

Qual foi, então, a razão da incursão israelense? Não temos evidências internas do plano israelense, mas sabemos que a incursão veio pouco antes dos planos de conversação do Hamas com o Fatah no Cairo, visando a “reconciliar suas diferenças e criar um só governo, unificado”, informou o correspondente britânico Rory McCarthy. Era para ser o primeiro encontro Hamas-Fatah desde a guerra civil de junho de 2007 que levou o Hamas a controlar Gaza, e teria sido um passo significativo na direção de esforços diplomáticos. Há uma longa história de provocações de Israel para dissuadir a ameaça da diplomacia, alguns já mencionaram. Esse acontecimento pode ter sido apenas mais uma.

A guerra civil que levou o Hamas a controlar Gaza é comumente descrita como um golpe militar do Hamas, demonstrando mais uma vez sua natureza maligna. O mundo real é um pouco diferente. A guerra civil foi incitada pelos EUA e por Israel, numa tentativa grosseira de dar um golpe militar para anular as eleições livres que levaram o Hamas ao poder. Isso se tornou público ao menos desde abril de 2008, quando David Rose publicou na Vanity Fair um documento detalhado analisando como Bush, Rice e o assessor de Segurança Nacional, Elliott Abrams “apoiaram uma força armada sob o comando do homem forte do Fatah, Muhammad Dahlan, desencadeando uma sangrenta guerra civil em Gaza e deixando o Hamas mais forte do que nunca”.

O relato foi recentemente mais uma vez corroborado no Christian Science Monitor (12 de Janeiro de 2009), por Norman Olsen, que serviu durante 26 anos no exterior, inclusive por quatro anos trabalhando na Faixa de Gaza e quatro anos na Embaixada norte-americana em Tel Aviv, quando se tornou coordenador associado do contraterrorismo no Departamento de Estado. Olson e seu filho detalham as travessuras do Departamento de Estado pretendendo assegurar que seu candidato, Abbas, vencesse as eleições em janeiro de 2006 – ocasião que seria celebrada como um triunfo da democracia. Depois da eleição-combinada fracassar, eles passaram à punição dos palestinos e a armar uma milícia dirigida pelo homem forte do Fatah, Muhammad Dahlan, mas “os brutamontes de Dahlan se moveram cedo demais” e um ataque preventivo do Hamas solapou a tentativa de golpe. Isso levou os EUA e Israel a medidas mais duras, punindo a desobediência do povo de Gaza. A agenda partidária é mais aceitável.

Consequências desastrosas para a população

Depois que Israel rompeu o cessar-fogo em junho de 2008 (como o fez) em novembro, o cerco endureceu, com consequências ainda mais desastrosas para a população. De acordo com Sara Roy, a principal acadêmica especialista em Gaza, “Em 5 de novembro Israel fechou todos os pontos de passagem para Gaza, reduzindo largamente e eventualmente denegando suprimentos alimentares, remédios, combustíveis, gás de cozinha e o fornecimento de parte da água para os sistemas de saneamento...”. Ao longo de novembro, entre 4 e 6 caminhões com comida entraram em Gaza vindos de Israel, em comparação com 123 caminhões por dia, em Outubro. Peças sobressalentes para a reparação e manutenção de equipamentos relacionados ao uso da água tiveram sua entrada negada por mais de um ano.

A Organização Mundial de Saúde acabou de reportar que metade das ambulâncias de Gaza estão agora fora de uso, quebradas” - e o resto brevemente se tornará alvo do ataque israelense. A única estação de energia de Gaza foi forçada a suspender operações por falta de combustível, e não podia ser ligada de novo porque precisava de peças, que estavam paradas no porto israelense de Ashdod há 8 meses. A escassez de eletricidade levou a um crescimento de 300% nos casos de queimadura no hospital Shifaa na Faixa de Gaza, como consequência dos esforços para acender fogos a lenha. Israel barrou o carregamento de cloro, então, pela metade de dezembro na cidade de Gaza e no norte o acesso à água estava limitado a seis horas em cada três dias. As consequências humanas não são contadas dentre as vítimas palestinas do terror israelense.

Depois do ataque israelense de 4 de novembro, a violência de ambos os lados recrudesceu (sendo todos os mortos palestinos) até que o cessar-fogo formalmente chegasse ao fim em 19 de dezembro, e o Primeiro Ministro Olmert autorizasse a invasão em grande escala.

Poucos dias antes o Hamas tinha proposto a retomada do acordo original do cessar-fogo de julho, que Israel não respeitou. O historiador e ex- assessor da administração Carter, Robert Pastor enviou a proposta ao “oficial sênior” no IDF, mas Israel não respondeu. O líder do Shin Bet, a agência de segurança interna de Israel, disse em 21 de dezembro, segundo fontes israelenses, que o Hamas está interessado em continuar em “calma” com Israel, enquanto seu braço militar se prepara continuamente para o conflito.

“Havia claramente uma alternativa ao tratamento militar, para interromper os foguetes”, disse Pastor, referindo-se especificamente a Gaza. Também havia uma alternativa de largo alcance, a qual é raramente discutida, a saber, aceitar um acordo político que inclua todos os territórios ocupados.

O experiente correspondente diplomático israelense, Akiva Eldar, informa que pouco antes de Israel lançar seu ataque de grande escala, em 27 de dezembro, o “dirigente do Hamas, Khaled Meshal, anunciou no site Iz al-Dinal-Qassam que estava preparado não apenas para 'o fim da agressão' – ele propunha que se retomasse o acordo de Rafah de 2005, antes do Hamas vencer as eleições e de tomar toda a região, mais tarde. Esse acordo previa que os pontos de passagem seriam dirigidos conjuntamente pelo Egito, a União Européia, a presidência da Autoridade Palestina e o Hamas” e, como se disse antes, pedia a abertura das vias de acesso para a entrada de suprimentos desesperadamente necessitados.

Uma afirmação standard dos apologistas mais vulgares da violência israelense é que, no caso deste ataque mais recente, “assim como em muitos outros ao longo da metade do século passado – a Guerra do Líbano em 1982, a resposta com “mão de ferro” à Intifada de 1988, a guerra do Líbano de 2006 – os israelenses têm reagido com intoleráveis atos de terror, com determinação de infligir dor, para ensinar uma lição ao inimigo” (David Remnick, editor da New Yorker). A invasão de 2006 pode ser justificada apenas com base num cinismo estarrecedor, como já se discutiu. A referência à resposta viciosa à segunda intifada é depravada demais para ser discutida; uma interpretação simpática pode ser que se trata de uma ignorância assombrosa. Mas a afirmação de Reminick a respeito da invasão de 1982 é bastante comum, uma notável proeza de propaganda incessante, que merece alguns lembretes.

É fato que a fronteira de Israel com o Líbano esteve quieta por um ano antes da invasão israelense, ao menos no sentido Líbano-Israel, do norte ao sul. Ao longo do ano, a OLP observou escrupulosamente um cessar-fogo de iniciativa norte-americana, a despeito das constantes provocações israelenses, inclusive bombardeando, com várias perdas civis, supostamente visando a obter alguma reação que poderia ser usada para Israel justificar uma invasão cuidadosamente planejada. O melhor que Israel pôde ter foram duas leves respostas simbólicas. Então, invadiu com um pretexto absurdo demais para ser levado a sério.

A invasão não teve precisamente nada a ver com “intoleráveis atos de terror”, ainda que tenha tido com intoleráveis atos: de diplomacia. Isso jamais foi obscuro. Pouco depois da invasão apoiada pelos EUA começar, o importante especialista israelense em palestinos, Yehoshua Porath – não uma pomba pacifista – escreveu que o sucesso de Arafat em manter o cessar-fogo constituía “uma verdadeira catástrofe aos olhos do governo israelense”, uma vez que abria o caminho para um acordo político. O governo esperava que a OLP partisse para o terrorismo, minando assim a ameaça que seria “uma parceria legítima negociada para futuras acomodações”.

"Nós removemos o perigo político ao atacar primeiro. Agora, graças a Deus, não há com quem conversar"

Os fatos estavam muito claros em Israel, não escondidos. O Primeiro Ministro Yitzhak Shamir disse que Israel entrou na guerra porque havia um “perigo terrível...Não tanto militar, como político”, levando o excelente humorista B. Michael a escrever que “a desculpa esfarrapada de um perigo militar ou um perigo para a Galiléia está morta”. Nós “removemos o perigo político” ao atacar primeiro, a tempo; agora, “graças a Deus, não há com quem conversar”. O historiador Benny Morris reconhece que a OLP tinha observado o cessar-fogo, e explicou que “a inevitabilidade das guerras está na OLP como uma ameaça política a Israel e em Israel manter os territórios ocupados”. Outros, ainda, reconheceram esses fatos incontestáveis.

Na primeira página do NYT constava um artigo relativo à mais recente invasão de Gaza, do correspondente Steven Lee Meyers, dizendo que “em alguns aspectos, os ataques sobre Gaza foram reminiscentes dos riscos que Israel assumiu, e em larga medida perdeu, no Líbano em 1982 [quando] invadiu para eliminar a ameaça das forças de Arafat”. Correto, mas não no sentido que tinha em mente. Em 1982, como em 2008, era necessário eliminar a ameaça de um acordo político.

A esperança dos propagandistas israelenses tem sido a de que os intelectuais do ocidente e a mídia comprariam o conto de que Israel reagiu a ataques de foguetes na Galiléia, esses “atos intoleráveis de terror”. E eles não têm se decepcionado.

Não é que Israel não queira a paz: todo mundo quer a paz, até Hitler. A questão é: em que termos? Desde sua origem, o movimento sionista foi concebido para atingir objetivos, sendo a melhor estratégia o adiamento dos acordos políticos, enquanto, vagarosamente, fatos iam sendo consumados. Mesmo os acordos ocasionais, como em 1947, foram reconhecidos por suas lideranças como sendo passos provisórios para a expansão futura. A guerra de 1982 no Líbano foi um exemplo dramático do medo desesperado da diplomacia. Dela se seguiu o apoio de Israel ao Hamas, para solapar a secular OLP e suas iniciativas irritantes de paz. Outro caso que deveria ser familiar são as provocações israelenses antes da guerra de 1967 pensadas para eliminar a resposta da Síria que poderia ser usada como pretexto para violência e a tomada de mais terras – ao menos 80% dos incidentes, de acordo com o Ministro da Defesa Moshe Dayan.

A história remonta há muito. A história oficial do Haganah, a força militar judaica pré-estatal, descreve o assassinato do poeta judeu Jacob de Haan em 1924, acusado de conspirar com a comunidade judaica tradicional (o velho Yishuv) e com o Alto Comissariado Árabe contra os novos imigrantes e seus assentamentos. E tem havido exemplos numerosos desde então.

Os esforços para procrastinar arranjos políticos sempre têm feito perfeito sentido, bem como as mentiras que lhes vem acompanhadas, a respeito de que “não há parceiro para a paz”. É difícil pensar em outra maneira de roubar terras em que não se é querido.

Expansão, no lugar de segurança

Razões similares sustentam a preferência de Israel pela expansão, no lugar da segurança. Sua violação do cessar-fogo de 4 de novembro de 2008 é um dentre muitos exemplos recentes.

Uma cronologia da Anistia Internacional informa que em junho de 2008 o cessar-fogo tinha trazido “melhorias enormes na qualidade de vida em Sderot e em outras cidades israelenses perto de Gaza, onde, antes do cessar-fogo os residentes viviam com medo do ataque do próximo foguete palestino. Contudo, perto da Faixa de Gaza o bloqueio israelense permanece a postos e a população até agora tem visto poucas vantagens no cessar-fogo”. Mas os ganhos em segurança para as cidades próximas a Gaza foram evidentemente superados pela necessidade sentida de dissuadir os movimentos diplomáticos que podem impedir a expansão na Cisjordânia, e esmagar a resistência que ainda há dentro da Palestina.

A preferência pela expansão em lugar da segurança tem sido evidente desde a decisão fatal de Israel, em 1971, bancada por Henry Kissinger, de rejeitar a oferta de um acordo total de paz apresentado pelo Presidente Sadat, do Egito, oferecendo nada aos palestinos – um acordo que os EUA e Israel estavam compelidos a aceitar em Camp David oito anos depois, depois da maior guerra que foi um desastre para Israel. Um tratado de paz como o Egito teria posto um fim em qualquer ameaça à segurança, mas nele havia um inaceitável quid pro quo: Israel teria de abandonar seus programas extensivos de assentamento no nordeste do Sinai. A segurança era uma prioridade mais baixa que a expansão, e ainda é. A evidência substancial dessa conclusão básica é oferecida no estudo magistral da política externa e de segurança de Israel, o “Defending the Holy Land” [Defendendo a Terra Sagrada], de Zeev Maoz.

Hoje, Israel poderia ter segurança, a normalização das relações, uma integração na região. Mas muito claramente prefere a expansão ilegal, o conflito e o exercício repetido da violência, em ações que são não apenas criminosas, assassinas e destrutivas, mas que também corroem sua própria segurança a longo prazo. O especialista militar e no Oriente Médio, Andrew Cordesman, escreve que enquanto a força militar de Israel pode esmagar com segurança os habitantes indefesos de Gaza, “nem Israel nem os EUA podem ganhar com uma guerra que produz uma reação [amarga] de uma das mais sábias e moderadas vozes no Mundo Árabe, o Príncipe Turki al-Faisal da Arábia Saudita, que disse em 6 de janeiro que “a administração Bush deixou [para a Obama] um legado desagradável e uma posição temerária em relação aos massacres e ao derramamento de sangue de inocentes em Gaza...Chega é chega, hoje somos todos palestinos e buscamos o martírio, por Deus e pela Palestina, seguindo aqueles que morreram em Gaza”.

Um crime contra o Estado de Israel
Uri Avnery, uma das mais sábias vozes em Israel, escreve que, depois de uma vitória militar israelense, “o que ficará marcado na consciência do mundo será a imagem de Israel como um monstro manchado de sangue, pronto para, a qualquer momento cometer crimes de guerra e não preparado para obedecer a quaisquer limites morais. Isso terá consequências graves para nosso futuro no longo prazo, para nossa estada no mundo, para nossa chance de conseguir paz e sossego. No fim, essa guerra é um crime contra nós mesmos, também, um crime contra o Estado de Israel”.

Há uma boa razão para acreditar que ele está certo. Israel está deliberadamente se tornando talvez o país mais odiado do mundo e também vem perdendo o apoio da população ocidental, inclusive dos judeus americanos jovens, que dificilmente tolerarão esses crimes chocantes por muito tempo. Décadas atrás, eu escrevi que aqueles que chamam a si de “apoiadores de Israel” são na realidade apoiadores de sua degeneração moral e, por último, de sua provável destruição. Lamentavelmente, esse juízo parece cada vez mais plausível.

Enquanto isso, observamos calmamente um evento raro na história, que o velho sociólogo israelense, Baruch Kimmerling, chamou de “politicídio”, o assassinato de uma nação – em nossas mãos.

Tradução: Katarina Peixoto - Pulicado no site Carta Maior