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domingo, 28 de setembro de 2008

A crise moral do capitalismo

Autor: Giorgio Ruffolo
Publicado pelo jornal La Repubblica

Creio que o furacão passará sem subverter a economia mundial. O secretário de Estado Paulson, aquele a quem, como diz o Economist, se eriçam os cabelos que não tem, fizera, finalmente, a coisa certa. Havia deixado ir à falência um grande banco, evitando que lhe caísse por cima outra salvação. Logo depois, no entanto, teve que ceder à pressão do mundo financeiro, intervindo na bem mais onerosa salvação do colosso de seguros AIG. Assim, uma vez mais, as voragens abertas no livre mercado serão cobertas pelos contribuintes. Quais serão as conseqüências, ninguém, nem mesmo ele, sabe. Há quem teme que este novo tremendo golpe possa envolver todo o sistema. Mas, a economia capitalista é mais forte do que as devastadoras finanças que gerou. E, no entanto, esta crise pode ser fatal ao capitalismo sob um
aspecto mais geral e mais profundo.

Do ponto de vista estritamente econômico, por trás do inextricável emaranhado das tecnicalidades, há uma realidade inexpugnável: a desproporção do endividamento americano (de todos: interesses privados, bancos, Estado) no que se refere ao rendimento, e das finanças com respeito à economia real. Sobre o porquê e sobre o como raciocinamos tantas vezes. Não retomo este ponto. Tornou-se realidade o que era evidente. Exceto para os estáticos admiradores das tecnicalidades financeiras.

Em vez disso, gostaria de falar do golpe moral que esta crise de início de século está causando ao “turbocapitalismo”, minando sua credibilidade moral. Todo sistema histórico de organização da sociedade necessita de uma base de legitimação moral. Os opressivos dominadores dos antigos impérios precisavam de um deus que os impusesse, a eles e suas pequenas rainhas. Quando os mercadores da Idade Média entraram na polis, precisaram de um fatigoso compromisso com a Igreja, por eles abundantemente financiada, para superar tortuosamente o escândalo do interesse. A ideologia econômica do nascente capitalismo teve origem nas escolas de filosofia moral. A melhor legitimação não lhe foi oferecida, no entanto, pelos duvidosos princípios das virtudes weberianas, mas pelos mais práticos do utilitarismo, os quais ensinavam a retirar do egoísmo, e não da virtude, a energia necessária para promover a riqueza, em benefício, dizia-se, de todos.

Em suma, o capitalismo se justifica não por suas premissas, mas por seus resultados. E não resta dúvida que, até a metade do século vinte, os seus resultados em termos não só de crescimento econômico, mas de progresso social, tenham sido tais, que, não digo que compensassem, mas que suportassem os enormes custos implícitos no crescimento.

O que está sucedendo no mundo nos diz que a promessa de uma extensão universal do bem-estar está comprometida pela experiência de um mundo sempre mais instável e injusto. O “milagre” das finanças internacionais, que realizou enormes deslocamentos de riqueza dos países mais ricos aos países mais pobres, se traduz, no interior daqueles países, numa gigantesca disparidade entre os grupos sociais emergentes e aqueles deixados às margens. Na Índia, a extrema riqueza e a extrema pobreza só aumentaram e a mesma coisa está acontecendo na China.

Do último relatório do Banco Mundial resulta que o nível de pobreza aumentou no mundo para 1,4 bilhões de homens e de mulheres, que vivem com menos de 1,25 dólares ao dia. O índice Gini da desigualdade, relativo à população mundial, aumentou nos últimos quinze anos em sete pontos, ou seja, pouco menos de 20 por cento. Mas, é sobretudo nos Estados Unidos que a desigualdade entre a classe média empobrecida e as elites enriquecidas se impôs. O mesmo índice Gini, que caíra aos 41 por cento em 1970, aumentou nos últimos trinta anos para 47 por cento. O que está sucedendo, diz Robert Reich, e também diz David Rothkorpf, não é só um aumento das desigualdades, mas uma verdadeira e própria secessão social: um por cento da população mundial dispõe de 40 por cento do produto nacional.

Mas, o que tudo isto tem a ver com os desastres financeiros de hoje? Muitíssimo. Nos últimos vinte anos é precisamente a alocação dos recursos da economia guiada pelos mercados financeiros que se traduziu em termos reais num aumento das desigualdades e numa devastadora pressão sobre os recursos naturais: em direção oposta às necessidades reais da humanidade.

No mais rico e endividado país do mundo, os Estados Unidos, a desproporção entre os ganhos dos chefes das grandes empresas, também aqueles que as levaram ao desastre, e as pessoas comuns se tornou assombrosa. Os recursos mundiais foram endereçados por um sistema financeiro poderoso para um gigantesco endividamento, mantido por um crédito desenfreado. O nome turbocapitalismo se adapta muito bem a este sistema desassisado. A despesa mundial anual da publicidade que alimenta o consumo e a poluição monta a 500 bilhões de dólares, e a da pesquisa sanitária a 70 bilhões, sendo de 62 bilhões os recursos destinados pelos países ricos aos países pobres.

Repito: não creio que estejamos às vésperas de um novo colapso capitalista. A economia mundial dispõe de imensos recursos a serem mobilizados na emergência. Porém estamos diante da falência moral de uma promessa. Quando um sistema perde sua legitimação ética, perde também sua vitalidade histórica. Um sistema fundado na dissipação e na injustiça tem o futuro contado.

Pouco menos de trinta anos atrás um brilhante economista inglês prematuramente falecido, Fred Hirsch, escreveu um livro profético: ‘os limites sociais do desenvolvimento’. Aquilo de que o capitalismo mais sofre, afirmava ele, era de um esfarelamento de sua base moral. Aquilo de que acima de tudo necessitava era de um retorno moral”. Não se vê nenhum vestígio disso.





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