PenseLivre On Line

Como dizia apropriadamente Samuel Wainer: A PENA É LIVRE, MAS O PAPEL TEM DONO.
Os blogs permitem que, por algum momento, possamos ter a pena livre e, ao mesmo tempo, ter a propriedade do papel.
Neste blog torno públicas algumas reflexões pessoais, textos e publicações pinçadas da web e que me fizeram pensar e repensar melhor a realidade.
Este blog é uma pretenção cidadã e...nada mais!

Procuro por:

domingo, 28 de setembro de 2008

A crise moral do capitalismo

Autor: Giorgio Ruffolo
Publicado pelo jornal La Repubblica

Creio que o furacão passará sem subverter a economia mundial. O secretário de Estado Paulson, aquele a quem, como diz o Economist, se eriçam os cabelos que não tem, fizera, finalmente, a coisa certa. Havia deixado ir à falência um grande banco, evitando que lhe caísse por cima outra salvação. Logo depois, no entanto, teve que ceder à pressão do mundo financeiro, intervindo na bem mais onerosa salvação do colosso de seguros AIG. Assim, uma vez mais, as voragens abertas no livre mercado serão cobertas pelos contribuintes. Quais serão as conseqüências, ninguém, nem mesmo ele, sabe. Há quem teme que este novo tremendo golpe possa envolver todo o sistema. Mas, a economia capitalista é mais forte do que as devastadoras finanças que gerou. E, no entanto, esta crise pode ser fatal ao capitalismo sob um
aspecto mais geral e mais profundo.

Do ponto de vista estritamente econômico, por trás do inextricável emaranhado das tecnicalidades, há uma realidade inexpugnável: a desproporção do endividamento americano (de todos: interesses privados, bancos, Estado) no que se refere ao rendimento, e das finanças com respeito à economia real. Sobre o porquê e sobre o como raciocinamos tantas vezes. Não retomo este ponto. Tornou-se realidade o que era evidente. Exceto para os estáticos admiradores das tecnicalidades financeiras.

Em vez disso, gostaria de falar do golpe moral que esta crise de início de século está causando ao “turbocapitalismo”, minando sua credibilidade moral. Todo sistema histórico de organização da sociedade necessita de uma base de legitimação moral. Os opressivos dominadores dos antigos impérios precisavam de um deus que os impusesse, a eles e suas pequenas rainhas. Quando os mercadores da Idade Média entraram na polis, precisaram de um fatigoso compromisso com a Igreja, por eles abundantemente financiada, para superar tortuosamente o escândalo do interesse. A ideologia econômica do nascente capitalismo teve origem nas escolas de filosofia moral. A melhor legitimação não lhe foi oferecida, no entanto, pelos duvidosos princípios das virtudes weberianas, mas pelos mais práticos do utilitarismo, os quais ensinavam a retirar do egoísmo, e não da virtude, a energia necessária para promover a riqueza, em benefício, dizia-se, de todos.

Em suma, o capitalismo se justifica não por suas premissas, mas por seus resultados. E não resta dúvida que, até a metade do século vinte, os seus resultados em termos não só de crescimento econômico, mas de progresso social, tenham sido tais, que, não digo que compensassem, mas que suportassem os enormes custos implícitos no crescimento.

O que está sucedendo no mundo nos diz que a promessa de uma extensão universal do bem-estar está comprometida pela experiência de um mundo sempre mais instável e injusto. O “milagre” das finanças internacionais, que realizou enormes deslocamentos de riqueza dos países mais ricos aos países mais pobres, se traduz, no interior daqueles países, numa gigantesca disparidade entre os grupos sociais emergentes e aqueles deixados às margens. Na Índia, a extrema riqueza e a extrema pobreza só aumentaram e a mesma coisa está acontecendo na China.

Do último relatório do Banco Mundial resulta que o nível de pobreza aumentou no mundo para 1,4 bilhões de homens e de mulheres, que vivem com menos de 1,25 dólares ao dia. O índice Gini da desigualdade, relativo à população mundial, aumentou nos últimos quinze anos em sete pontos, ou seja, pouco menos de 20 por cento. Mas, é sobretudo nos Estados Unidos que a desigualdade entre a classe média empobrecida e as elites enriquecidas se impôs. O mesmo índice Gini, que caíra aos 41 por cento em 1970, aumentou nos últimos trinta anos para 47 por cento. O que está sucedendo, diz Robert Reich, e também diz David Rothkorpf, não é só um aumento das desigualdades, mas uma verdadeira e própria secessão social: um por cento da população mundial dispõe de 40 por cento do produto nacional.

Mas, o que tudo isto tem a ver com os desastres financeiros de hoje? Muitíssimo. Nos últimos vinte anos é precisamente a alocação dos recursos da economia guiada pelos mercados financeiros que se traduziu em termos reais num aumento das desigualdades e numa devastadora pressão sobre os recursos naturais: em direção oposta às necessidades reais da humanidade.

No mais rico e endividado país do mundo, os Estados Unidos, a desproporção entre os ganhos dos chefes das grandes empresas, também aqueles que as levaram ao desastre, e as pessoas comuns se tornou assombrosa. Os recursos mundiais foram endereçados por um sistema financeiro poderoso para um gigantesco endividamento, mantido por um crédito desenfreado. O nome turbocapitalismo se adapta muito bem a este sistema desassisado. A despesa mundial anual da publicidade que alimenta o consumo e a poluição monta a 500 bilhões de dólares, e a da pesquisa sanitária a 70 bilhões, sendo de 62 bilhões os recursos destinados pelos países ricos aos países pobres.

Repito: não creio que estejamos às vésperas de um novo colapso capitalista. A economia mundial dispõe de imensos recursos a serem mobilizados na emergência. Porém estamos diante da falência moral de uma promessa. Quando um sistema perde sua legitimação ética, perde também sua vitalidade histórica. Um sistema fundado na dissipação e na injustiça tem o futuro contado.

Pouco menos de trinta anos atrás um brilhante economista inglês prematuramente falecido, Fred Hirsch, escreveu um livro profético: ‘os limites sociais do desenvolvimento’. Aquilo de que o capitalismo mais sofre, afirmava ele, era de um esfarelamento de sua base moral. Aquilo de que acima de tudo necessitava era de um retorno moral”. Não se vê nenhum vestígio disso.





"Não se pode dar US$ 700 bilhões aos bancos e se esquecer da fome"

Hans-Gert Poettering, alemão, presidente do Parlamento Europeu, se mostra escandalizado. Não admite que se destinem US$ 700 bilhões para salvar banqueiros ao invés de destiná-lo à luta contra a pobreza.

Em entrevista concedida ao jornal El País, 28-09-2008, ele afirma:

“Não podemos permitir que no rastro da crise monetária, os americanos ponham US$ 700 bilhões no sistema bancário, isto é, para bancos que ganham dinheiro para o seu uso privado. Além disso, tem um outro aspecto. Nunca poderei compreender que se tenha US$ 700 bilhões
dos contribuintes disponíveis para salvar o sistema financeiro e não para lutar contra a fome do mundo. Isto é inaceitável e por isso proponho correções”.

Segundo ele, tudo isso mostra que “o modelo americano não é o modelo do futuro”. Como democrata-cristão, ele defende “política social de mercado”, descrito no Tratado de Lisboa. “Não é somente política de mercado nem somente política social, mas política social de mercado”, completa.

O alemão constata que o sistema europeu é diferente do americano “e podemos estar contentes de ter o modelo europeu, de ter a moeda européia, o euro, que é a base da estabilidade. Se não tivéssemos o euro, a Europa estaria metida na mesma enrascada”.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A degradação institucional do judiciário

Minha tendência pessimista diminui um pouco quando consigo ler textos como o elaborado pelo professor Gilson Caroni Filho e publicado no sítio www.cartamaior.com.br Me fez bem ler a matéria na medida em que me mostrou que há pessoas sérias e com os olhos bem abertos para o que se passa. Transcrevo abaixo porque essas considerações precisam ser divulgadas e nos dão subsídios para analisar com mais instrumentos a realidade brasileira.
____________________________________________________________
Titulo: Mendes, Veja e a degradação institucional
Autor: Gilson Caroni Filho
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

Qual terá sido o objetivo da reportagem de capa da revista Veja
em sua edição de 03/09/2008? "Denunciar" que a Abin teria feito grampos
ilegais nos telefones do ministro Gilmar Mendes e outras autoridades e,
com isso, alertar à sociedade sobre a existência de um Estado Policial
que ameaça as instituições democráticas? Ou, como alertou conhecido
blog “paralisar as investigações da agência sobre conspirações
deflagradas contra o Estado de Direito, inclusive aquelas perpetradas
nas páginas da Veja, sobretudo durante a campanha eleitoral de
2006, mas também com evidências no caso do "dossiê anti-FHC" para
derrubar a ministra Dilma?”.

Há linhas que valem mais do que
mil editoriais. São as que revelam os objetivos de um texto e o
descompromisso com a informação divulgada. Não comportam normas
prescritas em códigos de ética, seguem tão-somente a lógica da promoção
de eventos. Algo do tipo "domingo é dia de botar fogo no circo, criar
uma crise artificial e colher os frutos ao longo da semana". Lógico,
para tal empreitada contam com o apoio logístico de outros meios de
comunicação, além da acolhida eufórica de alguns
jornalistas-blogueiros.É o caso da matéria assinada pelos jornalistas
Policarpo Junior e Expedito Júnior: ”A Abin gravou o ministro”.

Além
de editorializarem as supostas denúncias, fazem afirmações sem um pingo
de comprovação, baseadas em “fontes” não identificadas, e, e inventam
fatos deslavadamente, como nesse trecho:” Desconfiado (o ministro
Gilmar Mendes), solicitou à segurança do tribunal que providenciasse
uma varredura. Os técnicos constataram a presença de sinais
característicos de escutas ambientais, provavelmente de aparelhos
instalados do lado de fora da corte." Mentira. A varredura feita pela
segurança do STF não encontrou qualquer vestígio de escuta clandestina.

A
degravação de uma conversa entre o presidente do Supremo e o senador
Demóstenes Torres (DEM-GO) seria a prova da seriedade do "jornalismo
investigativo" praticado por Veja. O fato de os dois
confirmarem o diálogo significa a existência de grampo? Se confirmar, o
que leva a crer que tenha sido feito pela Abin e não por alguém
empenhado em atingir Paulo Lacerda, o diretor da Agência?

Pois
bem, o relato impreciso da revista é o pretexto para Gilmar Mendes
afirmar que "não há mais como descer na escala da degradação
institucional. Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do
Supremo Tribunal Federal é coisa de regime totalitário. É deplorável. É
ofensivo. É indigno."

Se levarmos em conta que um juiz,
principalmente quando preside a mais alta Corte do país, deve buscar o
estabelecimento de conduta ética que lhe permita entender os limites de
sua atuação profissional, as palavras de Mendes soam como incompatíveis
com a natureza do cargo que exerce.

O que é descer na escala da
degradação institucional? Em artigo publicado em 08 de maio de 2002, o
jurista Dalmo Dallari foi muito assertivo ao tratar da indicação de
Mendes ao STF, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso:

"Se
vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão
correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à
corrupção e a própria normalidade constitucional".

"A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha inadequada".

"Indignado
com essas derrotas judiciais, o dr.Gilmar Mendes fez inúmeros
pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e
tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema
judiciário brasileiro é um "manicômio judiciário".

Os trechos transcritos não são exemplos explícitos de degradação institucional?

Tão
logo ascendeu (em processo formal, sem candidato, como é praxe na
Corte) à presidência do STF, Gilmar Mendes tomou a iniciativa inédita
de convocar a imprensa para, sem ter sido solicitado, deitar falação
sobre o quadro político.

Logo após, deixou-se "perfilar" pela revista Serafina, da Folha de São Paulo,
chegando ao ponto de ceder fotos de "álbum de família" e se deixar
fotografar na residência. Isso não é incompatível com a liturgia do
cargo? Não degrada a instituição que preside?

Durante o julgamento da aceitação da denúncia sobre o chamado “mensalão”, um fotógrafo do Globo,
premeditadamente, (pois teve que se posicionar por trás da bancada dos
meritíssimos) violou, e o jornal publicou, a correspondência privada
entre dois ministros (Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia), capturando
imagens das telas dos laptops dos dois em plena sessão. Na ocasião, nem
Gilmar Mendes nem a oposição fizeram qualquer restrição contra o
flagrante desrespeito à "majestade" da corte. Isso não é degradação
institucional?

O que o Supremo tem feito ao legislar
indevidamente sobre fidelidade partidária, uso de algemas, número de
vereadores, verticalização das coligações e nepotismo deve ser encarado
de que forma? Quando se superpõe aos demais poderes como se fosse
legislador ou chefe de Estado, o judiciário não colabora
substantivamente para a degradação institucional?

Seria
interessante que Mendes esclarecesse por que nunca se falou que a Abin
tivesse grampeado qualquer outro ministro do STF? Isso só entrou em
voga - partindo dele próprio- "coincidentemente", depois da concessão
de dois pedidos de hábeas corpus (o segundo, ignorando solenemente os
motivos da prisão) em favor de Daniel Dantas. Suprimir duas instâncias
do Judiciário para soltar o banqueiro, dando-lhe foro privilegiado, não
é degradação institucional?

Não seria o caso também de se
declarar impedido de participar do julgamento de Raposa do Sol, já que
sua posição contrária à demarcação contínua é conhecida desde a época
em que era advogado-geral da União, no governo FHC? Não lhe faltaria
imparcialidade sem a qual é inevitável a degradação institucional?


quem defenda que juízes devem falar exclusivamente por meio dos autos.
Ao conferir à linha editorial de Veja um caráter de “realismo jurídico"
não estaria o ministro firmando uma perigosa jurisprudência? E isso,
não seria descer ainda mais na escala da degradação institucional? Uma
sociedade controlada por monopólios de mídia e um Judiciário que
substitui os demais poderes não está à beira de um golpe de Estado. Já
o vive em plenitude. É preciso estar atento à banda de música que toca
a mesma marchinha desde os anos 1950. Com seus acordes a democracia
vive à beira do precipício.
______________________________________________________